BAHIA
Segurança alimentar: veterinários e zootecnistas fiscalizam o que chega no prato dos baianos
Entre 2020 e 2024, a Bahia registrou mais de 3 mil casos confirmados de doenças causadas pela ingestão alimentos contaminados

Por Victoria Isabel

Os médicos veterinários são mundialmente conhecidos por sua atuação com animais de estimação, mas o que muitos desconhecem é o papel destes profissionais, juntamente com os zootecnistas, na garantia de alimentos seguros para a saúde humana, atuando na vigilância epidemiológica, na fiscalização sanitária e na prevenção de riscos ao animal, desde o campo até o alimento chegar ao prato dos baianos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 600 milhões de pessoas adoecem e 420 mil morrem todos os anos em decorrência de doenças de transmissão hídrica e alimentar (DTHA), ou seja, doenças causadas pela ingestão de água ou alimentos contaminados, podendo ser provocadas por bactérias, vírus, parasitas e toxinas.
Na Bahia, o cenário também é preocupante. Entre 2020 e 2024, o estado registrou 3.862 casos confirmados dessas enfermidades, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab). As notificações envolveram doença de Haff, toxoplasmose, rotavirose, febre tifoide e botulismo, com maior incidência nas regiões de Salvador e Camaçari.
A ciência por trás da segurança alimentar
Em Salvador, o LabCarne – Laboratório de Inspeção e Tecnologia de Carnes e Derivados da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atua desde 2005 na orientação dos profissionais que atuam nas áreas de Inspeção e Tecnologia de Carnes e Derivados, Segurança dos Alimentos e de Saúde Pública.
Em entrevista ao Portal A TARDE, Carlos Pasqualin Cavalheiro, coordenador do laboratório, destaca que a presença do médico-veterinário é essencial para garantir que alimentos de origem animal sejam produzidos e comercializados dentro dos padrões sanitários exigidos e assim, cuidar também da saúde da população.
“A função principal do veterinário é assegurar que carnes, leite, ovos, pescado, mel e derivados sejam produzidos de forma segura e fiscalizada, protegendo diretamente a saúde pública”, explica Cavalheiro.

Segundo o professor, o veterinário atua em todas as etapas da cadeia produtiva, como: criação, manejo sanitário, industrialização e comercialização. “No caso das carnes, ele supervisiona o abate, o controle de qualidade e o bem-estar animal em frigoríficos e abatedouros, além de realizar inspeções sanitárias antes e depois do abate para verificar se as carcaças estão aptas ao consumo”, explica.
Além disso, ele ressalta que, apenas o médico-veterinário tem competência legal e técnica para decidir se um produto de origem animal pode ser comercializado. “É ele quem identifica doenças zoonóticas como brucelose, tuberculose e salmonelose, impedindo que carnes contaminadas cheguem às mesas dos consumidores”, afirma.

No LabCarne, Cavalheiro e sua equipe, que conta com professores e estudantes dos cursos da área, desenvolvem pesquisas e análises laboratoriais que vão desde o controle microbiológico e físico-químico, até o desenvolvimento de produtos mais saudáveis e sustentáveis, criando um equilíbrio entre a saúde humana, animal e o meio ambiente.
O laboratório realiza ensaios em carnes, pescados e derivados, e também promove atividades de ensino e extensão voltadas à formação de novos profissionais. “Trabalhamos com projetos que buscam reformular produtos cárneos, utilizando extratos vegetais, sucos de frutas, probióticos e até farinha de insetos como fonte proteica alternativa”, explica o pesquisador.

“Agente da saúde pública”: o papel do profissional
Para o médico-veterinário Eike Assis, pós-graduando em Qualidade e Segurança dos Alimentos de Origem Animal, o papel do profissional vai muito além do cuidado com os animais. “O veterinário é um agente direto da saúde pública. Nosso trabalho começa no campo, passa pela indústria e termina na mesa do consumidor”, afirma.
Segundo ele, a parceria entre veterinários e zootecnistas é o que garante o equilíbrio entre o meio ambiente, produção, bem-estar animal e segurança alimentar. "Enquanto o zootecnista foca na nutrição e produtividade, o veterinário assegura a sanidade dos rebanhos e o cumprimento das normas sanitárias", ressalta.

