ENTREVISTA – JÉFERSON MURICY
‘Sou favorável a uma jornada que permita vida além do trabalho’
Desembargador faz balanço do primeiro ano na presidência do TRT-BA e se mostra favorável à redução da jornada de trabalho
Por Divo Araújo
O desembargador Jéferson Muricy completou, em novembro, um ano à frente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA). Apostando na conciliação, ele conseguiu, nesse período, reduzir o tempo de julgamento das ações trabalhistas. “Hoje, no TRT, estamos com o tempo entre a entrada do processo e a designação da primeira audiência em torno de 90 dias. Antes, chegava a 150 dias”, conta o magistrado nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.
Na conversa, Muricy abordou diversos temas, como a construção da nova sede do TRT na Avenida Paralela, a Reforma Trabalhista, as parcerias firmadas com grandes empresas e a pauta que vem gerando intensos debates: a redução da jornada de trabalho para quatro dias, proposta em uma PEC apresentada no Congresso. “Quando a jornada semanal saiu de 48 horas para 44 horas na Constituição, houve essa mesma oposição. E, no final, a gente acabou se ajustando”, pontua ele. Saiba mais na entrevista a seguir.
O senhor completou, em novembro, um ano à frente do TRT-BA. Nesse período, foram pagos mais de R$ 4,6 bilhões aos trabalhadores, resultado de ações judiciais. É a sua marca mais importante neste primeiro ano de gestão?
Essa é a marca fundamental da nossa gestão, porque esse é o nosso papel. A nossa missão é exatamente garantir àquele e àquela que trabalhou durante boa parte da sua vida que receba o que tem direito e que muitas vezes não recebe. Mas nós olhamos para além dos números. Olhamos para as trabalhadoras e trabalhadores que vieram à Justiça do Trabalho e que finalmente receberam aquilo que tinham para receber. E que podem, com isso, prover o mínimo de conforto e dignidade para si e sua família. Esse é número fundamental, não pelo número em si, mas pela quantidade de pessoas e famílias que foram alcançadas e beneficiadas por isso.
Nesse período, o TRT teve um foco muito grande na busca pela conciliação. Essa visão ajuda a explicar esses números?
Sem dúvida, nós temos feito um esforço muito grande em conciliação. A conciliação é essencial, porque os sujeitos que estão envolvidos naquele conflito, conseguem chegar a um termo que seja benéfico para ambos. Ela é importante para o trabalhador e para a trabalhadora, que recebe aquele direito, mas também para o empresário, que equaciona sua dívida, e pode, com tranquilidade, tocar o seu negócio. Por isso que apostamos e acreditamos que a conciliação será cada vez mais um meio privilegiado de solução das questões que nos chegam.
Dentro dessa aposta houve a realização de alguns mutirões de conciliação. Qual foi a importância desses mutirões para agilizar o andamento das ações?
Com os mutirões, nós conseguimos resolver, às vezes, processos que estão se prolongando por muitos anos. Nós convocamos a sociedade, empresas, trabalhadoras e trabalhadores, muitas vezes de grandes empresas, e temos feito isso consistentemente. Temos feito isso com Petrobras, com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, empresas que tinham uma política sempre de muita resistência à conciliação, e que finalmente entenderam o papel que ela pode ter. Hoje, nós conseguimos resolver passivos e processos que se prolongavam há décadas. Recentemente, nós conseguimos fazer uma conciliação em um processo da Petrobras, que se não me trai a memória, era de 1989. Veja o alcance disso. Sem falar em diversas outras empresas, questões que se perpetuam, que se repetem. Temos priorizado a conciliação, inclusive em mutirões muito bem-sucedidos, que nos trazem a tranquilidade de que estamos nesse caminho correto.
Vi que, nesse período, o tempo médio para a conclusão de uma ação no primeiro grau foi de 286 dias. E do recurso em segundo grau foi de 159 dias. Esse tempo de trâmite no Judiciário já é um avanço? É possível avançar ainda mais?
Nós estamos diminuindo muito os nossos tempos de julgamento, de realização da primeira audiência, que já foram muito grandes. Em 2022, salvo engano, o tempo médio de duração de um processo era de quase um ano. Ele caiu cerca de 50% no tempo. Hoje está em 200 e alguns dias. Ainda é muito. Nós queremos trabalhar consistentemente para que esses tempos diminuam. Não é razoável que o trabalhador e a trabalhadora fique com esse processo se prolongando por tanto tempo. Mas nós já conseguimos diminuir. Só para você ter uma ideia, hoje nós estamos com o tempo entre a entrada do processo e a designação da primeira audiência em torno de 90 dias. Antes, chegava a 150 dias. Reduzir esses tempos é um trabalho coletivo. As administrações que me antecederam tomaram medidas, nós tomamos as nossas. A que virá tomará a delas para que a gente consiga julgar os processos, entregar o bem que as pessoas nos demandam no tempo razoável. Isso é fundamental.
Nesse último ano houve um aumento de demanda de ações ajuizadas. Foi um desafio lidar com esses processos a mais?
É sempre um desafio. No passado recente, houve certa queda de processos novos, de casos novos, com a Reforma Trabalhista e a pandemia da Covid-19. Agora, esses números começam a crescer paulatinamente. Tivemos um incremento de cerca de 20% do ano passado para 2024. Imaginamos que esse aumento também acontecerá em 2025. Então, precisamos nos aparelhar com uma plataforma de trabalho, com tecnologia e o uso racional dos recursos humanos e dos insumos que temos para poder atender cada vez mais com presteza, mais rapidez e mais eficiência as demandas da sociedade, que são fundamentais. O Poder Judiciário é o último limite da garantia dos direitos que o cidadão e que a cidadã têm. Por isso, precisamos responder a isso com alguma rapidez, segurança e credibilidade.
A Reforma Trabalhista já está pacificada dentro da Justiça do Trabalho? No início do governo Lula se chegou a falar em revogação de algumas medidas...
Acho que isso dificilmente acontecerá. Não acredito nesta hipótese. Vimos que houve esse aceno inicial, mas que não se converteu em gesto efetivo. Os tribunais estão paulatinamente interpretando a Reforma Trabalhista, pacificando os entendimentos sobre ela. Nós tínhamos uma preocupação muito grande com o acesso à Justiça, mas o Supremo Tribunal Federal já pacificou isso. Cerca de 50% das nossas demandas hoje são mediante o uso da gratuidade judiciária, o que é importante numa sociedade tão desigual, cheia de pobreza como a nossa. A maioria dos que nos procuram são trabalhadores que ganham até três salários mínimos, e que estão muitas vezes desempregados. Não tem como demandar caro em qualquer Justiça. A divergência é própria do Poder Judiciário, que é a interpretação da lei. Mas, aos poucos, nós vamos sedimentando os entendimentos. Enfim, não acredito que haja um movimento de revogação da Reforma Trabalhista.
Além da Petrobras, o TRT fez parcerias com outras grandes empresas do país, como o Bradesco, o Banco do Brasil e o Carrefour. Qual a importância dessas parcerias?
Com essas parcerias, nós criamos parâmetros para a solução de processos, sobretudo processos repetitivos, em que já há uma jurisprudência assentada no nosso tribunal, no TST, e até no próprio Supremo Tribunal Federal. Muitas vezes, essas demandas se perpetuavam sem ter uma solução. Cito o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, Petrobras, ou até o Bradesco, onde definimos os casos de terceirização e a responsabilidade da empresa que terceiriza certos trabalhos. A responsabilidade da empresa contratante já está completamente pacificada no Direito brasileiro. A despeito disso, essas ações se prolongavam, se perpetuavam. Com esses convênios, elegemos parâmetros para que esses processos não passassem por tanto recurso e aquele trabalhador, aquela trabalhadora pudesse ter acesso a uma conciliação, ao recebimento daquele valor com mais facilidade, sem passar por tantos percalços. Esses convênios abriram caminho para muitos desses acordos que estamos fazendo hoje.
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) propôs uma PEC que reduz a jornada de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana. Qual é a opinião do senhor sobre esse assunto?
Obviamente que, quando digo isso, eu não falo pelo TRT. Porque o tribunal é uma instituição com muita gente, com muitas opiniões e opiniões muito diversas. Eu falo disso absolutamente de uma perspectiva e de um ponto de vista pessoal. Mas eu, Jéferson Muricy, sou inteiramente a favor de uma escala que amplie a quantidade de dias não trabalhados. O Brasil ainda é um dos países ligados a essa tradição ocidental, que tem uma das escalas de trabalho mais longas. E que impõe a trabalhadoras e trabalhadores um tempo destinado ao trabalho muito grande. Não só no trabalho em si, como muitas vezes na locomoção. Tem gente que sai da sua casa às quatro horas da manhã para pegar às sete horas e passa boa parte da sua vida em transporte público. Na volta para casa, a mesma coisa. Essas pessoas precisam dar atenção às suas famílias, ter vida social, conviver com seus amigos. O que nós temos visto no mundo ocidental, pelo menos, que uma menor escala de trabalho traz inclusive maior produtividade. é Então, sou plenamente favorável a que se reduza essa quantidade de trabalho durante a semana. É claro, preservando e aumentando a produtividade, porque as empresas precisam ter lucro. Mas permitindo a essas pessoas uma vida além do trabalho, como a própria organização que propõe isso defende. Claro que isso precisa ser discutido no Congresso, como vai ser operacionalizado. Mas é uma tendência que acontece no mundo todo. Se olharmos na Europa Ocidental, por exemplo, as escalas de trabalho são muito menores do que a nossa. Quando a jornada semanal saiu de 48 horas para 44 horas na Constituição, houve essa mesma oposição. E no final a gente acabou se ajustando. As empresas que precisam durante todos os dias da semana, elas vão se ajustar, criando novas escalas, admitindo novos empregos. Acredito que é uma forma de também darmos mais dignidade a essa relação tão importante que é a relação capital e trabalho.
Uma das prioridades da sua gestão é a construção da nova sede do Tribunal Regional do Trabalho na Paralela. Como estão as obras e qual é a previsão delas serem concluídas?
Isso para nós é uma tarefa absolutamente prioritária. As obras estão andando. Ano que vem posso garantir que nós estaremos na nova sede, que ficará na Paralela, em um local que é um vetor de mobilidade urbana, tem um metrô próximo. E numa sede com instalações adequadas para nós que trabalhamos ali todos os dias. Magistrados, magistradas, servidoras, servidores, e para a sociedade em geral. O que posso dizer é que estamos trabalhando diuturnamente. Não posso precisar exatamente quando, porque é uma obra complexa, grande, mas até o final do primeiro semestre do ano que vem nós estaremos funcionando lá. É o que eu espero.
Os serviços do TRT hoje são descentralizados. A centralidade vai fazer com que o TRT ajude a economizar recursos?
Hoje nós estamos em três prédios. São dois prédios em Nazaré e um no Comércio. Um desses prédios é alugado. Isso implica que, anualmente, nós temos que gastar muito dinheiro público com um prédio que é alugado. Nós deixaremos de pagar aluguel. Por outro lado, estarmos em três prédios diferentes nos demanda uma logística de funcionamento, de segurança, de transporte, de comunicação entre esses prédios que nos tiram muito recursos. E são prédios velhos, o que significa mais custo, manutenção mais cara, porque os materiais estão envelhecidos, apesar de passarem por manutenção permanente. Estar num prédio mais novo, construído especificamente para ser um tribunal que abrigue todos os seus setores, nos dará convivência, relacionamento, pertencimento. Nos dará facilidade de comunicação para resolvermos as questões que se apresentam. E trará uma grande economia para os cofres públicos.
Como está o processo de interiorização dos serviços do Tribunal Regional do Trabalho. Em Camaçari, os serviços estão sendo ampliados?
Aqui em Camaçari nós temos um fórum, que foi feito para abrigar duas varas e hoje abriga cinco. A sociedade pode imaginar o desafio que é colocar cinco varas, cinco unidades onde foi construído para funcionar duas. O que nós fizemos foi trazer uma das varas de Ilhéus, que estava com uma baixa movimentação processual, para reforçar a nossa estrutura e poder atender com mais presteza, eficiência, a grande demanda que temos em Camaçari. Que, além de ser muito grande, é muito complexa. Estamos reformando a sede para receber esta quinta vara de Camaçari, que já está funcionando. Em Camaçari esse é o nosso desafio. Estamos encaminhando também a construção de mais duas unidades, que são as únicas no interior onde não temos sede própria, em Euclides da Cunha e Itaberaba. Se não fizermos isso ainda na minha gestão, já queremos deixar alguma coisa encaminhada para a próxima.
O atendimento no interior é sempre um desafio?
Quando a gente fala no interior, nós temos que segregar de onde estamos tratando. Porque há unidades que são muito mais tranquilas, que atendem muito bem ao público, à sociedade, que resolvem os processos com alguma rapidez. Há outras regiões que têm situações mais complexas, como citamos a de Camaçari, por exemplo. Vou dar um dado a nossa sociedade. Criamos a quinta vara de Camaçari agora em setembro. Essa vara já nasceu com quase quatro mil processos. E você vê processos que são muito complexos, porque Camaçari é o maior polo industrial da Bahia. Quando se trata da indústria, os processos são mais complexos, que envolvem muito mais demandas, muita perícia. Mas, em alguns lugares tem uma situação muito mais tranquila. Já visitei 20 cidades do interior da Bahia, e em algumas, os relatos são de problemas muito pequenos e pontuais. Em outras unidades precisamos nos debruçar com mais cuidado para poder resolver as complexidades que trazem Camaçari, Santo Amaro, e outras cidades onde as demandas são mais intensas e complexas.
Qual é a importância de programas de inclusão digital, como o Balcão Virtual, para prestar um serviço melhor e mais célere para a sociedade?
Esse é um projeto que é muito caro para nós. Somos uma instituição pública, mantida com a sociedade que paga impostos. Uma instituição encarregada de um dos atos mais fundamentais de uma nação, que é o de aplicar o direito nas sociedades. Não por acaso, é uma atividade tipicamente estatal, das mais necessárias e complexas. Por isso, precisamos oferecer cada vez mais acessibilidade ao povo. Como nós só temos 30 fóruns no interior da Bahia, que é um estado tão grande, uma das formas que encontramos é o atendimento telepresencial, além do Balcão Virtual, que você citou, onde a pessoa fala com a gente através do celular. Nós agora estamos também instalados em 176 pontos de inclusão digital. Onde o Tribunal de Justiça da Bahia tem um fórum, nós estamos lá presentes, fruto desse convênio com o TJ. Temos lá as salas passivas, onde as pessoas podem nos procurar e vão poder ter informação do seu processo. Eventualmente podem ser ouvidas em depoimento, sem precisar se deslocar da cidade onde moram para um local onde tem um fórum da Justiça do Trabalho. Onde não há nem fórum da Justiça do Trabalho, nem fórum da Justiça estadual, fizemos conjuntamente com o TJ convênios com as prefeituras. Hoje tem em muitas cidades salas com um ponto aparelhado e gente para dar informação de processo, para que a pessoa preste depoimento, com testemunha, por exemplo. Enfim, é uma forma de aumentar nossa capilaridade e do Tribunal de Justiça, para chegarmos mais perto das pessoas. Tem muita gente que não tem sequer o dinheiro para comer naquele dia. O que dirá para pegar um transporte, para se deslocar até uma sede onde há um fórum da Justiça do Trabalho. Para nós isso é muito importante e valorizado.
O TRT da Bahia ficou em terceiro lugar no Índice de Governança, Sustentabilidade e Inovação do TCU. O que levou o tribunal a obter essa colocação?
O esforço permanente que fazemos para melhorar a qualidade da nossa organização, não só internamente, nos nossos processos de gerenciamento e de governança, como também externamente. Melhoramos muito no nosso processo de governança interna, nos nossos processos decisórios, nos nossos fluxos de trabalho, na gestão dos nossos riscos. Precisamos também melhorar no atendimento que prestamos ao público, porque isso é fundamental. Mas ter uma organização internamente bem gerida é um passo fundamental para termos uma instituição mais eficiente, que preste de melhor modo, com mais qualidade e em menos tempo, a missão a que somos destinados. É isso que fazemos e queremos fazer mais para estarmos melhor nas próximas avaliações, tanto do TCU como do CNJ.
Raio-X
O desembargador Jéferson Muricy, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA), é graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Possui especialização em Direito Processual Civil e formação em psicanálise. Atuou como advogado militante, com ênfase na área trabalhista, e foi defensor público, aprovado por concurso, em 1991. Muricy integrou ainda o Ministério Público do Trabalho, onde chefiou a Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região. Em dezembro de 2005, tomou posse como desembargador federal do Trabalho. Já desempenhou a função de desembargador conciliador do TRT-5 e foi vice-presidente do Tribunal, além de ter sido diretor da Escola Judicial do Regional.
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