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Olhar Cidadão: População sofre com crise na Saúde de Itabuna

Publicado sábado, 31 de agosto de 2019 às 23:00 h | Atualizado em 21/01/2021, 00:00 | Autor: Raul Aguilar | Fotos: Raul Spinassé | Ag. A TARDE
Ana Clara e a filha Ana Carolina esperam atendimento na Unidade de Pronto Atendimento da cidade
Ana Clara e a filha Ana Carolina esperam atendimento na Unidade de Pronto Atendimento da cidade -

Dois hospitais fechados e três sob ameaça de encerrar atividades nos próximos dias. Unidades Básicas de Saúde que sofrem com falta de pessoal e de insumo, além de uma UPA e um hospital municipal que convivem com superlotação. Esse é o cenário da saúde pública em Itabuna (438 km da capital, no sul do estado), que já teve cinco secretários em dois anos e meio de gestão. Hoje, o município possui um titular interino na pasta, Geraldo Pedrassoli, que acumula a função junto com a diretoria financeira.

A crise estourou após a prefeitura  encerrar o contrato com o Hospital Infantil e Centro Médico Pediátrico de Itabuna (Cemepi), da iniciativa privada, e não renovar o convênio com o Hospital São Lucas, unidade filantrópica gerida pela Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, em 2018. Ambos acabaram fechando as portas.

Aumento na demanda

O fechamento das duas unidades causou um aumento exponencial da demanda nos outros hospitais filantrópicos da Santa Casa, o Calixto Midlej Filho e o Manoel Novais, e no Hospital Maternidade Ester Gomes, da Fundação Fernando Gomes, organização filantrópica criada pelo atual prefeito, Fernando Gomes (sem partido). 

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Tapumes fecham entrada usada para demanda aberta

Com o aumento da demanda, os hospitais filantrópicos cobraram da Secretaria de Saúde um acréscimo no valor do repasse. A primeira cobrança aconteceu em maio deste ano, quando venceu o convênio do hospital Manoel Novaes. Sem condição para fazer um repasse de R$ 1,5 milhão a mais, a Secretaria de Saúde fez um acordo com a Santa Casa para encerrar o atendimento de portas abertas.

Hoje, a Santa Casa vive com endividamento pelo subfinanciamento da tabela SUS

“Optou-se pelo fim da demanda aberta e adesão a uma demanda regulada. Essa unidade recebia 92% dos pacientes via SUS, um total de 260 pessoas por dia. Essa emergência nos custava R$ 650 mil por mês e nós tínhamos um repasse de 68 mil para ela”, revelou André Wermann, diretor administrativo da Santa Casa de Itabuna.

O contrato do município  com os hospitais da Santa Casa encerrou-se  dia 31 de julho. O atual cenário é de incerteza. Os funcionários das unidades convivem com atrasos no salário e os pacientes com a falta de medicamentos e interrupção de alguns atendimentos. 

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Faltam remédios no estoque da Santa Casa de Itabuna

Wermann reclama do repasse de 1.2 da tabela SUS (unidade de referência da ministério) para a Santa Casa, e afirma que o caminho para resolver a crise é um financiamento tripartite, como estabelece a lei do  SUS. 

“Essa tabela precisa ser custeada pela União, Estado e município. Não estamos pedindo nada para locupletar ninguém. Gastamos o resultado dos prestadores particulares com o SUS em nossas unidades. Estamos endividados e estruturando linhas bancárias para conseguir fôlego e não encerrar as atividades, pois R$ 68 mil/mês não arcam com uma equipe trabalhando 24 horas em uma emergência. Não dá para trabalhar com 1.2 da tabela SUS”, salientou o diretor.

É duro sair de Ipiaú para fazer quimioterapia e não ter remédio. O Calixto precisa de atenção

O aposentado Samuel Correia, 73, saiu de Ipiaú – a cerca de 120 km de Itabuna – na última quarta-feira para fazer o tratamento de um câncer no hospital Calixto Midlej Filho, referência em oncologia na região, mas foi informado de que não poderia realizar o procedimento, por falta de um medicamento. 

“Saí quatro horas da manhã de Ipiaú para chegar aqui e não ser atendido. A situação do hospital está complicada, tem boato de que há médicos que estão sem receber e que planejam sair, tenho receio de não  terminar meu tratamento”, lamentou. 

Pedidos do gestor

A situação do Hospital Maternidade Ester Gomes é ainda mais complicada. O prazo para renovação do contrato  acabou no dia 29 de julho, sem  atualização. 

Um ofício enviado pelo secretário interino de saúde, Geraldo Pedrassoli, última sexta-feira, pedia que o hospital não encerrasse as atividades que o município se comprometia a pagar os serviços de pediatria e obstetrícia. Até o fechamento desta edição, a unidade seguia atendendo.