Eike atua como responsável técnico em uma indústria de beneficiamento de carnes e produtos cárneos, onde acompanha desde o controle de qualidade e registro de produtos até o desenvolvimento de novas formulações. Assis destaca que os maiores riscos para a segurança dos alimentos estão nas contaminações microbiológicas (como Salmonella e Listeria) e nos resíduos de medicamentos.
“O veterinário precisa antecipar esses problemas, aplicando boas práticas de fabricação e sistemas de controle de qualidade. Cada etapa é monitorada para que o produto final seja confiável e seguro", define.
Estado de saúde do animal
Sobre como o estado de saúde do animal tem impacto direto na qualidade da carne, do leite e dos ovos, o veterinário explica ainda que um animal saudável, bem alimentado e livre de estresse produz alimentos mais estáveis, saborosos e com melhor conservação.
“Quando controlamos doenças e mantemos o bem-estar, estamos, na verdade, protegendo a qualidade daquilo que chegará na mesa do consumidor. Por isso, afirmo que, cuidar da saúde animal é, no fundo, cuidar da saúde humana também”, conclui.
O dever do zootecnista
Juntamente com os veterinários, os zootecnistas desempenham um papel crucial na fiscalização e inspeção. A zootecnista, Daniela Cotrin afirma que o trabalho de seu campo é garantir que a produção seja eficiente e segura desde a origem.
“O zootecnista atua da fazenda ao abate, cuidando de nutrição, genética, manejo e sanidade. Quando as práticas são bem conduzidas, reduzimos contaminações e melhoramos a qualidade da carne”.

Cotrin conta que atua no acompanhamento técnico de abate de bovinos, realizando auditorias de processo, com foco no manejo racional pré-abate e na padronização das operações dentro do frigorífico, garantindo o cumprimento do POP (Procedimento Operacional Padrão) das carcaças e contribuindo para otimizar a rentabilidade dos lotes dos pecuaristas.
“Meu trabalho envolve acompanhamento tanto nas propriedades quanto nos frigoríficos, avaliando todas as etapas que influenciam a qualidade final da carne, especialmente o transporte e o manejo pré-abate, que são momentos críticos. Realizo auditorias técnicas, análises de carcaças, identificação de perdas, treinamento de equipes e implementação de protocolos de manejo de baixo estresse”, descreve Cotrin.
A zootecnia reforça ainda a importância do bem-estar animal, afirmando que não é apenas um conceito, mas que possui efeito direto na segurança dos alimentos. "Quando é priorizado, o animal chega ao abate mais calmo, íntegro e limpo, o que reduz significativamente o risco de contaminação no frigorífico".
Fiscalização no trânsito e na indústria
Os médicos-veterinários que atuam na fiscalização precisam estar vinculados a um serviço oficial. Esse vínculo pode ser com o serviço de inspeção municipal e estadual, como no caso da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), responsável pelo cadastro que autoriza a fiscalização do trânsito e da indústria de animais, atuando no transporte, no abate, em frigoríficos, além da sanidade e da segurança dos produtos de origem animal.

O diretor de Inspeção da Adab, José Ramos, explica que, quando se trata de comércio ou varejo, a responsabilidade é das vigilâncias sanitárias. Já no caso do trânsito de animais e da indústria, a competência é da agência.
“A gente entende que a saúde pública é uma só. Atuamos com a Defesa Agropecuária, mas entendemos que a inspeção sanitária de produtos de origem animal, faz parte de um conceito maior. A saúde é única, e a da sociedade como um todo deve ser preservada. A vigilância precisa atuar para garantir isso”, afirma.
Abate clandestino
José Ramos também alertou para os riscos do abate clandestino, que têm motivado diversas ações de fiscalização no estado e resultado na apreensão de carnes irregulares. "Além da questão do bem-estar animal que não é atendido, existe também as questões de controle de higiene e sanitária que também são importantes e necessários para evitar que esses produtos só serem comercializados chegue a mesa do consumidor".

Segundo ele, apesar do principal foco da agência ser no trânsito e na indústria, eles atuam juntamente com a Anvisa, Ministério Público e polícia, em ações de apreensões em estabelecimentos. "Agimos no comércio quando somos solicitados pelo Ministério Público, em conjunto com a Polícia Militar e com a presença da vigilância", conta.
Fiscalização no varejo e comércio
De acordo com A Vigilância Sanitária (VISA), em nota enviada ao portal A TARDE, o órgão tem como principal função a fiscalização de estabelecimentos que produzem, manipulam e comercializam alimentos, "garantindo a segurança dos alimentos e possibilitando, assim, minimizar ou eliminar os potenciais riscos à saúde da população”.
Irregularidades mais comuns em Salvador:
- Venda de alimentos fora do prazo de validade
- Armazenamento em temperatura inadequada
- Descongelamento em temperatura ambiente
- Falta de higiene nos locais de manipulação
Segundo o órgão, para se proteger, o consumidor deve observar não apenas a validade dos produtos, mas também cor, odor, aparência, conservação e integridade das embalagens. Todos os produtos de origem animal devem ter o selo oficial de inspeção (SIF, SIE, SIM ou SISBI), que atesta sua procedência e fiscalização.
Denúncias de irregularidades podem ser feitas pelo telefone 156, por meio da Ouvidoria Municipal, de forma anônima.
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