Isolamento social pode contribuir para reprodução das baleias jubarte
As paisagens urbanas e rurais seguem alteradas em diversas partes do mundo, em função do isolamento social recomendado durante a pandemia do coronavírus, pois cerca de 4,5 bilhões de pessoas estão em casa, segundo pesquisa realizada pela Agência France Presse (AFP). Sem a presença humana, os ambientes naturais são diretamente afetados, facilitando processos como a reprodução das baleias jubarte, que chegam ao litoral brasileiro neste período do ano.
De acordo com o coordenador de equipe e atividades de campo do Instituto Baleia Jubarte em Praia do Forte, o biólogo Sérgio Cipolotti, sinais positivos já são visualizados durante esse período de pandemia, porém estudos mais aprofundados serão realizados para confirmá-los.
"Nós percebemos que a natureza, de maneira geral, mostra sinais de uma certa recuperação e alívio desse consumo, da circulação e poluição. Estamos vendo uma reação positiva em todos ambientes naturais. Em relação às baleias, iremos observar essa chegada para o processo de reprodução, que ocorre entre junho e novembro. Vamos comparar com os anos anteriores e analisar mudanças de comportamento, como a chegada mais próxima à costa", detalha.
Ainda segundo o Cipolotti, a menor circulação de barcos, não só no litoral baiano, mas no mundo, é algo positivo aos cetáceos (baleias e golfinhos), porque eles se localizam e fazem o seu processo de comunicação através de sons. Menos ruídos e estresse, como as redes de pesca, são sinais positivos que diminuem os impactos para as baleias se reproduzirem e os golfinhos caçarem.
Considerando o ineditismo do cenário, o biólogo declara que jamais viu algo semelhante ao isolamento social, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como forma de conter o avanço da Covid-19. "Poder ter ocorrido algo de maneira isolada, em alguma localidade específica mas, desta maneira, com proporções mundiais, é a primeira vez", conta.
Conhecendo o Projeto
Criado em 1988, o Projeto Baleia Jubarte surgiu com o intuito de proteger o animal na região do Banco dos Abrolhos, principal berçário da espécie em todo o Atlântico Sul Ocidental, localizado entre o Sul da Bahia e o Norte do Espírito Santo. A Instituição também estimula a realização de atividades socioeducativas com comunidades litorâneas da região, através da informação e educação ambiental.
O coordenador do projeto ressalta a intensificação do projeto durante esse período de atividades, indicando a realização de descobertas através de estudos, a contenção da extinção das baleias e os impactos socioeconômicos causados pelo programa.
"As ações do projeto nesses 32 anos foram fundamentais para o reconhecimento da espécie, dos determinados padrões de reprodução das baleias jubartes, conhecer mais essa população, seus hábitos, distribuição, começar os estudos estimativos populacionais, com o fim da caça comercial. Destacando a importância dos benefícios sociais e econômicos trazidos pelas baleias com o desenvolvimento do turismo de observação das baleias", conta.
O biólogo estima uma população de mais de 20 mil animais no litoral brasileiro, que eram considerados extintos no início do projeto. "No início, não chegavam a dois mil. Depois de mais de três décadas do projeto, estimamos uma presença de 23 mil baleias jubartes", comemora.
Ameaça ao turismo de observação
O turismo de observação das baleias (whalewatching) é uma atividade regulamentada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Monitorada pelo Projeto Baleia Jubarte, a prática também se configura como um processo educativo aos visitantes e impacta diretamente na renda dos nativos, mas está ameaçada em meio à atual situação.
Conforme o especialista, o turismo de observação das baleias tem um valor agregado para a conservação, com base em dados científicos obtidos por meio da plataforma das embarcações de turismo, e também para o desenvolvimento econômico.
"Os animais já estão sendo avistados no Sudeste, o que era concentrado no litoral da Bahia, as demandas vão se diversificando, e o importante é que essas plataformas de turismo proporcionam essa 'onipresença' em diversos locais com pesquisa e a conscientização, gerando recursos a essas comunidades. Os 30 anos foram positivos para esse reconhecimento e conhecimento científico sobre a espécie, conseguir compartilhá-las com o mundo e se tornando uma referência no mundo", declara.
Oportunidade para os estudantes
Para Cipolotti, o projeto funciona como um verdadeiro 'celeiro' endereçado aos estudantes interessados na área de pesquisa e ciências biológicas.
"É uma grande oportunidade para as universidades, para os estudantes ingressarem com o seu conhecimento cada vez mais específico e principalmente prático. O instituto impulsiona cada vez mais estudantes através do nosso programa de estágio anual", afirma.
Expectativas e retorno
Em meio à um esboço de retorno das atividades normais, através dos processos de flexibilização, o biólogo acredita que o retomada será um processo lento e afirma que não há uma previsão exata.
"Estamos criando protocolos de segurança, com o objetivo de facilitar nossa ação de pesquisa, mas também junto às empresas, como forma de viabilizar o retorno do turismo, que será reduzido esse ano. Estamos estudando, somos solidários aos grupos parceiros, buscando alternativas conjuntas em um esforço coletivo e vamos aguardar os próximos desdobramentos".
De acordo com o biólogo, a pandemia é um tipo de situação que traz reflexões sobre todos os processos, prioridades, o consumo, os modelos de desenvolvimento e a utilização de recursos naturais.
"Precisamos, pós-pandemia, ter uma reflexão maior, buscar prioridades vitais para o nosso planeta. A natureza esboçou recuperação, e acredito no surgimento de padrões mais colaborativos, padrões de segurança mais qualificados e bem elaborados. O processo pode trazer algum benefício nessa estruturação e para valorização da natureza", conclui.
*Sob supervisão da editora Thaís Seixas