2 DE JULHO
Sertanejos também são heróis da Bahia
Além de Salvador e Recôncavo, algumas cidades do Semiárido foram importantes na luta libertadora
Por Priscila Dórea

As conquistas comemoradas no dia 2 de julho na Bahia são o resultado da união da população baiana em batalhas contra os portugueses que, mesmo após o grito às margens do Ipiranga (SP) em 1822, que proclamou a Independência brasileira, insistiam em permanecer no território baiano.
Não é à toa que as comemorações do 2 de Julho são chamadas de Independência do Brasil na Bahia. Porém, ainda que se fale muito do papel de Salvador e Recôncavo, algumas cidades do Semiárido foram fundamentais para a vitória.
“As vilas do sertão baiano tiveram papéis relevantes no desfecho da Guerra de Independência. Uma delas foi a Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité [atual Caetité, no sudoeste baiano], que participou de ações de resistência e combates às tropas portuguesas em Salvador, desde os episódios de 1822 até desdobramentos nos anos seguintes. Contribuiu com relevantes valores para o Caixa Militar das tropas de resistência, além do envio de víveres, soldados e outros recursos”, explica o doutor em história, docente e pesquisador da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Zezito Rodrigues.
Embora não constituísse palco central nas guerras pela Independência da Bahia, a Vila de Caetité, afirma o docente, foi cenário de disputas e recebeu muitas famílias portuguesas que fugiam dos conflitos no Recôncavo. Caetité fica a mais de 600 km de Salvador e os conflitos entre portugueses e brasileiros desenrolados na então vila se acirraram de tal maneira, “que exigiu do novo imperador o envio de tropas de Minas Gerais para contê-los e restabelecer a ordem social”, aponta Zezito Rodrigues.
“Por isso, Caetité mantém as comemorações do 2 de Julho como importante evento de caráter regional, que traduz o triunfo de suas elites na adesão à causa da Independência. A força dessa memória reiteradamente manifesta, conecta-se às experiências históricas vivenciadas em solo sertanejo, com significados e representações particulares”, explica o historiador.
Com a participação de escolas municipais e estaduais, fanfarras, filarmônicas, forças armadas, vaqueiros, trabalhadores rurais com carros de boi, comunidades quilombolas e grupos de montaria, o desfile cívico de Caetité também traz carros com figuras históricas, a exemplo de Maria Quitéria e Joana Angélica, representadas por pessoas. As comemorações começam no dia 1º de julho, com a representação humana da Cabocla sendo levada até a Pedra do Conselho, uma espécie de marco na cidade, onde as famílias se despediam e aconselhavam os homens que partiam para as batalhas.
“No dia 2, temos o grandioso desfile, que chega a reunir mais de dez mil pessoas no trajeto. Além das figuras históricas, o evento também traz temáticas como combate ao racismo e questões quilombolas, o que torna o desfile uma verdadeira aula de história, mas também uma análise crítica de nossa sociedade”, explica o historiador e diretor de cultura do município de Caetité, Edmilson de Brito Gomes.
Vaqueiros
Um dos grupos que melhor representam o Semiárido nas lutas pela Independência são os Encourados, homens com trajes característicos da lida com o gado (gibão, guarda-peito, chapéu e perneira) representando os mais recônditos dos sertões, “que trouxeram no seu âmago a caracterização da força e da luta do povo sertanejo”, explica o fotógrafo, documentarista, historiador e associado do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Miguel Teles.
Nascido em Pedrão, município a 135 km de Salvador, no centro-norte baiano, Teles é membro da atual composição dos Encourados de Pedrão, grupo originalmente formado nas terras do Arraial do Santíssimo Coração de Jesus do Pedrão, no final de 1822, e que era composto por 39 trabalhadores rurais, na maioria vaqueiros, cujas vestes em couro lhes deram identidade.
Eles participaram das batalhas pela Independência em Salvador, sob a arregimentação e comando, afirmam anais historiográficos oficiais, do frei pernambucano José Maria do Sacramento Brayner.
Em Pedrão, no entanto, não há desfile no dia 2, mas, sim, no dia 12 de julho, em comemoração ao aniversário da cidade. “Nesse dia há uma mini maratona, hasteamento das bandeiras e o desfile com escolas, fanfarras, militares e os Encourados. Nós ficamos muito felizes por Pedrão fazer parte da história da Independência da Bahia, e todo o envolvimento dos Encourados nessa luta”, alegra-se o coordenador de cultura do município de Pedrão, Samuel Rodrigues.
“Encontramos fotografias da participação dos Encourados de Pedrão no cortejo ao 2 de Julho, em 1923, em uma obra bibliográfica por ocasião das comemorações do Centenário da Independência do Brasil na Bahia. A partir dessa data, a participação dos Encourados tornou-se efetiva, com vaqueiros de outras localidades, além de Pedrão”, explica o historiador Miguel Teles. No entanto, o grupo está proibido de participar dos desfiles de Salvador desde 2014, pois o Processo nº 0067421-72.2012.8.05.0001, do 1º Juizado Especial Criminal, proibiu a participação de animais em festejos tradicionais em todo o estado [leia mais abaixo].
“Desde 2014 temos buscado via promotoria e pelo Ministério Público a condição para podermos desfilar, afinal os Encourados representam culturalmente a Independência do Brasil na Bahia, eles foram para as batalhas. Hoje, estamos sendo acusados de maltratar animais e penalizados por algo que não fomos nós que fizemos, enquanto somos proibidos de manter a história. Em 2020, conseguimos uma liminar para desfilar, mas não houve desfile por causa da pandemia, então esperamos que este ano consigamos”, torce o presidente da Associação dos Encourados de Pedrão, Anderson Maia.
Encourados: cavalos são dúvida
Foi em 2012 que ONGs de proteção aos animais começaram a protestar contra o uso dos cavalos por parte do grupo Encourados de Pedrão no desfile do 2 de Julho em Salvador. De acordo com o presidente da Associação dos Encourados de Pedrão, Anderson Maia, essa situação teve início com a então vereadora Rita Tavares, após ela notificar o maltrato de animais (jegues) na Festa do Senhor do Bonfim.
“A verdade é que estamos sendo penalizados por algo que não fizemos, e isso pesa na própria associação, que fica desacreditada, com a cidade achando que nós 'largamos de mão' e os membros estão desmotivados”, afirma.
Em entrevista no dia 22 de maio, o prefeito Bruno Reis anunciou a programação oficial do desfile do bicentenário do 2 de Julho na capital baiana, e confirmou a presença dos Encourados de Pedrão.
A incógnita ainda, aponta Anderson Maia, é como será essa participação (montados a cavalo ou não?), que deve ser conversada e resolvida nos próximos dias.
“Desde 2015 somos proibidos de participar do desfile, sob o pretexto de que ‘os vaqueiros maltratam os cavalos’, mas a Polícia Montada da PM-BA participa junto aos Encourados da abertura do desfile. Além de, pessoalmente, achar um absurdo tal afirmação, defino como falta de informação ou, quem sabe, um ‘palanque eleitoreiro’. Esperamos que agora em 2023, no Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, possamos participar do cortejo. Que a sapiência dos homens de bom grado e a legião dos Encourados nos ajude”, deseja o historiador e também membro do grupo Encourados de Pedrão, Miguel Teles.
A Fundação Gregório de Mattos (FGM) era quem trazia o grupo ao desfile, mas com a proibição da participação de animais em festejos em todo o estado (Processo nº 0067421-72. 2012.8.05.0001 do 1º Juizado Especial Criminal - juíza Márcia Denise Mineiro Sampaio Mascarenhas), “cabe à FGM apenas cumprir com as orientações, haja vista não caber a este órgão negar ou permitir a participação dos Encourados de Pedrão no desfile 2 de Julho”, afirmou a FGM em nota.
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