EMPREENDEDORISMO
Jovens baianos transformam ideias em negócios com identidade própria
Da cultura ao transporte, o Portal A TARDE trouxe três histórias de transformações
Por Isabela Cardoso

O cenário do empreendedorismo jovem no Brasil tem mostrado um movimento forte e inspirador. Cada vez mais, jovens saem da zona de conforto, enfrentam desafios e transformam ideias em negócios sustentáveis e inovadores. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), mais de 13 milhões de brasileiros entre 18 e 34 anos já têm algum tipo de iniciativa empreendedora.
Neste contexto, ganham destaque histórias como a de Joyce Melo, que transformou a ausência de mulheres no pagode em combustível para criar um coletivo cultural inédito; de Luisa Palma, que reencontrou sua voz ao lançar uma marca de joias autorais; e de Leonardo Santiago, que usou sua experiência como usuário de transporte público para desenvolver uma solução de climatização natural para ônibus coletivos.
Com trajetórias singulares, eles mostram que empreender é mais do que abrir um negócio: é construir soluções com identidade, enfrentando obstáculos e abrindo portas para outros sonhadores.
Quebrando paradigmas na música

No início, era um trabalho de conclusão de curso, mas o que nasceu na universidade como uma investigação jornalística virou um negócio com impacto real na cena musical baiana. As comunicadoras, Joyce Melo, de 26 anos, e Beatriz Almeida, de 27, perceberam que, apesar da força do 'pagodão' na periferia de Salvador, as cantoras ainda eram invisíveis.
Foi a partir disso, que a dupla criou o Pagode por Elas, uma iniciativa que hoje conecta, visibiliza e movimenta a carreira de artistas. “A gente opta por falar sobre o pagode como um lugar de cultura, entretenimento e possibilidade de lazer dentro da periferia. Só que, quando a gente começa a ler artigos e outros produtos acadêmicos sobre o pagodão, vimos que não existia nada sobre as mulheres em local de protagonismo”, conta Joyce, em entrevista ao Portal A TARDE.
A ausência virou combustível: foram mapeando artistas, produzindo documentários, podcasts e matérias especiais. Ainda no início, perceberam que o projeto não era só necessário — era urgente.

“A gente conseguiu gerar muitas oportunidades para elas através de assessoria de imprensa. Diversas matérias saíram falando sobre essas mulheres do pagode, contando as trajetórias delas para além desse lugar de vitimização ou de backing vocal, mas realmente como protagonistas", relata.
O primeiro patrocínio veio com o lançamento online da minissérie documental durante a pandemia. A partir daí, vieram editais, festivais e até uma apresentação no Chile. Com o tempo, o coletivo se expandiu e virou um ecossistema com frente musical e de networking.
“A gente precisa sempre pensar no problema que quer resolver... No período de TCC, a gente conseguiu se inserir na cena, conhecer as mulheres do pagode e fazer com que elas se abrissem com a gente", comenta.
Para sustentar o negócio, Joyce aprendeu o que a faculdade não ensina: elaborar pitchs, captar recursos e estruturar modelos sustentáveis. “Não adianta a gente ter boas ideias na faculdade e não ter noções básicas de empreendedorismo. Isso eu acho que deveria existir desde as escolas. Ter uma ideia é muito diferente de saber como fazer essa ideia se tornar rentável", conclui.
Da doceria à joalheria autoral

A designer de joias, advogada e escritora, Luisa Palma, de 32 anos, começou no empreendedorismo de forma despretensiosa, ainda durante a faculdade. Com duas amigas, abriu uma brigaderia que, embora não tenha dado certo, trouxe lições importantes.
“Eu nunca dependi desse negócio, ele foi realmente um hobby que foi elevado à experimentação da venda. Então, eu aprendi que precisava ser mais organizada e entendi que eu só voltaria pra esse mundo de alguma maneira muito mais organizada", comenta.
Depois dessa primeira experiência, Luisa seguiu trabalhando como CLT, mas a vontade de criar algo próprio continuava latente. Foi assim que nasceu a Palma Joias, uma marca autoral de joias na Bahia, com foco no design minimalista, conceito poético e referências regionais.
“Eu queria trazer essa ideia da profundidade conceitual, das coleções e trazer um pouco também da narrativa regional. Como eu sou escritora, eu também queria trazer um pouco da poética, porque tem a ver com o que eu acredito. Então eu sabia que teria que entrar de alguma maneira a parte conceitual, a parte poética e a regionalidade, o resto foi um desdobramento dessas ideias", relata.
Diferente da brigaderia, dessa vez ela estudou o mercado, buscou formação técnica e apostou em organização. “Tratar o negócio como um negócio desde o primeiro dia. Tratar a empresa, mesmo que ela não tenha o CNPJ ainda, como empresa. Estudar sobre o mercado, estudar sobre a pessoa, estudar sobre o comportamento do consumidor, ver a questão de custos, de valores, entrar mais no conceito do que fazer o negócio rodar e não só ir pela parte romântica ou lúdica da atividade", explica.

