INDEPENDÊNCIA DA BAHIA
História do Corneteiro Lopes é controversa, mas tem importância
Pesquisadores se dividem entre validar o erro que levou à vitória e questionar registro da façanha
Por Priscila Dórea
Considerado o mais importante confronto pela Independência do Brasil na Bahia, a Batalha de Pirajá aconteceu no dia 8 de novembro de 1822 – quase oito meses antes da marcha do Exército Libertador, em 2 de julho de 1823. O embate vitimou cerca de 200 pessoas entre portugueses e brasileiros, e a vitória brasileira teria vindo após um dos episódios mais icônicos da história: ao invés de tocar as notas que fariam o exército brasileiro recuar, o corneteiro Luiz Lopes emitiu o comando: “Avançar cavalaria, à degola”, assustando os portugueses e dando a vitória aos brasileiros.
“A região de Pirajá, e todo o entorno, era um lugar estratégico, afastado do centro antigo de Salvador e também um dos caminhos de acesso à cidade. Portanto, um lugar de disputa, pois a própria geografia da região ajudava nesse clima de tensões. Um grande ponto desfavorável para os brasileiros naquela ocasião era a infraestrutura do exército português, que era muito mais sofisticado. Porém, mesmo com todo esse privilégio, o que acontece é uma vitória do lado brasileiro”, explica o historiador Rafael Dantas, associado do Instituto Histórico e Geográfico (IGHB).
E o motivo por trás dessa vitória, aponta o historiador, gera certa dúvida até hoje: um erro – de caso pensado ou não – do Corneteiro Lopes fez o exército português achar que os brasileiros estavam recebendo reforço. “Não temos precisão sobre essa atuação ou não do Corneteiro Lopes, mas ficou eternizado, não é? O que de fato temos registrado é como essa vitória na Batalha de Pirajá foi um fôlego fundamental para os desdobramentos da Independência do Brasil na Bahia”, afirma Dantas.
Jornalista, pesquisador e membro da comissão de Cultura do IGHB, Jorge Ramos aponta que, apesar de haver pessoas que questionam a existência do Corneteiro, tal argumento não procede. “Quem primeiro citou o Corneteiro Lopes na historiografia da guerra foi Ladislau dos Santos Titara, autor da letra do Hino ao 2 de Julho. Ele era incumbido de classificar e catalogar toda a correspondência ativa e passiva do general Labatut, e estava sob a guarda dele toda a documentação do contingente militar brasileiro”, explica Ramos.
Nos intervalos da rotina de trabalho, Jorge Ramos conta que Ladislau Titara registrava toda a campanha de guerra, e esses escritos geraram obras como Paraguassu - Epopéia da Guerra da Independência na Bahia, de 1835, onde Titara escreveu: “No entanto, o tenente-coronel Barros (Falcão) manda retirar as forças. O Corneta ilude-se e dá inusitado toque de ‘Avançar cavalaria, à degola’”.
Em nota de rodapé explicou: “Luiz Lopes, clarim português, ao serviço dos bahianos, sendo-lhe ordenado que tocasse a retirar, invertendo o signal tocou Avançar cavalaria, à degola. Esta decisão, ou engano, decidiu completamente do remate da ação, em que os lusitanos estavam inda pertinazes”.
E prossegue Ramos: “Foi a maior das batalhas e, pode-se dizer, a única batalha entre os dois exércitos frente a frente, durou mais de quatro horas. No mais, o que houve foram ataques de um lado e resposta do outro. O toque errado da corneta fez os portugueses imaginarem que os brasileiros iriam receber cavalarias como reforço. Não vinha reforço algum, mas os portugueses recuaram, mesmo com a batalha praticamente ganha”.
Hoje, uma das sugestões de Jorge Ramos para homenagear essa personalidade marcante na história da Independência do Brasil na Bahia é criar uma estátua do Corneteiro Lopes no calçadão do Teatro Castro Alves (TCA), de frente para o Monumento ao 2 de Julho, na esquina do passeio. “Aquela rua ao lado do teatro chama-se ‘Rua Corneta Lopes’, então ele ficaria junto à rua que leva seu nome. Ali próximo está o Forte de São Pedro, também palco de lutas. E outra coisa simbolicamente importante: o Corneteiro Lopes ficaria em boa companhia ao lado do Teatro Castro Alves, cujo avô, o ‘Periquitão’, lutou com ele na guerra”.
Narrativa popular
No entanto, figuras como o Corneteiro Lopes, aponta o professor, historiador e atual Secretário de Articulação Interinstitucional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), José Ricardo Moreno Pinho, certamente podem ser formas que o povo encontra de se ver nas narrativas do processo da luta pela independência.
O docente acha difícil crer, por exemplo, nesse episódio do toque de “Avançar cavalaria e degolar” que está nos escritos de Ladislau Titara.
“É uma narrativa muito reproduzida, porém as forças nacionais sequer possuíam uma cavalaria. Mas essa é uma das muitas formas que o povo tem de se inserir na narrativa e a verdade é que a Independência do Brasil na Bahia teve muitos Corneteiros e muitas Maria Felipa. Os heróis, símbolos e mitos são construídos a partir do peso de sua participação na história, o que só é feito posteriormente aos episódios, no sentido de reforçar o sentimento de nacionalidade”, entende o professor.
Por isso, é muito legítimo que o povo construa seus mitos e heróis, que reforçam a participação popular nessa luta, “porque essa foi de fato uma luta popular, não é?”, salienta José Ricardo. A batalha foi travada pelo povo, inclusive por escravizados, sob a promessa de liberdade. Porém, salienta o professor, é papel dos historiadores ter uma leitura crítica. “Devemos reconhecer a importância e legitimidade do povo se ver nessa história, mas, ao mesmo tempo, devemos ter certo distanciamento do fato em si, já que não há comprovação documental de tais acontecimentos”, afirma.
Assista:
Em 2002, o curta-metragem 'O Corneteiro Lopes' foi lançado, sob a direção do baiano Lázaro Faria, e conta a história de Luiz Lopes durante a Batalha de Pirajá. Produzida e realizada após ser premiada pelo Governo do Estado da Bahia, no Edital 2002-Cine, a obra audiovisual está disponível de forma gratuita no YouTube
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes