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Símbolo da Semana Santa, malhação de Judas vem perdendo força na capital

Costume secular, atração nos Sábados de Aleluia, queima do boneco de Judas caminha para o esqueciment

Por Leo Prado*

19/04/2025 - 6:00 h
Bonecos de Judas do artesão Jean Neiva
Bonecos de Judas do artesão Jean Neiva -

Costume secular, a malhação ou queima dos bonecos de Judas, durante anos, marcou os Sábados de Aleluia na Semana Santa, sendo atração aguardada em bairros da capital e cidades do interior baiano. No entanto, a prática vem perdendo força nos dias de hoje. Tornando-se cada vez menos frequente, os moradores têm dificuldade de manter acesa a chamada tradição.

Há mais de 50 anos atuando na confecção e venda dos bonecos, o artesão Fernando Encarnação, 68, acompanha de perto o esquecimento da tradição.

“Aqui no meu ateliê, a compra dos bonecos reduziu bastante nos últimos anos. Deve ter uns oito, dez anos que as vendas vêm caindo. Antigamente, associações de moradores, prefeituras, vereadores, e empresários, todos compravam comigo, mas hoje isso diminuiu muito. Agora, há um desinteresse com esse costume”.

Fernando Encarnação, artesão e vendedor de bonecos de Judas em sua oficina
Fernando Encarnação, artesão e vendedor de bonecos de Judas em sua oficina | Foto: Uendel Galter / AG. A TARDE

De acordo com Encarnação, no auge da tradição, o número de bonecos vendidos em seu ateliê, às vésperas da Semana Santa, chegava a passar de mil. Hoje, ele conta que esse número beira apenas a metade.

“Antes, tínhamos que confeccionar grandes quantidades, mas hoje trabalhamos conforme os pedidos, já que são menores. Mesmo assim, nós seguimos firmes aqui vendendo, e tentando continuar com a tradição”, afirma o artesão, destacando que segue o legado do seu antigo colega de trabalho, o famoso Florentino Fogueteiro, de quem é companheiro de ofício desde os dez anos de idade.

Falecido em 2006, Florentino Moreira Sales foi figura importante para o folclore baiano, se consagrando na confecção dos bonecos de Judas e nos mais diversos tipos de fogos de artifício. No bairro de São Gonçalo, por exemplo, há pouco mais de uma década, os moradores aguardavam ansiosos pela queima do boneco à meia-noite do Sábado de Aleluia, conta Márcio Victorino, 48.

Sócio-fundador do Instituto de Esporte, Cidadania e Inclusão Social, associação de moradores do bairro, ele lembra que o interesse pela prática na comunidade foi se perdendo com o tempo.

“O número de pessoas na rua foi diminuindo. Na última vez que organizamos a queima, em 2016, apenas sete pessoas estavam acompanhando. A população perdeu a vontade”.

Victorino fala que, devido ao desinteresse, o custo com a tradição passou a representar uma despesa alta para a associação, e que a falta de apoio dificultou que a organização continuasse. Além disso, ele atribui o fim do evento no bairro ao crescente contexto político que o envolvia.

Polarização política

“Perdemos a vontade de fazer, porque virou uma coisa muito política e partidária. No início, o Judas era alguém que fazia alguma coisa boba na comunidade, como forma de brincadeira. Mas depois, o boneco passou a levar nomes de políticos. Isso começou a rivalizar a comunidade, por conta das posições”. Hoje, para preencher o vazio da antiga tradição, Victorino é responsável pela arrecadação e distribuição de chocolates para as crianças, juntamente com a realização de brincadeiras.

“Nós mudamos a tática, e começamos a investir na compra de caixas de chocolate. Com isso, reunimos a criançada, mantendo a tradição das brincadeiras. Independente de quem ganha ou quem perde, todo mundo recebe o chocolate. É uma forma de manter isso vivo nas crianças, porque hoje elas só querem ficar com o celular na mão. Essa convivência é importante”.

Cosme Dionísio, 60, vice-presidente da Associação de Moradores de Nova Valéria, lembra com carinho de quando a queima de Judas animava o bairro. Ele conta, contudo, que há cerca de dez anos, o desinteresse fez com que a festa deixasse de existir. “Antes, tínhamos várias atrações e brincadeiras, era um momento de alegria, mas deixamos de fazer por falta de apoio. Nossa comunidade é muito pobre, e essas coisas têm gastos muito altos. Acredito que não é só aqui, mas em vários outros bairros de Salvador, que essa tradição não é como antes”.

Para Cosme, a modernidade é um fator determinante. “São os novos tempos. A cabeça das pessoas, no geral, não é mais como antigamente. Na época, quem mais curtia eram os jovens e adolescentes, mas parece que as redes sociais mexeram com a cabeça deles. É muito triste, porque estamos vendo nossa tradição indo embora, e não podemos fazer nada. Fico até emocionado”.

Imagem ilustrativa da imagem Símbolo da Semana Santa, malhação de Judas vem perdendo força na capital
| Foto: Shirley Stolze / AG. A TARDE

Presidente da Federação das Associações de Bairros de Salvador, Kilson de Melo lembra de quando a tradição era forte na capital baiana. “A gente pegava os Judas em Florentino e saía distribuindo pelos lugares: São Caetano, Pau Miúdo, no Centro, Dois de Julho, Cajazeiras, Liberdade, Subúrbio, Cabula. Nas vésperas da Semana Santa, era uma disputa para conseguir um boneco, por conta da demanda. É uma tradição que reverberava em cada canto da cidade. Era algo muito forte em praticamente todos os bairros, mas foi se perdendo”.

Por outro lado, há onde o costume sobreviva, mesmo que com dificuldade. No bairro de Fazenda Grande I, é Paulo César Andrade, 62, que tem a missão de, todo ano, organizar a Queima de Judas.

“Sou eu quem sempre articulo e consigo os recursos para fazer o evento, saio pedindo apoio. Eu tento resgatar os velhos tempos, para poder manter essa tradição viva. Meu projeto é brigar para que todo ano tenha, enquanto eu estiver presente. Faço questão de manter essa história”.

Para o historiador Murilo Mello, a mudança de cenário é fruto de uma transformaçãocultural.

“Com o passar dos anos, vemos esse esvaziamento da tradição, que é fruto da própria reelaboração da existência. O mundo foi mudando, com o advento da internet, por exemplo, e foram se criando novas tradições e novas formas de existência. A modernidade vai afastando as novas gerações desses costumes mais antigos”.

Originalmente, a celebração foi criada para “vingar” o discípulo que traiu Cristo, mas ao longo do tempo, conquistou mais significados. Antes do momento final da queima do boneco, que acompanha explosões e pirotecnia, o evento também é marcado por brincadeiras infantis, como o pau de sebo, quebra pote ou cabo de guerra. A ocasião também serve como sátira ou crítica a personalidades públicas que desagradaram parte da população, tendo seus nomes e rostos representados na figura de Judas.

“É uma tradição vinda de Portugal, que quando chega ao Brasil, passa a dialogar com a nossa cultura. Cada bairro de Salvador tinha a sua Queima de Judas. Era uma festividade religiosa, e ao mesmo tempo lúdica para as crianças. Além das cantigas e brincadeiras, tinha a leitura do Testamento, em que Judas endereçava presentes para os moradores de forma anedótica. Quem era careca, ganhava um pente, por exemplo, sempre em um tom de brincadeira”, explica Murilo.“

“Com esse esquecimento, o meu sentimento é de frustração, não só pelo meu negócio, mas pela falta de preservação desse costume. Eu fui criado vendo a Queima de Judas, e isso marcou muito a minha infância. Infelizmente, as crianças de hoje não estão tendo a oportunidade de vivenciar isso. Eu queria ver essa tradição sendo mantida”, lamenta o artesão Fernando

*Sob a supervisão do editor Fábio Bittencourt

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