BAHIA
Morte de Nega Pataxó expõe a violência na luta pela terra
Indígenas relatam participação de PM’s em ataque de ruralistas
Por Alan Rodrigues
O assassinato de Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, 52 anos, no domingo, 21, é apenas o mais recente de uma sucessão de atos violentos contra o povo indígena no extremo Sul da Bahia.
Nega Pataxó era Majé (líder espiritual) da tribo Pataxó Hã-Hã-Hãe. Mestra de saberes, atuava no cuidado da saúde do seu povo a partir de conhecimentos da medicina tradicional.
Militante do movimento indígena, recentemente ajudou a organizar eventos e encontros de movimentos sociais e comunidades, como a Pré-Jornada de Agroecologia da Teia dos Povos, na Terra Indígena Caramuru Catarina-Paraguassu.
No atentado que a matou, o cacique Nailton Muniz, seu irmão, foi baleado, teve o rim atingido e passou por cirurgia. Uma outra indígena teve a clavícula quebrada em uma sessão de tortura, além de outros feridos e alguns que permanecem desaparecidos.
O homicídio ocorreu em Potiraguá, no Sudoeste da Bahia, no contexto de uma retomada das terras. Cerca de 200 ruralistas se mobilizaram através de aplicativos de mensagens e redes sociais.
Eles seriam membros do grupo ‘Invasão Zero’, coordenado pelo empresário e ruralista ilheense Luiz Uaquim, com milhares de seguidores nas redes sociais, onde incentiva o ataque a comunidades Sem-Terra, povos originários e outros movimentos de luta por reforma agrária no Brasil, segundo fontes locais.
Uaquim diz contar com apoio da força policial, o que pode ser comprovado um áudio que circulou em grupos de WhatsApp em abril do ano passado, por ocasião da Jornada Nacional de Luta do MST.
“O batalhão de Jequié de polícia está sendo mobilizado junto com produtores para amanhã de manhã fazer a retirada dos invasores [do MST]. Esse é o planejamento que está sendo montado”, disse o fazendeiro em mensagens de áudio espalhadas. A Secretaria de Segurança Pública nega envolvimento com o grupo de fazendeiros.
Pedido de socorro
Áudios enviados pelos indígenas para denunciar a emboscada a Nega Pataxó e Nailton circularam em diversos grupos de WhatsApp, solicitando que as pessoas denunciassem a agressão às autoridades competentes.
“Tem como vocês entrar em contato com alguém para pedir socorro, para mandar a polícia para o Rio Pardo, na Casa do Cacique Nailton? Cacique Nailton tá baleado, minha tia foi baleada e morreu, e o pessoal tá atacando lá”, narra uma voz anônima no arquivo.
Nesta segunda-feira, 22, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, chegou a Potiraguá e condenou o ataque. Ela está acompanhada pelo secretário baiano Felipe Freitas (Justiça e Direitos Humanos) a secretária Ângela Guimarães (Igualdade Racial, Povos e Comunidades Tradicionais) e com os deputados Valmir Assunção (Federal) e Rosemberg Pinto (Estadual).
Escalada
Os ataques ao povo Pataxó se tornaram ainda mais frequentes no último ano. Há um mês, no dia 21 de dezembro de 2023, o cacique Lucas Kariri-Sapuyá, 31 anos, foi assassinado em Pau Brasil, no extremo sul da Bahia, quando voltava para a sua aldeia, acompanhado de seu filho.
Três homens encapuzados dispararam contra o jovem, que morreu antes de ser socorrido. Na ocasião, solicitado por familiares, que também foram ameaçados por pistoleiros, o Governo da Bahia não visitou a localidade.
No mesmo ano, além do Cacique Lucas, outros cinco indígenas foram assassinados na Bahia. Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número dobrou em relação a 2022. Entre as vítimas, está Daniel de Sousa Santos, Pataxó Hã-hã-hãe de 17 anos, que foi morto em uma área de reserva ambiental, também em Pau Brasil.
“A região enfrenta os desmandos de fazendeiros invasores que se dizem proprietários das terras tradicionais e acusam o povo de ser ‘falso índio’. A aprovação do marco temporal acentua a intransigência dos invasores, que se sentem autorizados a praticar todo tipo de violência contra as pessoas”, comentou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre o assassinato da Majé. De acordo com relatórios da entidade, 29 indígenas Pataxó-Hã-Hã-Hãe foram assassinados na última década.
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