BAHIA
Racismo guiou estudo baiano que fez maconha ser proibida no Brasil
José Rodrigues da Costa Dória observou usuários da erva no rio Paraguaçu
Por Gabriel Moura

Ambas são ervas que provocam efeitos psicoativos ao serem fumadas, mas uma é legal e a outra criminalizada no Brasil. A explicação resumida para essa diferenciação é que, no passado, tabaco era consumido pela elite branca, enquanto a maconha era a preferência dos negros. Já a versão estendida passa pela análise dos estudos que o médico, político e jurista José Rodrigues da Costa Dória conduziu na Bahia.
Em texto publicado em 1915, Rodrigues Dória narrou a observação de trabalhadores negros que consumiam a erva às margens do rio Paraguaçu, na Bahia. Os mais velhos acendiam e passavam o fumo para os jovens, que dançavam, cantavam e riam.
A conclusão tomada pelo médico ao observar as cenas? A maconha seria capaz de levar o usuário à loucura, prática de crimes, degeneração, depravação sexual e até a morte.
"Não há nenhuma relação de equivalência entre o que ele observou e o veredito a que chegou", explica a historiadora Luísa Saad, que escreveu o livro Fumo de Negro: a Criminalização da Maconha no Pós-Abolição.
"Só que por ele ser médico, um homem letrado, deu um tom de ciência a esse estudo de observação que fez, apesar de não ter nenhum compromisso com a verdade", aponta.
A apontada inconsistência acadêmica não impediu os estudos do médico de ecoaram no Brasil, chegando a serem apresentados nos Estados Unidos e servindo de base para outras pesquisas que culminaram na proibição brasileira em 1932.
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Racismo científico
A grande repercussão positiva de Rodrigues Dória - que se formou pela Faculdade de Medicina na Bahia e é um dos fundadores tanto da Faculdade de Direito quanto do Instituto Histórico Geográfico da Bahia - foi impulsionada por uma tese popular entre acadêmicos no período: o racismo científico.
Esta pseudociência argumentava que havia uma hierarquização entre raças, colocando principalmente os brancos acima dos negros. Estas teses foram usadas no Brasil para justificar o branqueamento da população e a marginalização dos ex-escravizados.
Estes aspectos aparecem claramente nos estudos de Rodrigues Dória, que, ao falar dos males do vício em maconha, aponta que a droga pode ser um combustível para atiçar os negros a se vingarem dos brancos, supostamente 'adiantados' em termos de civilização.
"Ele sempre faz questão de mencionar que os africanos trouxeram plantas de maconha quando traficados, como se a planta fosse uma forma de se vingar dos colonizadores que tiraram sua liberdade", analisa Luísa Saad.
Histórico da maconha no Brasil
A maconha é uma planta nativa da Ásia que chegou ao Brasil nas primeiras embarcações portuguesas. Os europeus costumavam usar o cânhamo para produzir as cordas das naus, enquanto os africanos usavam a folha para o uso religioso, medicinal e recreativo em sua terra natal.
"Algumas pesquisas mostram que as pessoas escravizadas, no que pese tenham sido trazidas em condições desumanas e degradantes, conseguiam trazer algumas raízes e sementes de plantas para que conseguissem, de alguma forma, se manterem vinculados ao lugar de onde vieram", explica a historiadora.
Apesar disso, as primeiras plantações no Brasil eram geridas por portugueses como uma forma de impulsionar a economia da metrópole. O maior interesse era as fibras de cânhamo, usadas na fabricação de papel, corda, óleo e outros combustíveis.
A primeira lei que proibia o uso e comércio da droga foi promulgada no Rio de Janeiro, em 4 de outubro de 1830. Chamada de lei do 'Pito do Pango', um dos apelidos da erva no Brasil - onde também era chamada de 'Fumo de Angola'.
“É proibida a venda e o uso do 'Pito do Pango', bem como a conservação dele em casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em três dias de cadeia", diz a lei em tom racista.
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