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SÃO JOÃO

Targino Gondim: “A sanfona tinha que ser protagonista no São João”

Forrozeiro criticou cachês milionários para sertanejos e defendeu aperfeiçoamento da Lei Rouanet

Por Osvaldo Lyra

20/06/2022 - 6:00 h
“A expectativa é a maior possível para o São João”
“A expectativa é a maior possível para o São João” -

Targino Gondim é um dos maiores cantores de forró da sua geração. Compositor premiado, ele é conhecido por sua canções juninas, misturando o mais autêntico forró e o baião.

Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, ele fala sobre o retorno aos palcos, da expectativa para as festas de São João, após dois anos sem ser realizada por causa da pandemia, e aproveita para afirmar que “a sanfona tinha que ser protagonista” dos festejos juninos e não as atrações com cachês milionários, que não expressam a cultura da região. O músico disse ainda que a Lei Rouanet não pode ser paralisada, mas sim aperfeiçoada.

Confira.

Targino, você voltou com força total aos palcos após a fase mais difícil da pandemia. Como lidou com os momentos mais delicados da crise de saúde pública, já que o setor do entretenimento foi o primeiro a parar e está sendo o último a retomar?

Quando começou a pandemia, na verdade a gente viu tudo acontecendo, viu se aproximando, mas a gente não acreditava. A verdade foi essa. E o Brasil não estava preparado, assim como o mundo, mas o Brasil, em especial, não se preparou nem um pouco nesse sentido. Então, a gente acabou sofrendo muito porque nós fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar. Estamos retornando, todo mundo muito esperançoso por conta dessa retomada depois de tudo. Eu costumo dizer que eu fui até sortudo nessa pandemia toda, porque nós passamos dois anos sem receita, sem a maior receita anual que os forrozeiros têm, que é o São João, e a gente conseguiu através dessa crescente onda das lives no YouTube a gente conseguiu rentabilizar... No meu caso eu consegui patrocínios, consegui empresas, marcas, patrocinadores que tiveram interesse em investir na minha marca, nas minhas lives para que elas fossem vistas pelo meu público. Isso foi bom porque me ajudou bastante a criar um pouco de receita para mim, mas também para ajudar os meus músicos, as famílias que são dependentes de mim e do meu trabalho. Então, a gente fez muito isso. Os artistas como um todo definitivamente ajudaram as pessoas a sobreviverem a esse terrível momento, e também foram ajudados. Eu sempre costumo dizer que isso é uma troca de energias. Quando a gente realiza as lives, por mais simples que sejam, no Instagram, por exemplo, a gente também, além de estar fazendo alegria e causando momentos de maior felicidade para as pessoas, a gente também fica feliz porque a gente está pegando esse carinho de volta. E essas lives no YouTube ajudaram muito, porque elas geraram uma certa receita que a gente conseguiu utilizar bem.

Como tem sido o seu retorno aos palcos e a receptividade do público?

Era o que já era esperado. O tempo inteiro na pandemia aquele negativismo, aquela coisa do “não vai ter São João” no primeiro ano. No segundo ano aquela centelha de esperança que depois foi embora. Mas quando a gente teve certeza de que voltaríamos as festas juninas, principalmente agora, foi uma festa. As pessoas ávidas esperando, aguardando com muita ansiedade a minha apresentação nas festas de cada cidade, e a nossa também. Então, é uma sensação muito boa... É como se a gente nunca tivesse tido tanta proximidade com multidões, com tanta gente, com tanto anseio pela festa. Mas é muito mais por causa disso, dois anos com essa falta que todo mundo sentiu, inclusive nós artistas também.

E após esses dois anos sem os festejos juninos, com certeza tem muita expectativa tanto sua como da população. Como está a sua agenda de apresentações para esse e o próximo mês?

Veja só, a agenda está lotada. A expectativa é a maior as possível para o São João. Inclusive agora estou falando contigo e estou em São Paulo porque vim fazer um programa de televisão nacional, o Conversa com Bial, a ser exibido dia 24 de junho na Globo e estou voltando, estou no aeroporto voltando para Salvador para continuar minha rotina de shows desse mês de junho todo. Então, assim, é bacana porque os músicos da gente voltam a ter dignidade, voltam a trabalhar, ver o trabalho deles sendo reconhecido, sendo remunerado também para aquilo, voltam a viver, na verdade. Porque o músico, o artista, ele vive disso. Vive desse encontro com as pessoas, de fazer a festa, fazer os eventos. Então, nesses momentos mais festivos a gente está fazendo parte.

Você é um cantor e compositor premiado, famoso por suas canções juninas com repertório com muito forró e baião. O que o público verá nos seus shows e apresentações nesse período?

Eu vou estar tocando, como sempre, as coisas de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Marinês, Elba Ramalho... Mas vou estar fazendo também músicas do meu trabalho que eu lancei durante certo momento da pandemia, que até foi indicado mais uma vez ao Grammy latino. O meu trabalho Sem Limites, com músicas minhas com Zeca Baleiro, Carlinhos Brown, Bell Marques, Saulo Fernandes, Ivete Sangalo. Vou estar trazendo isso tudo e trazendo uma música nova minha que se chama Pr'ela Me Querer, que é uma autoria minha com Zeca Baleiro, que eu lancei agora nas vésperas do São João.

Quem te inspira e o que te inspira na hora de compor suas músicas, Targino?

A minha inspiração maior sempre foi Luiz Gonzaga. Sempre. As canções dele sempre foram para mim atemporais, todas elas tratando dos costumes dos nordestinos, às vezes a falta de atenção dos governantes, mas a alegria, a festa, a fé. Isso tudo são coisas que vêm permeando o meu repertório autoral. Então, sempre que eu tenho essa inspiração... Tudo isso que foi construído na minha vida como músico e como autor também, tudo isso foi construído baseado na minha paixão pela obra de Luiz Gonzaga e Dominguinhos.

Você citou alguns artistas com quem você já teve o privilégio de cantar e tocar junto. Tem algum projeto novo, algum artista que você está vislumbrando fazer um novo dueto, um novo feat, uma nova composição?

Tem sim. A canção já está preparada, já está pronta, mas a gente quer preparar esse momento para lançar isso, registrar esse encontro, que é com os meninos da BaianaSystem, o Russo, a turma toda, e a Mariana Aydar. A gente tem conversado durante a pandemia e tem marcado um próximo encontro em breve para realizar isso.

E essa forma plural de encontrar os ritmos diferentes é o que mostra a riqueza da cultura e da nossa música, não é, Targino?

Sempre foi assim. Ninguém se engane que por mais que a pessoa ache que um artista tal tem um trabalho determinado, os artistas têm... Isso é natural do artista, ele ouvir outros sons e se sentir atraído por outros sons também, outros ritmos, outros balanços, outros sotaques. Isso nos atrai e embeleza ainda mais o que a gente vem fazendo.

Voltando a falar da COVID, os casos voltaram a aumentar muito. Já se fala em uma quarta onda da pandemia. Para evitar novas complicações por causa do coronavírus, o ideal seria a população se conscientizar e avançar no processo de vacinação. É importante pegar a estrada e curtir as festas com o esquema vacinal completo, Targino?

Sempre. Inclusive, uma conversa que eu estava tendo com Bial, não sei se vai para o ar, a gente estava falando sobre essa coisa de vacinação. O Bial já vacinou 5 vezes. Eu tomei as minhas 3 vacinas, pretendo sim em breve tomar a minha quarta. Eu acho que a gente tem que usar isso. Porque a gente não pode mais passar uma pandemia terrível daquela. A gente tem agora a vacinação que é a nossa maior defesa, você estando com as vacinas contra a COVID todas em dia você começa a fortalecer seu organismo, se fortalecer, e começa realmente a combater, para que essa quarta onda não venha a nos deixar mais uma vez naquele formato terrível, com cenário de mortes e de pessoas ameaçadas por conta da COVID. E que as pessoas possam viajar sim para todos os lugares que vão e que desfrutem dessa liberdade. Mas antes da liberdade a gente tem essa obrigação para com a gente e para com as pessoas que a gente vai encontrar durante esses festejos juninos.

Como você está vendo essa polêmica envolvendo contratações de artistas pagando cachês milionários como foi o episódio do Gusttavo Lima?

