BAHIA
Midas Trend: de lucros exorbitantes a prejuízos incalculáveis
Por Raphael Santana

“Vendi meu carro, fiz um empréstimo de R$ 10.000 e investi todo o dinheiro na empresa, porque queria deixar de trabalhar como motorista de aplicativo. Pensava em comprar dois imóveis para alugar”. O sonho de Joana Peixoto*, de 47 anos, e de outras tantas pessoas virou um pesadelo quando a Midas Trend, empresa de marketing multinível do tipo pirâmide financeira, encerrou as atividades, deixando todos os colaboradores endividados e sem receber os valores devidos.
Joana, que mora em Salvador, trabalhava como motorista de aplicativo, quando sofreu um assalto, em março de 2018, que a traumatizou. A partir daí, decidiu vender o carro. Pouco mais de um ano depois, conheceu as ofertas da Midas Trend por meio de um colega de trabalho. Entre as promessas, estavam: “escolha ser seu próprio patrão”, “já pensou em multiplicar sua renda?” e “coloque seu dinheiro para trabalhar 24 horas por dia com nosso robô -enquanto você dorme ele trabalha para te dar lucros diários”.
“Vendi o único bem que eu tinha e contraí um empréstimo, pois eu via na Midas a possibilidade de mudar de vida. No total, foram R$ 60.000 investidos. Estou no vermelho. Tive depressão, perdi o apetite e estou tomando calmantes. Tive que voltar a trabalhar como motorista de aplicativo com carro emprestado para pagar dívidas”, conta Joana.
A empresa
A Midas Trend foi fundada em maio de 2018 por Deivanir Vieira Santos, na cidade de São Sebastião do Passé (distante 65 km de Salvador). De lá pra cá, quase 100 mil pessoas de diferentes esferas e áreas sociais compraram a ideia. O negócio ia bem até que desandou em outubro de 2019, quando o CEO anunciou que a Urpay, uma Rede Social de pagamentos, havia sido bloqueada pela justiça. Ou seja, todos os “investidores” ficaram impedidos de sacar o valor, que, no total, segundo informações de uma liderança da empresa, é de aproximadamente R$ 700 milhões.
Diante da situação, Deivanir decidiu criar o banco próprio para pagamentos, o Midas Pay. Com isso, a expectativa era a de que os colaboradores fizessem um novo cadastro para poder sacar os valores. Em dezembro, o presidente da empresa alegou dificuldades relacionadas aos limites diários e que não conseguia fazer os pagamentos. A solução encontrada, então, seria pagar pelo Exchange, via criptomoedas. O que também não funcionou. No mesmo mês, Deivanir fez uma live (transmissão ao vivo), usando o perfil da Midas Trend no Instagram, para anunciar o encerramento das atividades no Brasil, sob a alegação que o mercado de moedas virtuais no país é carente de regulação.
No início de janeiro de 2020, ele pediu um prazo de 90 dias, que expirou em 13 de abril, para dar início às operações da nova plataforma, a Midas Canadá, sediada na cidade de Ontário. Mas, em nova transmissão pela internet, no dia 14 de abril, a surpresa: Deivanir comunicou que um hacker havia invadido o sistema e roubado as criptomoedas.
“Investi R$ 17 mil com lucros já alcançados que passavam de R$ 50 mil. Pretendia, com os rendimentos, fazer mestrado no exterior. Eu sabia que esse tipo de negócio era de alto risco. Contudo, acreditei demasiadamente nas palavras do CEO da empresa, que prometia que a Midas mudaria a vida de seus clientes para melhor. Infelizmente, estamos há 6 meses sem receber nem o capital investido, acreditando nas promessas do presidente, que, até o momento, não cumpriu com nada”, conta Anne Santos*, 36 anos.
Como funcionava
A empresa Midas Trend contava com dois planos de operação: Midas Share e Bot Midas. Na primeira opção, a adesão tinha como valor mínimo R$ 130, rendimento fixo de 25% e “fidelização” de um ano, mas era possível sacar o dinheiro mensalmente, em uma data de aniversário da conta do cliente. Outra opção era o Bot Midas, a partir de R$ 130, mas com rendimento variando entre 30% e 40%. Neste plano, robôs software operavam no mercado financeiro, comprando e vendendo criptomoedas, de maneira exclusiva para cada pessoa.
Um dos líderes da empresa aderiu ao Bot Midas e os lucros eram cada vez maiores. “Entrei no projeto no fim de abril de 2019. Cheguei a investir R$ 580.000 e tenho direito a receber R$ 2,6 milhões. Todo dia tem gente me cobrando, achando que estou colaborando com isso. É muita pressão de todos os lados”, revela esta liderança, que mora fora da Bahia.
Quem também está contando os prejuízos é outro líder, que conheceu a Midas por meio de grupos de Whatsapp de investimento. “Inicialmente, investi R$ 200 mil. Estou com um total de R$ 450 mil pra saque, mas Deivanir vem enrolando a gente com falsas promessas. Hoje, estamos reunidos em um grupo para entrar com um processo contra a Midas”, revelou o empresário de Santa Catarina Cláudio Ferreira*, de 45 anos.
Plano de Recuperação
Na última live, realizada no começo da manhã desta segunda-feira, 27, sem agendamento prévio, Deivanir Vieira Santos se pronunciou para comunicar o lançamento do plano de recuperação do negócio. De acordo com ele, os pagamentos de parte do valor devido, que totaliza R$ 60 milhões (diferente do que denunciou uma liderança da empresa, que seria de R$ 700 milhões), irão priorizar aqueles clientes que nunca sacaram qualquer valor da Midas Trend.
Em um trecho do vídeo, de pouco mais de 8 minutos, ele disse que “todo cliente será contemplado e todas as pessoas irão receber. A empresa não ficará devendo um centavo a ninguém”.
Pelo plano, Deivanir pretende pagar, como já foi citado, prioritariamente quem não fez saques. Em seguida, será a vez daqueles que fizeram saque, mas ainda tem valores retidos e, por fim, as pessoas que têm crédito, sacaram valores, mas ainda têm a receber. A medida de garantir o pagamento parcial tem como objetivo, segundo ele, evitar qualquer ação judicial.
O CEO da Midas Trend pretende lançar, ainda nesta semana, a nova empresa Midas 2.0, com uma nova versão.
*Nomes fictícios - as identidades das fontes foram preservadas
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