2 DE JULHO
Mulheres protagonizaram luta pela independência
Entre as muitas anônimas, algumas mulheres registraram seus nomes na história como Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa
Por Priscila Dórea

As batalhas pela Independência da Bahia duraram um ano e sete dias, e dentre os muitos personagens que protagonizaram esse importante pedaço de nossa história, há um incontável número de mulheres. Entre as muitas heroínas anônimas - costureiras, ganhadeiras, esposas, mães -, há aquelas que conseguiram que seus nomes entrassem para o roteiro dessa conquista, como a protetora Joana Angélica, a guerreira Maria Quitéria e a lendária Maria Felipa.
“A verdade é que são muitas as mulheres e homens, escravos e índios, que não entraram devidamente nos registros históricos da época, que sim, eram muito machistas e patriarcais”, explica o pesquisador, jornalista e membro da Comissão de Cultura do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Jorge Ramos.
Das poucas mulheres que não tiveram seus nomes apagados, temos a abadessa Joana Angélica, a primeira heroína da independência. “Ela foi uma mártir, uma protetora e uma vítima também. Joana Angélica se pôs à frente dos portões do Convento da Lapa para impedir que soldados portugueses invadissem aquele local que homens não podiam entrar, pois era de freiras enclausuradas. Ela as protegeu com a própria vida, foi um gesto puramente heróico. Há livros que dizem que alguns desses soldados provavelmente estavam bêbados, que eram selvagens e poderiam, ou até queriam, abusar das noviças”, explica Jorge Ramos.
Joana Angélica já estava com 60 anos na época, recebeu golpes de baioneta dos soldados e faleceu no dia seguinte ao ataque, em 20 de fevereiro de 1822, e seu assassinato serviu como um dos estopins para o início da revolta dos brasileiros.
Motivação
Para a professora aposentada Sônia Real, 81 anos, histórias como as de Joana e das tantas outras heroínas da Independência da Bahia, são uma inspiração e mostram como as mulheres são fortes. E combatentes.
“Acredito que a maioria das mulheres nasce com a vocação de proteger, é um instinto, quer ele acabe se voltando para a maternidade ou não, por exemplo. As mulheres são combatentes de diversas formas diferentes. Eu sou, assim como minha mãe, Maria Real Pereira, de 100 anos e professora leiga, também é. Nós e tantas outras mulheres por aí são combatentes, nós lutamos por nossos direitos e para termos dignidade. Penso que, acima de tudo, as mulheres procuram ser respeitadas por seja qual for o papel que ela desempenhe dentro da sociedade”, afirma a aposentada.
Uma dessas combatentes é a Maria Quitéria que, vestida com roupas masculinas do cunhado, se apresentou como soldado Medeiros ao Batalhão dos Voluntários do Príncipe, lutou ao lado dos outros soldados e por sua bravura em combate, o general Pedro Labatut lhe conferiu as honras de 1º cadete.
Coragem
“No caso de Maria Quitéria, ao contrário de Joana Angélica, foi escolha dela entrar na batalha, ela queria lutar e fazer parte dessa conquista, ser guerreira”, explica o pesquisador Jorge Ramos.
Já a lendária Maria Felipa, da qual muitos duvidam da existência, existiu sim, afirma o estudioso. “Ela é um bom exemplo do quanto os historiadores da época queriam diminuir e apagar a importância que mulheres, principalmente as negras, tiveram. Maria Felipa foi resgatada da história e teria sim existido, tanto que o historiador Ubaldo Osório, avô do escritor João Ubaldo Ribeiro, foi um dos primeiros a falar sobre ela, a marisqueira de Itaparica que liderou outras mulheres, índios tupinambás e tapuias contra navios portugueses”, contou o pesquisador.
De acordo com relatos históricos, o grupo que ela liderava era composto por cerca de 200 pessoas que usavam facas de cortar baleia, peixeiras, pedaços de pau e galhos com espinhos como armas, e queimaram cerca de 40 embarcações portuguesas que estavam próximas à Ilha de Itaparica.
As imagens que temos dela hoje foram feitas a partir de pessoas que descreveram sua aparência: uma mulher negra alta, trabalhadora braçal e de grande força física.
Anônimas

Joana e as duas Marias foram protagonistas na conquista pela Independência, mas inúmeras outras tiveram as suas histórias ignoradas ao decorrer do tempo.
Mas a verdade é que, os membros homens das famílias foram para a guerra - adolescentes de 15 anos foram chamados - e mulheres, das mais variadas idades, que ficaram sustentando as casas e as famílias.
“Atrás de cada soldado havia uma mãe, uma irmã e uma filha, cuidando das casas, fazendas e engenhos”, afirma o pesquisador Jorge Ramos.
Há relatos, afirma o pesquisador, de uma mulher que deu duas vacas para as tropas de Pirajá se alimentarem, e algo parecido também foi relatado em Itaparica.
Elas mantinham os engenhos funcionando, produzindo farinha e alimento, costurando e remendando os uniformes, cuidando das crianças e fazendo a economia toda girar.
“É preciso ter em mente que essa guerra durou mais de um ano e todos os homens foram convocados. As mulheres ficaram em seus lares, dirigindo e coordenando outras mulheres, cuidando dos negócios e ainda enviando provisões aos soldados”.
Um exemplo marcante dessas mulheres anônimas com papéis fundamentais no 2 de Julho são as Caretas do Mingau.
Para alimentar os maridos e filhos que precisavam ficar noite e dia de guarda em Saubara (vigiando o mar alertas para qualquer navio português no horizonte), as mulheres saiam a noite cobertas por lençóis brancos e panelas na cabeça com comida e armas.
“Elas levavam mingau quente e um pouco de afago para os soldados. O objetivo das vestes era, caso algum soldado inimigo as vissem, se assustariam e fugiriam. Hoje, isso se tornou mais uma parte das festas de 2 de Julho na região, e essas mulheres, ainda que anônimas, continuam sendo lembradas”, conta Jorge Ramos.
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