BRASIL
Programa contra crack foi feito com dado de 4 Estados
Por Alana Rizzo e Lígia Formenti | Agência Estado
O programa nacional de combate ao crack, lançado há um ano pela presidente Dilma Rousseff e com recursos previstos em R$ 4 bilhões, é um tiro no escuro. Foi feito com base em números escassos, que nem de longe retratam a realidade dos usuários no País ou o universo de cracolândias. O Estado teve acesso aos documentos preparatórios do plano "Crack, é possível vencer".
"A estratégia foi pensada a partir de uma pesquisa nacional realizada pela Fiocruz, que mapeou os locais de maior concentração de uso de crack nos Estados", diz o documento assinado pelo Departamento de Políticas, Programas e Projetos, do Ministério da Justiça. No entanto, o governo tem nas mãos dados de apenas quatro Estados, pois comandantes de 23 PMs não forneceram estatísticas sobre o crack - incluindo São Paulo, Minas, Rio, Paraná e Mato Grosso. Os dados coletados são referentes só à quantidade de pontos de venda e de usuários.
O levantamento com Secretarias de Segurança dos Estados não é diferente e reuniu dados precários. O Distrito Federal, por exemplo, informou que tem apenas 220 usuários da droga. Goiás alega ter 56. Mato Grosso do Sul, 120. Oito Estados nem sequer forneceram informações. São Paulo respondeu parcialmente, sugerindo foco na capital do Estado.
"Conclui-se que os Estados não têm dados mapeados sobre a quantidade real de usuários de crack (até porque a polícia não faz distinção entre usuário e traficante, obtendo dados de pessoas detidas), mas dados de quantidade de apreensão de droga e de prisões efetuadas pelas Polícias Civil e Militar e dados estimados de usuários das cenas de uso", diz o relatório do Ministério da Justiça.
"Constata-se que não sabemos qual é a real dimensão do crack no País", diz o professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier. O médico, que há 15 anos dirige o Programa de Orientação e Atendimento (Proad), questiona o caráter de "epidemia" que foi conferido ao problema e a pressa com que o programa foi lançado.
Xavier afirma que o retrato do crack no Brasil só deverá ser traçado por uma pesquisa encomendada pelo governo à Fundação Oswaldo Cruz, ainda em andamento. "O estudo é sério, muito bem feito, mas foi atropelado." A atividade teve de ser interrompida em alguns pontos do País, depois de ações policiais que dissolveram as comunidades, como em São Paulo.
No papel
Os documentos indicam ainda que a atuação das forças de segurança pública neste ano, nas chamadas "cenas de uso", ficou a reboque de ações estaduais. E parte do planejamento para a atuação dos agentes de segurança nesses locais ainda não saiu do papel. O relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública previa, por exemplo, a intervenção em 51 cracolândias de maior concentração de usuários para identificação e prisão de traficantes, além da instalação de 44 bases móveis com videomonitoramento e 1.072 pontos de câmeras fixas.
O pregão para a compra do sistema de captação e transmissão de imagens foi suspenso. As demais licitações para aquisição de veículos, motocicletas e armas de baixa letalidade ainda não foram concluídas. Mas o governo afirma que até o fim do ano entregará todo o material para os Estados. O documento anunciava também ações de inteligência contra o tráfico.
Procurada, a secretária nacional de Segurança, