BAHIA
Inserção tecnológica de idosos cresce e segurança no uso é motivo de atenção
Estratégias para evitar golpes e excessos contribuem para uma relação saudável com os dispositivos móveis
Por Priscila Dórea
Antenados e acessando, idosos das mais variadas idades estão engajados no mundo da tecnologia, sobretudo quando o assunto são os celulares: só na Bahia, 68,3% (25,878 milhões) das pessoas com 60 anos ou mais possuem um desses dispositivos de uso pessoal; em Salvador esse número sobe para 80,2% (519 mil) do total desse público, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2023.
A verdade é que a relação dos 60+ com a tecnologia passa longe do desconhecimento, mas estar atento ao tempo utilizado diante das telas e à segurança no uso é essencial para que essa relação seja saudável.
Apelidada de “Fera da Internet” pela irmã, a merendeira aposentada Emília Nunes (61) faz de um tudo com o celular na mão. “Pago as contas, assisto, encontro receitas, vejo fofoca e compro bastante. Reformei meu apartamento quase todo com as promoções online. Sem fila, sem ter que ficar batendo perna e tudo isso. Até para reclamar de problema com algum produto é mais prático”, afirma Emília, que sempre busca acessar sites confiáveis e conhecidos.
Para isso, ela até verifica o CNPJ quando o site parece suspeito, além da reputação dele no Reclame Aqui. “Hoje em dia minha irmã sempre me pede ajuda quando quer comprar algo online, já houve algumas vezes que ela quase caiu em golpe de site falso. Sei mexer em tudo no celular, sempre futucando aqui e ali, e o que não sei pergunto ao Google ou ao ChatGPT, que é muito educado e sempre retribui o meu ‘obrigada’ com um ‘de nada, fico feliz em ajudar’. É maravilhoso”, conta ela, animada.
Mas todo esse cuidado não deixa ela imune a tentativas de golpe. Emília, por exemplo, já recebeu mensagem de alguém se passando pela filha no WhatsApp pedindo dinheiro: “Ela estava do meu lado, imagine?”, recorda.
Quem também já passou por algo parecido foi o mestre em marketing e gestão empresarial, e consultor de negócios José Hamilton Sampaio, de 70 anos. “Me mandaram mensagem dizendo ser minha filha e pedindo dinheiro. Detalhe que tenho só dois filhos homens. No fim, eu estava no consultório médico esperando ser atendido e dando corda, até passei para o golpista a receita de uma torta de pêssego antes de desistirem”, recorda, risonho.
Professor da UniRuy Wyden, José Hamilton sabe, por sua profissão e área de estudo, mas também pelo apetite por conhecimento, lidar muito bem tanto com a tecnologia e suas ferramentas, quanto com o tempo que fica conectado.
“No final de semana, por exemplo, meu tempo é reservado para a minha família. Durante a semana organizo bem os momentos de trabalho e voluntariado, assim como reservo um tempo para meus escritos e estudos. Sem exageros e sem excesso de telas”, explica.
O importante, aponta José Hamilton, é garantir que o seu tempo seja usado com qualidade. ‘Busco jogar com o tempo a meu favor, pois o conhecimento hoje chega até nós muito rápido e o computador pode fazer de tudo, mas cabe a nós usar essa tecnologia a nosso favor. Por isso, minha dica para os outros é sempre verificar o quão confiável é o que você está acessando e monitorar o seu tempo na internet, evitando excessos para que isso não se torne um vício”, alerta.
Cognição
E isso se faz importante pois o apego às telas pode trazer inúmeras sequelas cognitivas. Um termo bem explicativo é a “nomofobia”, um conjunto de comportamentos que fazem com que a pessoa tenha dificuldade de desapegar do celular.
Nos idosos, esse apego à tecnologia pode vir da solidão na qual muitos acabam vivendo. "Mas também é muito comum observar esse apego vir como um sinal de outras dificuldades, como transtornos não diagnosticados ou não tratados", aponta a psicóloga e professora da UniRuy Wyden, Bárbara Guimarães.
Ansiedade, problemas para dormir, distração constante, sudorese, palpitação e tensão, são algumas das consequências desse uso em excesso. “Assim como pode fazer com que a pessoa passe a evitar relações e eventos sociais”, aponta a psicóloga.
Por isso que, quando se trata do mundo digital, ter equilíbrio é o segredo – e isso vale para todas as idades. “A grande dica é dar oportunidade para atividades fora de casa, seja para encontrar pessoas, fazer aulas e cursos, e viagens ou aprendizagem. É preciso organizar seu tempo para ter momentos de diversão sem celular”, aconselha.
Tempo bem dividido
A professora aposentada Marinalva Moraes, de 78 anos, busca dividir bem o seu tempo no mundo digital. Membro do grupo de convivência Alegria de Viver, do Centro Social Urbano de Castelo Branco (equipamento da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social - SJDHDS), o seu tempo nas telas é para breves distrações. “Costumo dizer que, com 78 anos de vida, já estou pagando pedágio nesse mundo, então quero ver coisas felizes e bonita”, brinca.
Além de passear pelo Instagram, Marinalva também paga todas as suas contas pelo celular e, por segurança nunca atende ou responde mensagem de números desconhecidos, assim como a servidora pública aposentada Maria Lúcia Almeida dos Santos, de 82 ano, também parte do Alegria de Viver. “Moro sozinha e aprendi muita coisa só mexendo aqui e ali no celular, sabe? Assim como Marinalva. Então se algo parece estranho, pergunto a um dos meus filhos”, conta.
Quem também evita usar o celular para algo além de seus interesses, tanto por segurança, quanto para aproveitar outros momentos da vida, é a doméstica aposentada Yeda Maria Lopes Faria, de 82, a jogadora do grupo Alegria de Viver.
“No celular gosto mesmo é de jogar. Tenho vários jogos baixados, mas os preferidos são os de caça-palavras. É uma distração quando estou em casa sem coisas para fazer e admito que às vezes fico mais do que deveria”, conta Dona Yeda.
No Centro Social, o grupo recebe palestras de inúmeros temas, inclusive sobre o mundo digital e o uso saudável de tecnologias.
“A gente atua diretamente na tecnologia e inclusão. Essa inclusão é para que os idosos possam não só ter acesso às informações, mas o conhecimento das novidades, a questão dos golpes e das ligações de sequestro de um familiar, por exemplo. Mas acima de tudo esse é um grupo de convivência importante para a socialização deles. Um espaço onde eles conversam, se distraem, trabalham sua saúde mental e emocional, além do autocuidado”, explica a assistente social e coordenadora do Centro, Rose Rian.
Advogado explica a noção de ‘brecha digital’
A vulnerabilidade das pessoas idosas frente aos golpes digitais é resultado de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e tecnológicos. “A chamada ‘brecha digital’ vai além da simples falta de familiaridade com dispositivos eletrônicos”, explica o advogado especialista em Direito Digital e professor do Centro Universitário UniRuy Wyden, José Vinícius Silva de Santana.
Além dos desafios com os conceitos e termos desse mundo digital, há ainda a tendência que os idosos têm de confiar mais facilmente em figuras de autoridade, as tornando as principais vítimas de golpistas.
Golpes como o do falso funcionário, do falso sequestro e do falso prêmio ou herança são os que melhor se adaptaram ao mundo digital, ao passo que golpes nativos do ambiente digital surgiram: emails fraudulentos exigindo atualização de dados de banco, sites e anúncios falsos vendendo produtos que não existem, a clonagem do WhatsApp e por aí vai.
Vulnerabilidade de idosos aos golpes digitais é resultado da interação de fatores sociais
Legislação
Hoje, o Código Penal Brasileiro não possui uma seção específica dedicada aos crimes digitais, mas muitos artigos existentes têm sido interpretados e aplicados de forma a abranger delitos cometidos no ambiente virtual, como o crime de estelionato.
Uma das principais formas de proteção oferecidas pela lei às vítimas de golpes digitais é a tipificação de condutas específicas.
“A Lei nº 12.737/2012 introduziu no Código Penal o artigo 154-A, que criminaliza a invasão de dispositivos informáticos. Já o Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. É notável a evolução, mas é importante reconhecer que a legislação ainda enfrenta desafios para acompanhar as inovações tecnológicas e as novas modalidades de golpes digitais”, explica Santana.
Dicas de como evitar golpes
Busque ajuda - Para os menos familiarizados com tecnologia, busque o auxílio de familiares ou profissionais de confiança para a instalação e configuração inicial dessas ferramentas, fazendo verificações regulares para garantir o funcionamento correto.
Configuração adequada - Instale e mantenha atualizado um software antivírus confiável em computadores, smartphones e tablets, pois eles detectam e eliminam ameaças como vírus e malware. Igualmente importante é a ativação do firewall, que bloqueia acessos não autorizados.
Dois Fatores - A autenticação de dois fatores (2FA) adiciona uma camada extra de proteção às contas online, exigindo, além da senha, uma segunda forma de identificação, como um número de telefone ou e-mail alternativo.
Senhas Recomenda - se usar senhas únicas para cada conta, combinando letras maiúsculas e minúsculas, números e símbolos. É importante evitar o uso de informações pessoais óbvias, como datas de nascimento ou nomes de familiares.
Fonte: José Vinícius Silva de Santana, advogado e professor
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