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A múltipla arte da maternidade

Conheça a jornada única de mães que tiveram gravidez gemelar

Publicado domingo, 21 de abril de 2024 às 11:00 h | Atualizado em 21/04/2024, 13:17 | Autor: Priscila Dórea
Larissa Ramos Barreto com as filhas Jhudi e Analu
Larissa Ramos Barreto com as filhas Jhudi e Analu -

Maternar é entender que, a partir dos batimentos captados em uma ultrassonografia, você está criando um ser humano dentro de você. Ou dois. “Depois da médica examinar a primeira todinha, algo pulou na tela e ela disse: Ops... E começou a fazer tudo novamente. Eu, meu marido e minha mãe já em prantos, e ela disse que eram dois”, lembra a cirurgiã-dentista Larissa Ramos Barreto Macedo, mãe de Jhudi e Analu, de 7 anos. Larissa é uma das mães de múltiplos que estreiam essa série especial para o Dia das Mães de A TARDE: Mãe - Vida, Amor & Coragem.

Descrever uma maternidade, afirma Larissa, é muito difícil. Além de amor, é preciso muita paciência e sabedoria. “E isso o tempo e elas ensinam mais do que a gente pode expressar. O primeiro grande dilema, meu e de meu marido, foi voltar a trabalhar e deixá-las em casa, e então o primeiro ano na escola foi outro parto”, conta. A cirurgiã-dentista aponta que há muita intuição, mas ouvir outras mães também foi muito importante para ela, e algo que ela aprendeu em meio a essas conversas foi o consenso entre as mães múltiplas do quanto a comparação entre gêmeos é algo extremamente negativo.

Quem é mais danado? Mais inteligente? Ajuda mais? “Gente, não façam essas perguntas, mesmo que não estejam na frente das crianças, pois a rotula de maneiras que mãe nenhuma gosta. Não perguntem isso”, pede Larissa, que buscou estudar muito não só sobre maternidade, mas também sobre não expectativas e os comportamentos esperados. “É preciso saber o que é normal para cada idade, assim como tentar conduzir e entender que cada criança é única, mesmo que geneticamente iguais”, explica.

E entre os comportamentos esperados, aponta o ginecologista e obstetra Nelson Lorenzo Jr., estão os cuidados extras e a rapidez com que os sintomas da gravidez gemelar (gêmeos) aparecem. “Ao invés dos 7 meses, como acontece na gravidez de um bebê, esses sintomas surgem em torno dos 5 meses com gêmeos, e com intensidade. Por isso, o acompanhamento médico é importante, seja verificando o peso dos bebês ou verificando sobre síndromes comuns, como a passagem de sangue de um para outro", explica ele, que atende mães com gravidez gemelar de duas a três vezes por mês.

Trabalho em equipe

E esse “trabalho em equipe” não apenas avisa a mamãe que eles estão ali dentro logo cedo na gestação, mas também os apressa a querer ver o mundo fora da barriga da mãe. Jhudi e Analu, por exemplo, nasceram prematuras, assim como os gêmeos da arquiteta Dayane de Alencar, Samuel e Mateus, de 9 anos. Mas ao contrário de Larissa e o marido, que possuem um histórico distante de gêmeos na família, “filhos de primos de nossos pais, mais ou menos assim”, conta Larissa, as tias dos dois lados da família de Dayane têm casos de filhos gêmeos.

“Mesmo sabendo que pode acontecer, não achava que seria a escolhida. Então quando descobri entrei em choque, principalmente porque já tinha um filho de 4 anos, e pensar que seriam três foi bem assustador”, lembra Dayane, que conta ainda que todas as saídas eram um evento quando eles eram pequenos, “mas as idas ao pediatra sempre foram muito engraçadas”, afirma. Para economizar tempo, até hoje, ela marca as três consultas no mesmo dia e em sequência.

E a estranheza já vinha na ligação para marcar. “Que é tipo assim: alô, gostaria de agendar três consultas com a dra. Fulana, por favor. Os atendentes sempre se assustam até eu explicar. No dia da consulta, sempre ia com alguém pra ajudar e então começava a dinâmica: entrava com a primeira criança, trocava de criança e então uma terceira vez, depois eu saia puxando minha corda de caranguejo”, lembra ela risonha.

A arquiteta conta que já se acostumou tanto “a sair de galera”, que quando acontece de sair com apenas um dos filhos, acha estranho, “é uma bagunça boa”, afirma. “Respeitar as diferenças de cada um é um exercício diário e eu aprendo todos os dias com eles. Não existe uma receita pronta para se criar um filho e eu faço o melhor que eu posso, tem dias que esse melhor não é o suficiente, mas tudo bem também, no dia seguinte a gente tenta de novo, sempre juntos. Acho que tem dado certo”, afirma Dayane.

Transformação

A verdade é que a maternidade é pura transformação, afirma a psicóloga, neuropsicóloga e terapeuta cognitiva comportamental, Rosângela Santos Rodrigues de Araújo. Portanto, envolve muitos sentimentos de alegria e medo. “Ser gêmeo ou ter filhos gêmeos não é tarefa tão fácil como a ilustrada nas comédias românticas. A identidade humana fala do direito de ser diferente e ser respeitado diante da sua singularidade, por isso que o acompanhamento psicológico nestes casos facilita o processo de construção e desenvolvimento”, explica Rosângela. E isso vale para a mãe e os filhos.

E ao relembrar as muitas fases que já passou à medida que seus filhos gêmeos, Emídio e Clara (24 anos), se desenvolviam e cresciam, a aposentada de 60 anos Ana Cristina Pinheiro da Rocha, não tem dúvida: a sua maternidade foi e continua sendo muito prazerosa. “É claro que no começo foi uma loucura. Muito gasto, cansaço e noites sem dormir, mas quando paro para pensar em tudo que vivi, aprendi e ensinei a eles, só consigo pensar em como todas essas fases foram importantes e prazerosas”, reflete ela.

Ser mãe era algo que Ana Cristina queria muito e sempre amou ter a casa cheia. Mas com os filhos já adultos, ela agora já pensa em quando o ninho ficar vazio, “pois sei, claro, que vou sentir falta, mas também sei que assim como eu, eles precisam sair de casa para construir suas famílias”, explica ela. E quem tem sentido esse alçar dos filhos para fora de casa é a comerciante de 67 anos, Ana Lúcia Barbosa da Silva, mãe das gêmeas Joseane e Josely, de 34 anos. Josely mora com a mãe em Recife, enquanto Joseane - que é casada e tem filho - se mudou para Salvador.

Ana Lúcia só soube que teria meninas gêmeas durante o parto, e o sentimento, afirma ela, foi de surpresa e “muita felicidade”. Idênticas, era comum ela confundir as duas meninas. “Uma chorava e queria comida, eu dava. Ai daqui a pouco a outra chorava e eu não sabia mais quem tinha comido. Ai o pai dizia: bota na boca, se ela não quiser é porque foi a que comeu. Com elas maiores e traquinando, já aconteceu de eu reclamar com uma e ter sido a outra”, lembra.

Hoje, a falta que sente de Joseane é grande, e a filha também sente uma saudade imensa da mãe e de sua gêmea, fisioterapeuta igual a ela e com quem cresceu fazendo tudo. “É como nascer com sua melhor amiga. A nossa união sempre foi muito forte e nossa história tem alguns episódios que me marcaram muito, como quando fiquei internada depois de fraturar o braço e, de madrugada, no quarto ao lado ao meu no hospital, onde ela estava com meus pais, Josely começou a chorar de dor no braço”, recorda Joseane.

E tal ligação é tão forte, afirma Josely, que mesmo nessa distância física de mais de 800 km que elas vivem hoje não traz uma sensação real de distanciamento entre elas. “Na verdade eu nunca tive uma sensação de perda, porque é uma ligação tão forte, tão única, que costumamos dizer que é além do sangue, é na alma, sabe? A nossa ligação é tão linda que não consegui ter e não tenho o sentimento de perda, de distância. É como se ela realmente nunca estivesse distante de mim”, afirma Josely.

Choque

Para grande parte das mães deve ser um choque se descobrir grávida não apenas de um bebê, mas de dois - ou até mais -, reflete a psicóloga, neuropsicóloga e terapeuta cognitiva comportamental, Rosângela Rodrigues. Por isso, a importância em haver um acompanhamento psicológico nesses casos, não apenas durante a gravidez, mas também depois do nascimento dos filhos, é a maior oportunidade de ter uma experiência positiva e saudável.

Inicialmente é preciso compreender as transformações do corpo e da mente, pois deixar o corpo da menina se transformar em abrigo e de mulher requer tempo e lugar de fala neste processo de construção de um adulto mais saudável e uma mãe mais amorosa. “Este processo de compreensão e saúde mental é muito valoroso para o cuidar de gêmeos, afinal são dois ou mais filhos com perspectivas de personalidades e desenvolvimento mental diferentes e únicos”, explica a psicóloga.

A importância, ressalta ela, de saber validar a unicidade de cada ser desde o ventre materno é gigantesca para que esse bebê se torne um homem ou mulher que respeita, fortifica e respalda sua individualidade e, ainda assim, valoriza a conexão com seu gêmeo. “A terapia materna é lugar do respeito, singularidade. Ter um ou mais filhos não é fácil, mas, com certeza, é um trabalho muito edificante e requer cuidado de todos envolvidos nesta construção. Cuidar desta mãe, também é oportunizar uma infância mais saudável e feliz”, afirma Rosângela Rodrigues.

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