SÃO JOÃO
Tradição e resistência: dançarinas de quadrilhas juninas mantêm a cultura viva
Por Natália Figueiredo* | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Ao som da sanfona, numa explosão de cores, sorrisos e dança, as quadrilhas juninas tentam resistir e manter a tradição do São João. A dança típica do período junino reúne um grupo de pessoas que além de dançar, também cantam e interpretam o conhecido casamento caipira.
Na Bahia muitas quadrilhas se apresentam anualmente na capital e no interior durante os festejos, além de disputar concursos e representar o estado em competições nacionais. As premiações ajudam a manter os custos que as juninas têm, no entanto muitas delas ainda sofrem com a falta de apoio e patrocínio.
As despesas são muitas, o figurino elaborado e rico em detalhes pode custar mais de mil reais, além da maquiagem, do transporte para os ensaios e apresentações, alimentação, hospedagem e por aí vai. Porém, a paixão pela dança tradicional é o que move os quadrilheiros. Tamiles Pimenta tem 29 anos e começou a dançar aos 15 anos em algumas quadrilhas da Região Metropolitana de Salvador (RMS), até chamar a atenção de um coreógrafo em uma de suas apresentações.
Em 2018, a dançarina recebeu o convite para participar da Quadrilha Junina Forró Asa Branca, que ao longo dos seus 27 anos de existência já conquistou mais de 40 títulos de melhor quadrilha junina da Bahia e também foi o primeiro grupo baiano a se tornar campeão nacional.
Tamiles é auxiliar de saúde bucal e ainda reside em Candeias, no interior do estado, o que dificulta arcar com as despesas de ensaios em Salvador e apresentações dentro e fora da Bahia. Contudo, isso não a impede de continuar dançando. Para arcar com as despesas ela começou a fazer rifas e pedágios para se manter na Asa Branca.

Com duas malas, Tamiles se desloca para Salvador, onde veste as camadas de roupas, faz sua própria maquiagem e pede colaboração nos semáforos para conseguir continuar vivendo seu sonho. Todo fim de semana entre março e julho, de sexta-feira à domingo, das 14h às 20h, a dançarina ensaia.
Em entrevista ao Portal A TARDE, Tamiles conta que a rotina é cansativa, mas não desanima. “O cansaço a gente sente, mas é tanto amor que a gente acaba esquecendo. Quando sai a gente pode até desmaiar, mas na quadra a gente faz bonito”.
Os desafios não param por aí, ela também contou que nem sempre dança nas melhores condições, pode ser debaixo do sol quente, em cima de paralelepípedos ou em lugares escorregadios. Não é à toa que Tamiles já caiu três vezes em apresentações, a última no Arraiá do Galinho, onde, mesmo assim, ganhou o título de melhor dançarina.
Para ela, a quadrilha é como um esporte que exige dedicação. “Tem gente que gosta de jogar bola, de fazer crossfit, a gente gosta de dançar quadrilha! As pessoas investem nessas coisas, do mesmo jeito que investimos na quadrilha. A gente não pode beber e não poder perder o horário de dormir, porque tem estar nos ensaios. Normalmente eles começam em novembro, só um dia na semana e depois do Carnaval a gente vai intensificando”, diz Tamiles.
De geração em geração
A quadrilheira conta também que nunca parou de dançar, mesmo durante a gravidez. “Engravidei em 2015 e recebi o convite para ser a rainha da quadrilha, dancei com um barrigão de 7 meses. Todo mundo achava que a barriga era de mentira, do personagem. Hoje ele tem 3 anos e frequenta os ensaios comigo, eu fiz a roupa dele e ele vai entrar esse ano comigo.”
E não é só Tamiles que vem passando a tradição de geração em geração. Luana Santana, de 35 anos, dançarina da quadrilha Forró do ABC, ensinou sua filha Ana Vitória, 15, a dançar há 5 anos. Elas moram em Feira de Santana e participam dos ensaios em Salvador todo fim de semana.
Luana contou que não tem lucro com a quadrilha junina e faz por amor à tradição. "Gasto com as minhas passagens nos finais de semana, pago meu figurino, faço os adereços com uma equipe da própria quadrilha e ajudo a minha junina como posso", relata.
Com o tempo que passam juntos e o amor que os une, os quadrilheiros acabam virando uma grande família. "É importante para mim por que me ajudou muito como pessoa, ajudou no meu crescimento profissional, desenvolveu um potencial em mim que desconhecia. Encontrei no Forró do ABC uma outra família", destaca Luana.

Mãe e filha dançam juntas nos ensaios, mas nas apresentações e competições a mamãe Luana aproveita para passar uma lição. "Ela participa, desde que tire notas boas na escola. São tantos jovens no mundo das drogas, tantas meninas com 15 e 16 anos que já são mães, então a cultura também é uma forma de educar ela".
Falta de apoio
O empenho é grande e mesmo assim o reconhecimento ainda é pouco. Tamiles Pimenta conta que se houvesse mais apoio, mais pessoas estariam levantaando a bandeira da cultura nordestina. “Eu queria que fosse importante como é o Carnaval, com investimento e estrutura.”
As quadrilhas baianas não tem nem mesmo um espaço específico para dançar, como já existe em outros estados. “Meu sonho é que aqui na Bahia tivesse um espaço quadrilheiro. Aqui a gente ensaia nas escolas, pede apoio das diretorias”, comenta Tamiles.
Mesmo com todas as dificuldades, os quadrilheiros lutam para continuar mantendo essa tradição presente e para passá-la paras próximas gerações, além disso também continuam pedindo apoio, sejam nos semáforos ou nos órgãos públicos que fomentam a cultura local.
*Sob supervisão do repórter Victor Rosa
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes