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“Há um risco permanente de ameaça à liberdade de imprensa”, diz presidente da ANJ

Por Osvaldo Lyra

19/10/2020 - 6:00 h | Atualizada em 19/10/2020 - 9:59
Presidente da ANJ, Marcelo Rech, lembra que “não existe democracia sem liberdade de imprensa"
Presidente da ANJ, Marcelo Rech, lembra que “não existe democracia sem liberdade de imprensa" -

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, diz que vivemos hoje um risco permanente de ameaça à liberdade de imprensa no Brasil. Para ele, “não existe democracia sem liberdade de imprensa”. Questionado sobre as especulações de enfraquecimento dos jornais no país, Rech diz que “os jornais são muito mais que impressos. São usinas de informação”. E completa: “A convergência das mídias é o futuro”. “Cabe a nós oferecer diferentes conteúdos, em diferentes formatos, para atender a esse usuário em todos os seus momentos do dia”. Nessa entrevista exclusiva ao jornal A TARDE, Marcelo Rech diz ainda que “o jornalismo profissional é o antídoto contra as Fake news e a desinformação”. Confira.

O Jornal A Tarde acaba de completar 108 anos. Essa é uma marca que deve ser comemorada, presidente?

Sem dúvida, porque um jornal chegar a 100 anos, um veículo de comunicação chegar a 108 anos não chega por acaso. É uma história que envolve muitas gerações de jornalistas, de técnicos, de gráficos, de pessoal administrativo, acionistas, diretores... São gerações que foram construindo a credibilidade do veículo ao longo de mais de um século. E numa era em que nós vemos a desinformação, a superficialidade, os temas fugazes serem hegemônicos, é um alento para o Brasil e o mundo poder comemorar os 108 anos de um jornal. Porque ninguém chega a 108 anos sem dois aspectos fundamentais. Um deles é um pouquinho de enraizamento na comunidade, o reconhecimento da comunidade a que esse veículo serve, e o outro é a construção diária da credibilidade, que é o patrimônio mais fundamental da existência de um veículo de comunicação.

Que avaliação o senhor faz do mercado de jornais impressos hoje no país? Se mantém ativo, atuante?

O veículo impresso é uma das tantas formas de distribuição de conteúdos jornalísticos pelos jornais. Ele vai continuar vigoroso e relevante enquanto a sociedade se dispuser a comprar jornais, a assinar jornais em papel. O papel tem vários aspectos muitos positivos, a começar pela conveniência, pela facilidade de transporte, de leitura, pela relação tátil, e pela organização dos assuntos diários para a pessoa. O jornal em papel é hábito, ele constrói um hábito que muitas vezes passa de pai para filho, passa de geração para geração. E não encontrar um jornal às vezes debaixo da porta, em frente da casa, na caixa do correio, é como se quebrasse um hábito como tomar café da manhã. Então essa formação de hábito, essa relação que se estabelece quase familiar com o veículo impresso é uma relação muito forte e vai continuar existindo por muito tempo, enquanto houver pessoas dispostas a pagar. Mas os jornais são muito mais que impressos. Os jornais são usinas de informação que produzem conteúdos 24h por dia, 7 dias por semana, em diferentes plataformas. E não só texto e foto, como antigamente no jornal, em vídeo, áudio, podcast, gráficos animados, enfim. É importante se dizer que o jornal foi o primeiro veículo, o primeiro grande negócio a sofrer disrupção digital há um quarto de século, quando surgiu a internet. Então nós já somos pioneiros em lidar com a disrupção digital e hoje estamos à frente de muitos outros negócios que apenas agora estão sofrendo os impactos da revolução digital.

O mercado está em constante transformação. Muito se fala que o impresso será extinto, mas o que a gente percebe é que ao invés do fim das publicações em papel, há uma transferência da credibilidade para o formato digital e para a convergência das mídias. Esse é o caminho, presidente?

Sem dúvidas. A convergência das mídias é o futuro. Quem vai definir é o leitor, o usuário. Quando for mais conveniente para ele o papel, ele terá o papel. Quando for mais conveniente ter uma leitura rápida, de dois minutos no celular, numa fila de banco, ele vai ter esse acesso a informação de credibilidade no celular. Quando ele quiser uma leitura mais extensa, longe de casa, sem acesso a jornal, ele vai poder ler no seu computador, no seu iPad, mesmo no celular, uma reportagem, um artigo mais profundo. E quem define esse consumo é o usuário e sua conveniência. Cabe a nós oferecer diferentes conteúdos em diferentes formatos para atender a esse usuário em todos os seus momentos do dia.

Como o senhor vê a relação conflituosa do presidente Bolsonaro com os jornais impressos do país?

O que nós precisamos entender é que o presidente Bolsonaro, a forma que ele age com a imprensa, não é uma relação isolada que ocorre no Brasil. Muitos países, sobretudo com governos com características de autocracia, eles vêm, de uma forma ou de outra, já tendo uma relação conflituosa com a imprensa. Eu vou citar aqui alguns casos próximos a nós. A Argentina, da Cristina Kirchner, por exemplo, ela vivia em conflito, atacando a imprensa e tentando, inclusive, prejudicar financeiramente veículos que eram críticos ou tinham uma visão crítica independente em relação a ela. O Rafael Correa, do Equador, perseguiu a imprensa independente do Equador de uma maneira muito forte, tentando quebrar a imprensa em particular dos jornais equatorianos. E o caso mais conhecido de todos, aqui do lado, ao Norte do Brasil, da Venezuela, Hugo Chávez e Nicolás Maduro, que conseguiu fragilizar a imprensa independente, atacando de uma forma muito parecida que faz o presidente Bolsonaro, aqueles veículos que não são subservientes. Não por acaso, e aí talvez essa seja a grande diferença, esses governos eram de esquerda, na Argentina, no Equador e na Venezuela. Mas todos os governos que têm um caráter ideológico eles têm uma relação muito ruim, muito difícil com a crítica. Eles não lidam bem com críticas e muito menos com denúncias, com investigações. Então tentam desmerecer, desacreditar o mensageiro. Isso acontece, por exemplo, nos Estados Unidos com Donald Trump, acontece na Turquia com Erdoğan, acontece na Rússia com Putin, acontece nas Filipinas com o Duterte, e acontece no Brasil com o governo Bolsonaro. Então ele está imitando, ele está fazendo uma mímica do modelo de outros governantes que tentam desqualificar a imprensa para que se protejam de críticas e denúncias. E usam as redes sociais para isso. Agora o que eu sempre digo é que a imprensa não vive de erro, a imprensa vive de acerto. Não é que ela acerte sempre em todas as suas análises, em todas as suas reportagens do ponto de vista de precisão, mas ela corrige esses erros, porque a relação que ela estabelece com o público é uma relação de confiança, e para ter essa relação de confiança ela precisa reconhecer quando acontece um erro de informação, etc, corrigir e não se intimidar com quem quer que seja, se for de esquerda, de direita... O presidente Lula, a presidente Dilma também atacavam, não nesse grau, não nessa intensidade, mas também eram muito descontentes. Pergunta para o Lula, o que é que ele acha da imprensa brasileira. Ele tem a mesma visão talvez do Jair Bolsonaro, que a imprensa fez muita reportagem investigativa, muitas críticas e denúncias em relação ao governo dele, especialmente sobre os envolvimentos no Mensalão e no Petrolão.

Vivemos algum tipo de risco, de ameaça à democracia?

Eu acho que sim, há um risco permanente de ameaça à liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa é um baluarte, ela é um pilar da democracia. Não existe democracia sem liberdade de imprensa. E para existir liberdade de imprensa a gente precisa de duas coisas: liberdade e imprensa. Imprensa livre. Liberdade nós temos no Brasil, reconheço que o Brasil é um país que vive numa situação de democracia, ninguém está dizendo que não, mas a imprensa sofre um constante ataque econômico, financeiro, e sobretudo de tentativa de desqualificação. O próprio presidente Bolsonaro já usou duas vezes a caneta presidencial para tentar atingir os jornais, com duas medidas provisórias, uma delas que é a 892, que acabava com a publicação de balanços nos jornais, e a outra, 895, que acabava com a publicação de editais nos jornais, afetando inclusive a transparência dos atos oficiais. Felizmente uma das medidas provisórias foi revisava na Suprema Corte, no STF, e a outra medida provisória foi arquivada no Congresso Nacional. Mas foram duas decisões, duas medidas em que pela primeira vez na história recente do Brasil nós vimos o presidente usando seu poder para afetar economicamente, como antes fez o Hugo Chávez na Venezuela. Mas não teve sucesso, felizmente agora o presidente Bolsonaro não teve o mesmo sucesso que Chávez teve para acabar com a imprensa independente.

