ENFRENTAMENTO
Violência doméstica deve ser combatida ao longo do ano
Especialistas defendem ações e campanhas para além do ‘Agosto Lilás’
Por Rafaela Souza
O enfrentamento à violência doméstica e familiar é uma necessidade que vai para além do "Agosto Lilás", mês de conscientização e período que marca a criação da Lei Maria da Penha que completou 17 anos no último dia 7. A constatação é defendida por profissionais que atuam diariamente com vítimas na Bahia. Em 2022, o estado registrou um aumento de 58% nos casos de violência (cerca de um por dia). Os dados são da Rede de Observatórios da Segurança, através do boletim "Elas vivem: dados que não se calam".
Em entrevista ao Portal A TARDE, a psicóloga Iara Pereira explica que não há um perfil de vítima e agressor, considerando as diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e situação socioeconômica. Contudo, a especialista aponta a vulnerabilidade entre mulheres negras e em situação de informalidade profissional.
"Na prática do dia a dia, no atendimento dessas mulheres, nós temos todo o perfil de mulheres, jovens, com mais idade, relacionamentos recentes, mais antigos. É muito diverso, infelizmente. Bem como o perfil dos agressores, que atinge várias classes sociais e graus de instrução. Nesse sentido, não há um perfil exato", pontua.
A psicóloga também diz que a violência doméstica e familiar contra a mulher foi acentuada no período de isolamento durante a pandemia de Covid-19. Segundo ela, o cenário tornou ainda mais difícil a quebra do ciclo de agressões. Além disso, a especialista alerta para as diversas formas de violência, que vão desde a física, psicológica e patrimonial.
"A gente fala que a primeira fase do ciclo da violência começa com irritação, reclamações, tudo vira um motivo para a tensão dentro de casa. E isso vira, chega a, infelizmente, um ato de violência, e é importante frisar que violência não é só agressão física. Muitas mulheres chegam e dizem: 'Mas ele não bate em mim'. Só que a partir dos relatos, a gente percebe outros tipos, principalmente a psicológica, que é tão difícil de aferir. Mas é possível perceber as marcas nos relatos dessas mulheres", frisa.
A psicóloga ainda ressalta a importância de ações de acolhimento às vítimas, além de uma atuação voltada para a educação a fim de prevenir e coibir a violência contra a mulher de forma mais efetiva.
Autonomia
A advogada e pesquisadora em Direitos Humanos, Lorena Pacheco, acredita que o enfrentamento da violência doméstica também deve ser pautado a partir de iniciativas e políticas públicas que visam o fortalecimento das mulheres e a garantia de direitos.
"Quando a gente pensa a violência contra a mulher, a gente não pode pensar só no âmbito da segurança pública. A gente precisa construir um ambiente propício para que essas mulheres se tornem livres de uma maneira completa. Então, ela precisa ter acesso a um ambiente com direito econômico, à educação, à saúde", avalia.
Para a advogada, que atua no atendimento para mulheres, apesar do senso de reprovação da violência, o debate vai além do teor da segurança pública. A partir disso, é importante entender a dimensão da realidade da mulher que está inserida nesse ambiente e combater a culpabilização da vítima.
"Acredito que sendo a Lei Maria da Penha a mais conhecida do Brasil a gente consegue avançar em alguns sentidos de conscientização da sociedade no geral. E em um nível maior ao senso de reprovação à violência doméstica em que pese a gente ainda tenha muitos avanços a se fazer quanto a questão do papel da mulher enquanto vítima da violência doméstica", diz.
"Infelizmente, ainda temos um senso apurado e muito alto de reprovação da vítima enquanto vítima como se ela tivesse alguma condição ou capacidade de sair daquele lugar de vítima com facilidade. É como se fosse apenas o querer que essa situação de violência cessaria", acrescenta.
Denúncia
Tendo em vista o combate contra a violência doméstica, a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito, destaca que é fundamental que a vítima realize a denúncia contra o agressor. De acordo com Brito, além do registro da violência, é preciso focar na educação da sociedade como um todo, a exemplo de comentários e estereótipos que subestimam e desrespeitam as mulheres.
"É importante fomentar, incentivar a denúncia, mas a gente enquanto cidadão e cidadã precisa estar atento aos comentários machistas, comentários que diminuam as potencialidades das mulheres. Pois é a partir do processo de conscientização, de educação que a gente pode mudar a realidade", reitera.
No último dia 7, em meio ao dia de mobilização pelos 17 anos da Lei Maria da Penha, a Polícia Civil inaugurou uma unidade na Superintendência de Atendimento ao Cidadão (SAC) do Salvador Shopping. A iniciativa, realizada em parceria com a Secretaria da Administração do Estado da Bahia (Saeb), visa oferecer atenção e acolhimento às vítimas de violência doméstica e familiar, que poderão registrar ocorrências, depoimentos e oitivas.
"Nós realizamos o registro de qualquer ocorrência, mas o nosso foco é apoiar a vítima de violência doméstica e familiar. As mulheres podem agendar para falar com a delegada, tirar as dúvidas sobre o processo. Não precisa ir na delegacia, é só vir aqui e, agendando no SAC a sua oitiva, ser ouvida. Ou seja, aproximando cada vez mais o serviço da polícia judiciária das mulheres vítimas de violência. Esse é o nosso grande objetivo. Nós começamos aqui neste SAC, mas já estamos em tratativas com a Saeb para que a gente possa ampliar isso, não só para as unidades da capital, mas para todo o estado”, afirma.
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