Tá faltando forró no São João? Artistas defendem protagonismo | A TARDE
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Tá faltando forró no São João? Artistas defendem protagonismo

Portal A TARDE conversou com artistas dentro e fora do forró para saber sobre esse cenário

Publicado quinta-feira, 22 de junho de 2023 às 06:00 h | Autor: Bianca Carneiro e Rafaela Souza
Targino Gondim é conhecido por unir o mais tradicional forró e baião
Targino Gondim é conhecido por unir o mais tradicional forró e baião -

Fogueira, milho e forró. Nada remete mais ao São João do que este combo tradicional para a época. No entanto, embora eternizado em diversas canções juninas, o forró parece estar cada vez mais perdendo o protagonismo dentro da festa que o consagrou.

O alerta, que já tem sido feito por grandes nomes do gênero musical, ganhou força novamente neste ano após a polêmica envolvendo o cantor Flávio José no São João de Campina Grande, na Paraíba. No início de junho, o sanfoneiro desabafou após ter o show reduzido em 20 minutos, enquanto o sertanejo Gusttavo Lima se apresentou por mais de duas horas, na sequência.

Mas o debate não aborda apenas a falta do forró. Outra queixa é a escassez de artistas locais nas grades das festas anunciadas na Bahia, que muitas vezes privilegiam cantores e bandas mais conhecidas nacionalmente. 

O Portal A TARDE conversou com artistas dentro e fora do forró para saber sobre esse cenário. O cantor, compositor e músico Targino Gondim defende o protagonismo do forró e da sanfona nas festas juninas. Segundo ele, o gênero é importante porque possui uma relação forte de identificação do povo nordestino e representa aspectos relevantes da vida e da cultura.

O forró desde o início se transformou em um registro autêntico da nossa vida e do nosso cotidiano. Então, as músicas de forró falam sobre nossas crendices, nossa fé, alegria, tristeza, falta de água, o amor, os encontros e desencontros. O forró acaba sendo uma síntese do nosso povo. Targino Gondim, Cantor, compositor e músico
  

Embora a agenda esteja lotada de shows, especialmente em diversos municípios da Bahia, Targino alerta para a necessidade de priorizar a contratação de forrozeiros e sanfoneiros, que segundo ele, são os verdadeiros protagonistas dos festejos juninos.

"A sanfona sempre foi a caracterização do São João na parte da música. Ela é a protagonista, a dona da festa. Infelizmente, a gente vem batendo na tecla, que há alguns anos continua acontecendo, o mercado está avançando e querendo impor atrações que não tem nada a ver com o São João. Antigamente, era uma aqui outra ali, agora não. Uma aqui outra ali é o forró, é o sanfoneiro. As prefeituras têm culpa nisso porque abraçam essa causa, acabam contratando e a gente vai perdendo. Os jovens vão perdendo a tradição, a referência, a identidade. Vão perder o porquê do São João, o porquê de tomar um licor, comer o amendoim. Já que as músicas não trazem essas referências", pontua.

A partir disso, o cantor ressalta a necessidade de iniciativas e políticas públicas que contemplem os artistas do gênero durante o período. Para o artista, a causa precisa ser defendida com ações efetivas a fim de manter a tradição.

"O que eu vejo é que a gente não pode se calar porque isso já vem acontecendo lá atrás. Não foi falta de aviso. Mas não adianta só reclamar, os políticos, as pessoas que governam nosso país precisam se atentar a isso. Nós precisamos que sejam os defensores da nossa cultura, que batam o pé para que as prefeituras mantenham o protagonismo do forró, da sanfona. É importante que a gente reclame, mas os políticos precisam agir nesse sentido", afirma.

Targino Gondim defende o protagonismo do forró
Targino Gondim defende o protagonismo do forró |  Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE
  

Representatividade

A ausência do forró e de artistas locais em festas juninas na Bahia é também algo observado por Sabrina Sasha, uma das integrantes da Tio Barnabé. A baiana, que toca triângulo, é a primeira drag queen a compor uma banda de forró.

Para a artista, uma programação de São João sem forró “não faz o menor sentido". Sabrina, no entanto, ressalta que outros ritmos podem, sim, ter espaço na festa, desde que o forró esteja no centro da programação.

São João é uma época para enaltecer o forró, principalmente o forró raiz, por conta de toda uma tradição. Eu acredito que as bandas locais precisam ser valorizadas e não só os grandes artistas [..] Algumas grades [de festas] trazem artistas grandes, mas não tem um forró no dia, sendo que é São João, para mim não faz sentido. É importante dar espaço para outros ritmos também, mas que o forró seja prioridade. Sabrina Sasha, Drag queen e integrante da banda Tio Barnabé
  

E de espaço Sabrina entende bem. A artista celebra o seu na banda por entender que ele abre o palco para a diversidade e a representatividade no forró. “Estou em um lugar onde eu represento muita gente, as pessoas LGBTs, de forma geral, porque ser drag queen é um ato político. Uma arte política de resistência. Então é maravilhoso estar nesse lugar”, afirma.

Natural de Paulo Afonso, na região do Vale São Francisco na Bahia, Sabrina Sasha nasceu após uma tragédia. A personagem foi criada pelo psicólogo Franklin Xavier, que se montou pela primeira vez durante a apresentação do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para homenagear uma amiga transexual que cometeu suicídio.

A partir daí, Sabrina não deixou mais Franklin. Montado, o psicólogo passou a participar de eventos acadêmicos e a tocar como DJ em festa. Um dos vídeos das apresentações chegou até o vocalista da Tio Barnabé, Neto Bittencourt, que fez o convite para a banda, em 2021. “No início, eu fiquei relutante, apesar de amar forró. Uma das minhas maiores referências é Elba Ramalho [...] Fiquei com receio de passar por situações constrangedoras, homofóbicas, porque o meio do forró é bem hétero, mas fui muito bem acolhida pelos meninos da banda, equipe técnica também. Eu nunca passei por nenhum tipo de situação de preconceito e discriminação com nenhum deles, pelo contrário”, conta.

Sabrina Sasha, da Tio Barnabé, é a primeira drag queen a integrar uma banda de forró
Sabrina Sasha, da Tio Barnabé, é a primeira drag queen a integrar uma banda de forró |  Foto: Reprodução | Redes Sociais
  

E não foi só na banda que Sabrina se sentiu bem acolhida. Ela conta que o público geralmente é curioso para saber mais sobre a identidade dela como drag, mas que nunca sofreu nenhum tipo de estranhamento ou preconceito. Como a artista bem conta e como pode ser visto no perfil da Tio Barnabé, a drag é uma forma de arte performática, que, embora também possa ser praticada por pessoas de outros gêneros, é mais comumente associada a homens que se apresentam como mulheres. No entanto, é importante destacar que ser uma drag não significa que a identidade de gênero do indivíduo seja necessariamente feminina. 

“Nunca vi nenhum tipo de estranhamento, não. Eu noto que as pessoas, às vezes, ficam se perguntando se é um homem, uma mulher, ou uma travesti no palco, porque muitos não seguem o perfil da Tio Barnabé [nas redes sociais] e ficam ali na dúvida. Mas nunca ocorreu o estranhamento que eu pensava que poderia ter, pelo contrário, em todos os lugares que eu fui, tinham pessoas incríveis, principalmente no interior [...] Teve um show que me marcou muito na cidade de Tanquinho. Uma menina chegou para mim e falou: ‘eu sempre quis ver uma drag queen pessoalmente, você é linda, sabia?’ Tipo, foi nossa, muito, muito bacana”, comemora ela. 

E é como fã de Elba Ramalho, um dos maiores nomes do ativismo pelo forró no São João, que Sabrina reforça o pedido para que o gênero seja priorizado durante as festas juninas e que as bandas locais e artistas “menores” também possam ter mais oportunidade. 

É válido ter outros artistas de outros ritmos? Sim, mas que o forró, ele seja prioridade, o foco da festa. A questão, pra mim é essa, é você pegar e não seguir uma tradição. Sabrina Sasha, Drag queen e integrante da banda Tio Barnabé
  

Fora da sanfona

E se a época junina pede músicas típicas, com os ritmos mais tradicionais, para fazer bonito na festa, os artistas de outros gêneros buscam adaptar o repertório. Esse é o caso de Leo Santana, um dos nomes mais contratados para shows durante o São João, mesmo representando o pagode.

Recentemente, o “GG” lançou “Sentaê”, música que traz uma citação do clássico do forró “A Vida Do Viajante”, de Luiz Gonzaga. A releitura, segundo ele, foi autorizada pela família do próprio Rei do Baião e integra o mais novo EP “Sofrência ou Fuleragem”.

A letra, que mistura forró e pagode, muda os versos cantados por Gonzaga de "Mostro o sorriso, mostro alegria, mas eu mesmo, não. E a saudade no coração" para "Eu vou, eu vou, acalmar seu coração com sequência de ‘botadão’". 

"Essa aqui autorizada pela própria família do Luiz Gonzaga, a fazer essa versão. E glória a Deus é a primeira do meu projeto recém lançado 'Sofrência ou Fuleragem', gravado em Goiânia, Goiás", anunciou o artista, ao cantar a música pela primeira vez, durante um show no São João de Caruaru, em Pernambuco, no último final de semana.

Leo Santana fez lançamento de música inspirada em sucesso de Luiz Gonzaga
Leo Santana fez lançamento de música inspirada em sucesso de Luiz Gonzaga |  Foto: Reprodução | Redes Sociais
  

Outro nome disputado, Zé Vaqueiro tem a Bahia como um dos principais destinos na agenda das festas de São João, com 15 shows agendados só no mês de junho. Ele, que representa o “piseiro”, estilo musical surgido no estado, a partir do forró, vê com bons olhos a mistura de ritmos e gêneros que têm ocorrido nas programações. Para ele, essa diversidade musical dá oportunidade para que mais artistas possam mostrar o seu talento.

“Eu cresci nas festas de São João, Pernambuco todo é tomado por essa energia na época do ano né, então fui acompanhando essa representatividade aumentando, como músico, eu acho maravilhoso. Já fui eu um dia desejando estar em cima desses palcos, o Brasil é gigante, com uma cultura muito valiosa, temos que valorizar o trabalho de todo mundo e dar a oportunidade a realização de mais sonhos como eu tive”, afirma. 

Zé Vaqueiro aposta em releituras para honrar as raízes musicais do São João
Zé Vaqueiro aposta em releituras para honrar as raízes musicais do São João |  Foto: Reprodução | Redes Sociais
  

Apesar disso, ele garante que também faz releituras para honrar as raízes musicais do São João. ‘Eu escolhi o piseiro, ou o piseiro me escolheu, não sei, mas no meu show também trago releituras de músicas de outros segmentos, assim como meu EP ‘Pra se apaixonar’, são músicas que eu mais gosto no ritmo romântico que eu canto. Eu vejo só coisa boa nessa mistura”, diz.

Cuidado

Tendo em vista as novas versões inspiradas em ícones musicais do forró, Targino Gondim considera o cenário como possível e natural, mas desde que as produções se atentem ao cuidado e respeito com o artista e público.

Eu acho que quando você faz uma coisa, eu sempre bato na tecla do cuidado. Mas a cultura e a tradição não são estáticas. Elas podem e vão mudar. Não dá para querer que a gente viva igual à época de Luiz Gonzaga. Acho que as coisas podem mudar, mas com respeito e responsabilidade. E aí a Justiça precisa acompanhar como isso está sendo feito. A gente não pode avançar só pelo dinheiro, pelo lucro e acabar com a essência de uma festa tão bonita como a nossa. Targino Gondim, Cantor, compositor e músico
  

Em meio às polêmicas, o cantor elogiou um remix da música "O cheiro da Carolina", de Luiz Gonzaga, que une a voz do artista ao som do piseiro e vem bombando em vídeos em redes sociais, como o Instagram e TikTok. 

"Eu vejo com bons olhos algumas versões como um remix onde pegaram a versão original, a voz dele e colocaram o estilo do piseiro. Muitos jovens estão cantando, ver isso voltando, uma música da década de 1950. É como uma pintura, a xilogravura, mas com o respeito à obra, o legado que ele deixou. É importante que as pessoas respeitem, se não for naturalmente que seja por meio de leis", declara.

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