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HERANÇA

Quadrilhas juninas dão show de beleza e tradição

Manifestação cultural foi popularizada no Brasil com a colonização de Portugal

Livia Oliveira*

Por Livia Oliveira*

23/06/2023 - 8:00 h

Chapéu de palha, saias volumosas, passos tradicionais, personagens, casamento, história e muito forró. O mês de junho é conhecido como o mês de São João, que contagia a todos com apresentações das quadrilhas juninas, verdadeiros espetáculos e sinônimo de resistência e preservação cultural do Nordeste.

De origem europeia, os festejos juninos se instalaram no Brasil no século XVI, e os especialistas dizem que as celebrações têm origem nas festividades pagãs, na passagem da primavera para o verão, o chamado “solstício”, que ocorria exatamente em junho. A festa pagã foi aproveitada pelo Cristianismo, que incorporou os festejos ao calendário católico. É por isso que o período celebra os santos Antônio, João e São Pedro.

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“O mês de junho é um mês festivo para três santos altamente simbólicos, altamente festejados e significativos no contexto do culto devocional, e daí vem o contexto festivo, na dimensão do sagrado e do profano em junho”, explica Janio Roque Barros de Castro, professor de Geografia Cultural da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Ele acrescenta que “o período de chuva, após a longa estiagem, era considerado um milagre para princípios pagãos, por isso eram celebrados com dança e música”.

Neste contexto de dança e música, vieram as quadrilhas juninas, que se manifestaram em toda a Europa. A expressão cultural foi popularizado no Brasil no século XIX, sendo herança de Portugal. A dança de salão, que tinha características aristocráticas entre os europeus, logo conquistou o povo, transformando-se ao longo dos séculos na Europa e no Brasil.

“No início do século XIX chega no Brasil imperial, onde você tinha as danças parecidas com o que havia na Europa. Ao serem apropriadas pelo povo, por coletivos sociais, essas danças passam a ter a algumas especificidades na ginga, na prática lúdica, festiva e brincante. É uma dança de populares. O período em que as pessoas gostavam de dançar, se apresentar, era o período junino”, conta o Janio.

Embora seja uma manifestação que se espalhou por todo o Brasil, no Nordeste o evento ganha contornos especiais com quadrilhas que se profissionalizam cada vez mais, exigindo que os organizadores trabalhem praticamente durante todo o ano para manter a tradição.

Segundo Carlos Brito, presidente da Federação Baiana das Quadrilhas Juninas (Febaq), em Salvador o investimento para manter uma quadrilha é alto, alcançando em média R$ 200 mil por ano. “Atualmente, são 150 quadrilhas filiadas à entidade em várias regiões da Bahia, sendo que 89 delas permanecem ativas. Ao contrário do que muitos pensam, as apresentações não acabam em junho. Os contratos para as festas depois do São João se estendem para os meses de julho e agosto, quando ocorre o último concurso nacional”, explica.

As quadrilhas juninas são conhecidas por sua grande riqueza cultural, pelos elaborados enredos que giram em torno do casal de noivos, referência principal do evento. Além do casal, existem outros personagens, como dançarinos (os quadrilheiros), padres, reis e a banda, mas o marcador é considerado uma das principais figuras nas quadrilhas juninas.

O marcador é responsável por conduzir os quadrilheiros durante a apresentação, utilizando voz potente e expressões características, como anarriê, balancê, olha a chuva e é mentira. Ele conta a história a ser narrada durante a apresentação e guia os passos dos dançarinos. O marcador desempenha um importante papel, pois sem ele a história não pode ser contada. Toda essa animação e a expressividade são fundamentais para cativar o público e transmitir toda emoção da história.

David Washington Souza, 41, é marcador da Cia da Ilha e compartilha a experiência e responsabilidade. Ele revela que, além de se expressar com animação, o marcador tem a responsabilidade de ser avaliado nos concursos que participa.

“Uma quadrilha tem 150, 140 ou 130 pessoas que são avaliadas durante a coreografia. A banda tem dez pessoas. O casal de noivos é um casal, o casal de reis é outro casal. Eu sou um só. Então, a responsabilidade é muito maior porque aquela nota pesa em cima de mim. Tenho que estar definitivamente sempre perfeito, não só para ganhar o título como marcador, mas para dar o título da quadrilha porque a quadrilha depende da minha nota”, explica.

As quadrilhas juninas preparam-se anualmente, no mínimo, durante oito meses. Entre os meses de outubro a dezembro a equipe se debruça para definir o tema, desenvolver a história, a coreografia, o repertório musical, as falas e o figurino para a apresentação. Em janeiro começam os ensaios e os ajustes vão sendo feitos gradativamente, até os dias próximos às apresentações. O projetista da quadrilha apresenta o tema e, em seguida, são selecionados o repertório musical e o grupo de coreógrafos responsáveis por criar os movimentos de dança.

Figurinos

Um aspecto que chama a atenção do público nas apresentações é o dos figurinos. Eles são elaborados com estampas, volume e brilho, e os materiais são adquiridos logo após o Carnaval. Em seguida, são levados para o ateliê, onde são costurados. Os figurinistas recebem as roupas para realizar aplicações de pedrarias, elementos temáticos, arranjos e os acessórios, como chapéus e sapatos. O investimento nos figurinos varia de acordo com a temática escolhida, podendo chegar a até R$ 200 mil.

“Ver a emoção dos dançarinos quando veem o figurino me deixa transbordando de emoção, fico emocionado junto com eles. É muito gratificante saber que lutamos tanto para elaborar o croqui, desenhar, buscar material, trazer fornecedores, fazer compras, passar por dor de cabeça, toda a agonia que uma quadrilha traz, para no final ver a emoção dessa galera. Para mim, o mais importante é o que minha quadrilha pensa”, conta Vinicius Gomes, 36, costureiro e figurinista de quadrilha junina, desde 2012 integrando a quadrilha Cia da Ilha.

Este ano, a Cia da Ilha produziu 220 peças para as apresentações, algumas delas serão separadas para exposições que ocorrem durante o ano. Outras peças são vendidas para arrecadar dinheiro e manter a organização da entidade.

A elaboração das coreografias é outro atrativo importante para as quadrilhas e dura cinco meses. Adeilson de Sousa, 49, é coreógrafo junino desde 2003. Ele conta que as apresentações duravam 25 minutos, mas este ano passaram a ser 30 minutos, pois o tempo era considerado muito pouco para apresentar a temática do evento.

“O passo mais forte de todos é sempre a abertura, é o arrasta-pé. Além dele, temos o xaxado. Pela raiz nordestina, nós temos o xote, o baião. As quadrilhas juninas estão em processo de espetacularização, por isso envolvemos outros ritmos. Hoje, já temos outras danças brasileiras que compõem a coreografia junina”, conta o coreógrafo.

Dançarina, Alana Oliveira, 27, é uma das integrantes da Cia da Ilha e conta que enquanto algumas pessoas estão pensando no Réveillon ou Carnaval, ela já está no clima junino, ensaiando. À medida que o tempo passa e o São João vai se aproximando, a frequência dos ensaios aumenta de 15 em 15 dias e passam a ser realizados todos os fins de semana e, no final, durante todo o dia para que todos fiquem afiados.

“É bem cansativo e abdicamos de muitas coisas para dançar, para ensaiar. Deixamos de estar com a família, com os amigos, não vamos às festas, shows, aniversários, nada, porque precisamos ensaiar. Se faltamos, nosso parceiro ou parceira precisa ensaiar sozinho e acaba perdendo uma coreografia nova", explica. Apesar disso, ela tem uma ligação muito forte com a quadrilha e enfatiza que a felicidade na apresentação é genuína.

Este ano, a Cia da Ilha, com o tema Água Benta com Pimenta, foi a vencedora do Campeonato Estadual de Quadrilhas Juninas pelo terceiro ano consecutivo. A quadrilha, que completa 25 anos, teve origem como uma atividade extraclasse da disciplina de Língua Portuguesa, em Itaparica, mas cresceu tanto que se tornou a Cia da Ilha. Este ano, a quadrilha também se apresentou no Festival de Quadrilhas Juninas da Rede Globo, conquistando a posição de quarta melhor quadrilha do Nordeste e o prêmio de Melhor Casamento da região.

“Hoje, as pessoas dizem: ‘na minha época teve, na minha época tinha’. Se ficarmos com esse pensamento, seremos uma nação do ‘já teve’, uma nação em que não estamos conseguindo garantir verdadeiramente o que nossos ancestrais trouxeram para nós. É como se estivéssemos garantindo aos nossos ancestrais que estamos aqui, existentes e resistentes, para propagar ao mundo o quanto a cultura junina é importante”, pontua Raimundo Pereira, presidente da Cia da Ilha.

Para Carlos Brito, “apoiar uma quadrilha junina é apoiar a cultura nordestina, a educação e abraçar o social, pois muitos quadrilheiros se tornaram profissionais. Ao apoiar uma quadrilha, apoiamos uma rede de sustentação da educação e do social para os jovens das comunidades, pois na quadrilha junina eles aprendem a ter direcionamento, a trabalhar em grupo, a conhecer de perto a cultura e acabam aprendendo uma profissão, pois lidam com musicalidade, dança, teatro e cenografia”, afirma.

Ele também destaca a necessidade de maior valorização, apoio, credibilidade e investimento público nas quadrilhas juninas, ressaltando que “as quadrilhas promovem a integração e socialização entre municípios diferentes. Além disso, ajudam os jovens que poderiam estar em perigo nas ruas”, conclui.

*Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre

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