A rede social é uma forma de comunicação que se mostrou imprescindível, sobretudo na pandemia. Mas tem outra questão que preocupa, que são as fake news. Como o senhor avalia os riscos causados e essa exposição que todos nós temos hoje à questão das fake news?

De fato, as plataformas digitais, as redes sociais, elas se mostraram, se mostram extremamente relevantes na comunicação e na disseminação de informações. Agora o que se imaginava como um paraíso veio junto um inferno. As redes sociais foram rapidamente abduzidas, digamos, tomadas como reféns por aqueles que fazem da desinformação a sua atividade central para confundir a população. As pessoas recebem um conteúdo, e aí a rede social, e vale também os serviços de mensagem, como o WhatsApp, e não conferem a origem, se é verdadeiro aquele conteúdo ou não. Às vezes é um vídeo, um vídeo que parece absolutamente realista, e ele é mentiroso, é fake, é uma invenção. Recebem um áudio, um áudio completamente falso, mas parece verdadeiro. E as pessoas de boa fé repassam isso. E isso é grave, talvez a mais grave ameaça à democracia no mundo, porque para haver democracia você precisa haver a escolha. A escolha de proposta, a escolha entre biografias, a escolha entre projetos. E no momento em que a escolha é obscurecida, ela é desvirtuada por mentira, por desinformação, por fatos que não são verdadeiros, o próprio processo democrático fica desvirtuado. Então essa é a grande ameaça. Então o contraponto, o antídoto para a desinformação, para essa ameaça à democracia, ameaça ao direito da população a se informar sobre a realidade, é a imprensa profissional. O jornalismo profissional é o antídoto contra as Fake news e a desinformação. Então se veio de uma fonte profissional, se veio de uma fonte de jornalismo, que tem na sua atividade a busca do acerto, então ok. Mas se por acaso não tem essa origem, não identifica essa origem, é melhor não repassar esse conteúdo, deletar, não acreditar nele.

A gente vive e presencia, volta e meia, ameaças a jornalistas e ao trabalho do jornalismo. Isso preocupa?

Muito. Muito. Porque além de todas as ameaças históricas que a atividade de imprensa... A imprensa independente produz críticas, ela produz reportagens de denúncias investigativas que às vezes descontentam segmentos, mas isso é da vida em sociedade. Mas muitas vezes em muitos países, no Brasil isso também acontece, jornalistas sofrem desde censura, censura prévia, nós temos tido casos muito preocupantes de censura prévia por parte do Judiciário brasileiro, felizmente revisadas em instâncias superiores, mas não é incomum, até assassinatos, agressão física a jornalistas, sobretudo no interior do Brasil, a radialistas, etc. E a essas ameaças clássicas, digamos, históricas que acontecem no Brasil, se somam a um ataque coordenado contra a integridade de jornalistas, porque a integridade de profissionais, de repórteres, de colunistas, numa industrialização do ódio. Então se alguém faz uma reportagem que denuncia, por exemplo, o governo, o partido, uma pessoa, os, digamos, discípulos, seguidores dessa pessoa, desse governo, se armam com ataques digitais coordenados numa tentativa de desqualificar e de abalar emocionalmente esses profissionais. Então a gente sofre uma agressão moral muito grande como profissional e é preciso hoje muito discernimento também para que a atividade jornalística, para que o jornalista ele continue cumprindo a sua missão, a sua obrigação, com a sociedade. Levar a verdade, levar a realidade, fazer uma opinião livre, independente, apesar desses ataques.

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