Mesmo com a empresa ainda em construção, Luisa equilibrou a vida profissional com a empreitada e recebeu apoio do ambiente de trabalho. "O momento de perceber que era hora de apostar tudo de novo foi difícil, principalmente quando vai ganhando forma... O pessoal do trabalho sempre me apoiou, isso foi super interessante. Eu tenho clientes hoje que são minhas antigas, meus antigos pares, meus antigos líderes. Então, eu não acho que nada foi em vão, eles participaram nesse momento comigo. Tem que saber gerir o seu tempo muito bem", diz.
Com uma visão madura, Luisa acredita que empreender é um ato de coragem, mas que exige persistência. “Não ter medo de diagnosticar, não ter medo de compreender, não ficar naquele lugar de remoer... Se não souber como diagnosticar, procurar ajuda pra diagnosticar o que deu errado, pra usar isso de incentivo e, assim, descobrir um jeito que dá certo", destaca.
Revolução do transporte público
O engenheiro mecânico, Leonardo Santiago, de 29 anos, cresceu em Paripe, bairro da periferia de Salvador, e sabe bem o que é passar horas em ônibus lotados. Desde o ensino médio no Instituto Federal da Bahia (IFBA), já sentia que algo precisava mudar. Em 2015, uma cena específica marcou sua trajetória: durante uma forte chuva na BR, viu uma senhora passando mal dentro de um ônibus superlotado.
“O desafio sempre foi desenvolver algo que não fosse na linha do ar-condicionado, porque ele aumenta em 20% o consumo de combustível, em R$ 60 mil o custo de um ônibus. Consequentemente aumenta também as emissões de gases poluentes. Então eu busquei uma alternativa, comecei a estudar algumas formas, através da ventilação natural, como poderia melhorar o ambiente interno do ônibus", explica Leonardo.

Durante a graduação no IFBA, ele mergulhou nos estudos sobre ventilação natural e desenvolveu o Areja Bus, um sistema de climatização passiva para ônibus urbanos. O processo foi longo, desafiador e exigiu desde a criação de um exaustor inédito até simulações computacionais complexas para validar sua eficácia.
“Não existiam tantos estudos sobre exaustores com esse tipo de princípio de funcionamento. Então, isso foi um desafio técnico muito grande em que eu passei algum tempo e com a ajuda de muitos professores para poder ir desenvolvendo. As dúvidas que existiam até realmente chegar no modelo matemático que eu tenho hoje", destaca.
O projeto ganhou força com o apoio do programa de pré-incubação Motor de Projetos, do IFBA em parceria com o Sebrae, e culminou no primeiro teste prático em 2020, durante a pandemia, em um ônibus de Salvador. Em 2021, abriu um CNPJ junto com colegas e começou a captar investimento. Conseguiu prêmios, firmou parcerias com clientes e programas como Acelera Hub, do Bando Nordeste.
Hoje, o Areja Bus tem sede virtual em Salvador, mas tem clientes em empresas de transporte em cidades como Bauru (SP), Florianópolis (SC), Petrópolis (RJ) e Goiânia (GO). Os dados colhidos são promissores: 85% dos usuários relatam melhora na experiência com o sistema em comparação com ônibus sem climatização.

“Uma pessoa de Petrópolis não estava utilizando mais ônibus para poder levar a mãe que tinha um problema respiratório. Ela falou que pegou o ônibus com a nossa solução e se sentiu muito mais segura, porque o ambiente é totalmente ventilado, então o risco de contaminação é muito menor”, diz.
Além de inovar no transporte público, Leonardo se tornou referência entre jovens empreendedores. Participa do Fundo Preto Digital, dá palestras sobre marketing e redes sociais em parceria com o Sebrae, e compartilha sua história em instituições de ensino. “Minha bagagem prática me permite inspirar outras pessoas que, como eu, vêm de lugares com poucas oportunidades. Eu sei que, com apoio certo, é possível mudar realidades”, completa.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes