Violência doméstica deve ser combatida ao longo do ano | A TARDE
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Violência doméstica deve ser combatida ao longo do ano

Especialistas defendem ações e campanhas para além do ‘Agosto Lilás’

Publicado quinta-feira, 31 de agosto de 2023 às 22:30 h | Atualizado em 01/09/2023, 13:19 | Autor: Rafaela Souza
Em 2022, a Bahia registrou um aumento de 58% nos casos de violência (cerca de um por dia)
Em 2022, a Bahia registrou um aumento de 58% nos casos de violência (cerca de um por dia) -

O enfrentamento à violência doméstica e familiar é uma necessidade que vai para além do "Agosto Lilás", mês de conscientização e período que marca a criação da Lei Maria da Penha que completou 17 anos no último dia 7. A constatação é defendida por profissionais que atuam diariamente com vítimas na Bahia. Em 2022, o estado registrou um aumento de 58% nos casos de violência (cerca de um por dia). Os dados são da Rede de Observatórios da Segurança, através do boletim "Elas vivem: dados que não se calam". 

Em entrevista ao Portal A TARDE, a psicóloga Iara Pereira explica que não há um perfil de vítima e agressor, considerando as diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e situação socioeconômica. Contudo, a especialista aponta a vulnerabilidade entre mulheres negras e em situação de informalidade profissional.

"Na prática do dia a dia, no atendimento dessas mulheres, nós temos todo o perfil de mulheres, jovens, com mais idade, relacionamentos recentes, mais antigos. É muito diverso, infelizmente. Bem como o perfil dos agressores, que atinge várias classes sociais e graus de instrução. Nesse sentido, não há um perfil exato", pontua.

Psicóloga Iara Pereira, que atua diretamente com mulheres vítimas de violência
Psicóloga Iara Pereira, que atua diretamente com mulheres vítimas de violência |  Foto: Arquivo Pessoal
  

A psicóloga também diz que a violência doméstica e familiar contra a mulher foi acentuada no período de isolamento durante a pandemia de Covid-19. Segundo ela, o cenário tornou ainda mais difícil a quebra do ciclo de agressões. Além disso, a especialista alerta para as diversas formas de violência, que vão desde a física, psicológica e patrimonial.

"A gente fala que a primeira fase do ciclo da violência começa com irritação, reclamações, tudo vira um motivo para a tensão dentro de casa. E isso vira, chega a, infelizmente, um ato de violência, e é importante frisar que violência não é só agressão física. Muitas mulheres chegam e dizem: 'Mas ele não bate em mim'. Só que a partir dos relatos, a gente percebe outros tipos, principalmente a psicológica, que é tão difícil de aferir. Mas é possível perceber as marcas nos relatos dessas mulheres", frisa.

A psicóloga ainda ressalta a importância de ações de acolhimento às vítimas, além de uma atuação voltada para a educação a fim de prevenir e coibir a violência contra a mulher de forma mais efetiva.

Autonomia

A advogada e pesquisadora em Direitos Humanos, Lorena Pacheco, acredita que o enfrentamento da violência doméstica também deve ser pautado a partir de iniciativas e políticas públicas que visam o fortalecimento das mulheres e a garantia de direitos.

"Quando a gente pensa a violência contra a mulher, a gente não pode pensar só no âmbito da segurança pública. A gente precisa construir um ambiente propício para que essas mulheres se tornem livres de uma maneira completa. Então, ela precisa ter acesso a um ambiente com direito econômico, à educação, à saúde", avalia.

Advogada e pesquisadora em Direitos Humanos, Lorena Pacheco
Advogada e pesquisadora em Direitos Humanos, Lorena Pacheco |  Foto: Arquivo Pessoal
  

Para a advogada, que atua no atendimento para mulheres, apesar do senso de reprovação da violência, o debate vai além do teor da segurança pública. A partir disso, é importante entender a dimensão da realidade da mulher que está inserida nesse ambiente e combater a culpabilização da vítima.

"Acredito que sendo a Lei Maria da Penha a mais conhecida do Brasil a gente consegue avançar em alguns sentidos de conscientização da sociedade no geral. E em um nível maior ao senso de reprovação à violência doméstica em que pese a gente ainda tenha muitos avanços a se fazer quanto a questão do papel da mulher enquanto vítima da violência doméstica", diz.

"Infelizmente, ainda temos um senso apurado e muito alto de reprovação da vítima enquanto vítima como se ela tivesse alguma condição ou capacidade de sair daquele lugar de vítima com facilidade. É como se fosse apenas o querer que essa situação de violência cessaria", acrescenta.

Denúncia

Tendo em vista o combate contra a violência doméstica, a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito, destaca que é fundamental que a vítima realize a denúncia contra o agressor. De acordo com Brito, além do registro da violência, é preciso focar na educação da sociedade como um todo, a exemplo de comentários e estereótipos que subestimam e desrespeitam as mulheres.

"É importante fomentar, incentivar a denúncia, mas a gente enquanto cidadão e cidadã precisa estar atento aos comentários machistas, comentários que diminuam as potencialidades das mulheres. Pois é a partir do processo de conscientização, de educação que a gente pode mudar a realidade", reitera.

Delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito
Delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE
  

No último dia 7, em meio ao dia de mobilização pelos 17 anos da Lei Maria da Penha, a Polícia Civil inaugurou uma unidade na Superintendência de Atendimento ao Cidadão (SAC) do Salvador Shopping. A iniciativa, realizada em parceria com a Secretaria da Administração do Estado da Bahia (Saeb), visa oferecer atenção e acolhimento às vítimas de violência doméstica e familiar, que poderão registrar ocorrências, depoimentos e oitivas.

"Nós realizamos o registro de qualquer ocorrência, mas o nosso foco é apoiar a vítima de violência doméstica e familiar. As mulheres podem agendar para falar com a delegada, tirar as dúvidas sobre o processo. Não precisa ir na delegacia, é só vir aqui e, agendando no SAC a sua oitiva, ser ouvida. Ou seja, aproximando cada vez mais o serviço da polícia judiciária das mulheres vítimas de violência. Esse é o nosso grande objetivo. Nós começamos aqui neste SAC, mas já estamos em tratativas com a Saeb para que a gente possa ampliar isso, não só para as unidades da capital, mas para todo o estado”, afirma. 

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