FESTIVAL DA CERÂMICA
Maragogipinho assume protagonismo com evento dedicado ao artesanato
Evento dedicado à arte da cerâmica e outros tipos de artesanato termina neste domingo, no Recôncavo Baiano
Por Thaís Seixas
Todos os caminhos levam ao distrito de Maragogipinho, considerado o maior polo de cerâmica da América Latina, que fica na cidade de Aratuípe, no Recôncavo Baiano. Por lá, centenas de itens de barro, palha e tecido podem ser adquiridos no Festival da Cerâmica, que segue até este domingo, 19, com uma programação diversificada, reunindo feira de artesanato, gastronomia e música.
O Portal A TARDE visitou o município neste sábado, 18, e percorreu não só o espaço onde os produtos são comercializados, mas também algumas das cerca de 140 olarias da região e conheceu os verdadeiros protagonistas da festa. Os oleiros de Maragogipinho estão até mesmo fora do país, levando esta rica cultura para diferentes locais ao longo do ano.
Um dos que mantêm o ofício há mais de seis décadas é Antônio Santana, conhecido como seu Tutuna. Ele começou a mexer com o barro quando tinha apenas 13 anos de idade, e desde então não parou mais. A agilidade no manuseio impressiona quem acompanha a feitura de uma peça e, em menos de cinco minutos, ela já está pronta para secar e chegar até o cliente.
Seu Tutuna conta que, neste período de verão, as peças podem secar em apenas algumas horas. Já na estação das chuvas, levam até dez dias para alcançarem o estado ideal.
“O material vem na caçamba e a gente carrega de carro-de-mão para dentro da olaria. Depois, a gente ajeita o barro, amassa ele e vai trabalhar. A gente deixa secando nas prateleiras. Tem gente que coloca até no sol, mas tem barro que não aguenta a quentura e parte. Agora, no verão, a pessoa faz hoje, coloca no vento e daqui a pouco está seco. No inverno, são de oito a dez dias e, às vezes, nem seca direito”, explica.
Um dos mestres artesãos que ficaram conhecidos fora do país é Rosalvo Santana, responsável por produzir peças no estilo barroco. Normalmente, ele cria duas obras por semana, mas aquelas exclusivas, feitas sob encomenda, demoram cerca de um mês para serem concluídas e podem custar até R$ 8 mil.
“Desde criança, eu tinha curiosidade em fazer este trabalho. Eu ficava apontando para o santo e perguntava à minha mãe como era possível fazer. Quando eu comecei, fazia um trabalho mais tradicional, igual ao das igrejas. Quando eu fui para Salvador, percebi que todo mundo fazia a mesma coisa. Então comecei a modificar minhas obras e colocar movimento nas imagens, como se o vento tivesse batendo nos mantos e, felizmente, tive sucesso. Já ganhei um concurso de Arte Sacra do Ipac e desenvolvo esse trabalho pensando não só em mim, mas também em Maragogipinho, pois traz muito turista para cá”, revela o artista.
Rosalvo não teve um mestre para lhe ensinar a arte da cerâmica, mas passou os conhecimentos para o filho, Rosalvinho, de 23 anos. O ensinamento funcionou tão bem que, hoje, é difícil diferenciar quem é o autor de cada obra. Rosalvinho destaca a experiência de ter um mestre dentro de casa.
“Eu comecei a me interessar pelo ofício em 2018, quando acompanhei ele em uma exposição em São Paulo, e vi a maneira que as pessoas tratavam ele, admiravam e até choraram. Então eu me senti na obrigação de dar continuidade a este trabalha. Amanhã ou depois, quando ele não estiver mais fazendo, eu posso imortalizar o trabalho e continuar o legado que ele deixou”, ressalta.
Fomento ao artesanato
As obras em cerâmica produzidas pelos oleiros de Maragogipinho chegam aos mais diversos municípios baianos durante todo o ano. É possível comprar itens como esses na Feira de Caxixis, na cidade de Nazaré, durante a Semana Santa, e na Feira do porto, em Cachoeira, durante o São João, só para citar dois locais e períodos do ano.
Diante deste cenário, a Feira da Cerâmica Maragogipinho chega para mudar a rota do artesanato e atrair turistas e compradores para a região onde estas obras são criadas, fomentando a cultura e movimentando a economia local.
O prefeito de Aratuípe, Professor Tone, destaca a importância de focar os olhares na produção dos artistas locais e evidenciar a cultura popular onde ela acontece.
“Pra gente, é motivo de muita satisfação e alegria ter nosso primeiro Festival da Cerâmica. Essas peças estão espalhadas por toda Bahia e pelo mundo, mas pouca gente tem acesso a essa experiência incrível que é estar em Maragogipinho, uma comunidade com mais de dois mil habitantes e que tem a vida diária construída a partir da relação com a produção ceramista. Um grande valor cultural e da arte popular, que precisava dessa visibilidade e desse momento, com um evento que tem identidade própria e que traz luz a este espaço”.
O Festival da Cerâmica Maragogipinho é uma iniciativa do Governo da Bahia por meio do Programa Artesanato da Bahia, da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre). O evento conta com a parceria da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), o Ministério da Cultura (Minc), as Secretarias da Cultura (Secult) e Turismo (Setur) e a Prefeitura de Aratuípe.
O pró-reitor de Extensão e Cultura da UFRB, Danillo Barata, diz que a universidade participa do evento com um olhar de formação e reconhecimento do ofício, no sentido de auxiliar na preservação da arte realizada pelo oleiros.
“A nossa participação se dá em diversos aspectos, em uma soma de esforços para dar visibilidade ao evento, a esses saberes e a essa engenharia que é a produção no maior centro oleiro da América Latina. Na dimensão formativa, nós capacitamos os artesãos e empreendedores para acolher os turistas. Já em relação ao reconhecimento desses saberes e fazeres, estamos dando entrada para que eles sejam reconhecidos e, talvez, içados a patrimônio do Brasil pelo Iphan e o Ipac”.
Já o coordenador de Fomento ao Artesanato do Estado da Bahia, Wesley Moreira, evidencia a abrangência dos itens produzidos no local.
“Um dos nossos objetivos é destacar para o Brasil e o mundo que Maragogipinho é o maior centro de cerâmica da América Latina, e concentra um saber fazer de mais de 200 anos. Já iniciamos o processo de patrimonialização do saber fazer centenário. Outra coisa importante é que existe um conjunto de atividades feitas a partir da cerâmica daqui, por exemplo, uma parte significativa dos utensílios usados nas cerimônias do candomblé é daqui de Maragogipinho”.
*A jornalista viajou a convite da organização do evento
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