Eu sempre vi isso como uma falta de respeito, como uma monstruosidade, assim como uma monstruosidade com o meu povo. O sanfoneiro, a sanfoneira, o forrozeiro, a forrozeira. Porque durante a pandemia inteira quem conseguiu sobreviver, porque muitos morreram, infelizmente, mas quem conseguiu sobreviver teve que vender seu instrumento de trabalho para poder sobreviver, para poder alimentar sua família. Quem não se desesperou, quem não enlouqueceu. E agora a gente volta o São João e mais uma vez a gente vê o mesmo cenário de antes. As políticas municipais, estaduais e federais não se mexem, não se posicionam, não agem para ajudar essas pessoas. Já que a gente passou 2 anos sem se gastar nada com a cultura, deixando todo mundo largado, seja qualquer tipo de arte, qualquer tipo de movimento ligado à arte. A gente vê um São João onde a sanfona tinha que ser protagonista, a gente vê um São João sendo mais uma vez tomado por outros estilos. Eu acho que sim, você pode colocar, pode incrementar, pode fazer tudo. Mas a sanfona tem que ser a protagonista, o forrozeiro tem que estar sim em todos os festejos juninos. Isso é obrigação municipal, estadual e federal. E ter um reconhecimento pagando valores justos. Não querer pagar pouco para um sanfoneiro, para um artista local e pagar milhões para um artista com projeção nacional. Tenho conhecimento, acho que você também sabe disso, que as cidades que são as chamadas de grandes festas juninas do Brasil estão com esse cenário horrível de achar que estão fazendo um favor contratando trios de forró, pé de serra como chamam, por exemplo, contratando esses trios com cachês de R$400, R$500. Eu acho isso um absurdo, isso é uma falta de amor, uma falta de humanidade, uma falta de respeito a todos nós que fazemos essa festa grandiosa, maravilhosa que é, que começou e que tem que continuar com a gente.

Você também tem incursões pela política. Como é que você vê essas ações do Governo Federal contra a classe artística?

A classe artística sempre esteve em segundo, terceiro, quarto, quinto plano. Sempre. E toda vez que se tem algum tipo de problema que se tem que tomar uma solução, quando se olha onde tem que mexer, sempre é no lado artístico. Esquece-se que a arte faz parte da educação. A arte salva vidas. A arte transforma o ser humano, transforma os jovens, transforma pessoas em cidadãos completos, eles começam a absorver conhecimento e assim se situar no mundo, definir o que realmente querem na vida deles, seja na música, seja no teatro, seja na dança, ou seja em qualquer outro tipo de produção, e esquece-se disso. A cultura não é brincadeira. A gente anima a vida das pessoas, a gente alegra, mas nós não somos “palhaços”, não estamos brincando nem com a nossa vida e nem com a dos outros. Então, tem que se olhar mais para isso, principalmente para o tipo de arte que leva saúde intelectual aos nossos jovens. Isso não tem acontecido. Eu já sinto essa falta há muito tempo. É isso que me deixa inquieto mais uma vez. Não só de artista, eu já pulei para o lado do entretenimento, já comecei a realizar os meus festivais. Festival de Forró da Chapada, Festival de Forró de Itacaré, o Conecta Chapada, Festival Internacional da Sanfona, que são eventos que graças a Deus se tornaram grandiosos porque a gente contempla os jovens, os adultos, os idosos, e a gente consegue levar ainda mais a música que a gente faz, a arte que a gente faz. Mas por conta dessa inquietação é que eu me coloco nessa posição política de poder fazer alguma coisa nessa esfera.

Como você vê essa politização em torno da Lei Rouanet? Há excessos?

Há excessos. Eu acho que a Lei Rouanet tinha que ser reformulada, tinha que ter uma repaginada, dar uma organizada, sim, mas a gente não pode frear, a gente não pode parar a Ela tem que servir ao nosso povo. Para mim, você tem que ter uma seleção, tem que ser uma história mais séria. Não se pode ficar brincando com dinheiro que vem através da Lei Rouanet. A gente sabe que as grandes marcas, as grandes empresas querem investir o dinheiro ali, querem direcionar para um lugar que dá mais retorno a elas. Mas isso tem que mudar. Eles têm que entender que a arte é um bem ao ser humano que tem que vir antes de tudo. E os nossos artistas, os grandes e os pequenos, principalmente, estão aí. Estão à mercê, estão desesperançosos, não têm espaço. A arte virou um grande mercado, principalmente na música, onde quem tem dinheiro consegue fazer com que a música (? fim do primeiro áudio) por obrigação que o Governo fizesse com que a Lei Rouanet funcionasse para... Essa distribuição da arte que eu considero uma arte saudável que ela consiga surgir com força até se profissionalizar.

Para finalizar, que mensagem você deixa para os nossos leitores do Jornal A Tarde?

A mensagem que eu deixo é de que a gente tem um São João aberto para que as pessoas brinquem, viajem, se encontrem, se abracem, se beijem, aproveitem bastante esse reencontro com a festa junina, mas que não esqueçam essa questão da vacinação, do cuidado, do zelo com as pessoas, para que a gente consiga passar um São João maravilhoso e que a gente consiga sempre se atentar com isso, para que a gente consiga prosseguir a nossa vida, zelando pela nossa vida e pela vida dos outros também. Desejo um bom São João a todos os leitores do A Tarde.

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