A maternidade possui  estrutura para baixa complexidade e não dispõe de equipamentos auxiliares no  diagnóstico, como raio-x, segundo informou a auxiliar de produção Larissa Souza, que passou por uma situação delicada com a filha de 2 anos no local. A menina foi diagnóstica com pneumonia  e regulada para o Hospital Manoel Novaes. Ao chegar lá, o médico de plantão não aceitou a criança, pois precisava de um raio-x anexado ao relatório. “Eu tive que sair com minha filha doente nos braços até uma clínica particular, onde paguei 60 reais para fazer a radiografia e conseguir a internação. Isso é um absurdo, uma humilhação”, desabafou. 

A dona de casa Ruth Rodrigues foi atendida na Maternidade Ester Gomes, que não comporta a elevada demanda e fica situada em um local distante da cidade. Ela afirmou que “depois que ocorreu o fechamento do Cemepi e do Manoel Novais a saúde do município virou um completo caos”.

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Ruth Rodrigues carrega o filho Tarcísio após atendimento

EM MEIO AO CAOS, PREFEITO CULPA GESTÕES PASSADAS

O prefeito Fernando Gomes concedeu uma entrevista coletiva última quarta-feira, 28, e acusou gestões anteriores, repasses insuficientes do SUS e  prometeu usar a UPA como emergência pediátrica e obstétrica, caso ocorra o fechamento da maternidade que leva o nome dele. “Ser prefeito hoje é difícil com os recursos que temos.  Administrar uma falência por incompetência do passado é complicado. Vou fazer uma auditoria para apurar tudo, quero ver se o dinheiro está sendo gasto com medicamentos, se tem gente recebendo sem trabalhar”, afirmou Gomes.

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Prefeito (à dir.) diz que município está quebrado

O secretário interino da área, Geraldo Pedrassoli, disse que as  filantrópicas estão “querendo um valor muito alto, e que a secretaria não consegue repassar”. Ele revelou que deixará a pasta por não haver condições técnicas de continuar na função.

O vereador Jaime Araújo (PCdoB), entrou com uma representação no Ministério Público (MP-BA), pedindo que a prefeitura restabeleça a demanda aberta no Hospital Manoel Novaes e criticou a fala do prefeito: “O povo de Itabuna sofre com essa má gestão, principalmente quem faz tratamento contínuo. A saúde na cidade está um caos por causa da redução da oferta, e agora ele fala de auditoria, como ele é o prefeito e não sabe como está a pasta?”.

A crise afeta também as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Falta de pessoal, médicos, insumos e medicamentos prejudicam o funcionamento.

O MP entrou com  ação pedindo que a prefeitura restabeleça os serviços. A 1ª Vara da Fazenda Pública concedeu liminar exigindo que o município  reestabeleça o funcionamento no prazo de seis meses, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia.

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Cirlândia Pinto, que tentou atendimento para o filho Luis Augusto, volta para casa frustrada

Em meio ao caos,  sofrem as mães, como Cirlândia Ferreira, que não   marcou  tratamento com  fonoaudiólogo e  fisioterapeuta para  o filho, com paralisia crônica. A  estudante Ana Clara sofreu para ser atendida na UPA, tendo que carregar por longo tempo a filha de cinco meses nos braços. 

FERNANDO GOMES RESPONDE A PROCESSOS NA JUSTIÇA

No quinto mandato como prefeito de Itabuna, o primeiro deles em 1977, Fernando Gomes parece ter a saúde como centro de problemas nas gestões. A área, inclusive, foi responsável por dois dos vários processos judiciais aos quais ele responde atualmente.

Uma das ações, movida pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), refere-se ao mandato  entre os anos de 1997 e 2000. Ele é réu por irregularidades na aplicação de recursos do Piso de Assistência Básica do Sistema Único de Saúde (PAB/SUS), nos exercícios de 1999 e 2000. As ilegalidades foram verificadas em fiscalização feita pelo Ministério da Saúde. O caso acabou sendo alvo de processo no Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar responsabilidades por danos à administração pública.

A ação do MP-BA, no valor de R$ 270,3 mil, está em tramitação na 1ª Vara da Fazenda Pública de Itabuna. A última movimentação no processo foi em abril de 2018. 

Agricultura familiar

O prefeito é réu em outro processo na mesma Vara, por irregularidades  em um convênio com valor de R$ 2,1 milhões.

A verba veio do então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para um programa de agricultura familiar. O caso está em andamento. 

Questionado sobre os processos, Gomes disse que não falaria sobre o assunto. 

A dança das cadeiras na Secretaria de Saúde de Itabuna começou em 2017, primeiro ano da gestão do prefeito Fernando Gomes,  quando Vitor Lavinsky pediu exoneração e escreveu uma carta aberta criticando o prefeito, alegando que na condução da coisa pública,  “a forma sugerida, muitas vezes, fugia ao que mandam os preceitos da legalidade”. 

Ele foi substituído pela enfermeira Lísias Miranda, que ainda em 2017 denunciou a diretora da Central de Regulação, Maria José da Gama, de estar cometendo irregularidades que envolviam contratação de funcionários fantasmas, liberação de consultas, exames acima da cota permitida e por conluio com fornecedores – entre eles um instituto de tomografia com sede no Espírito Santo.

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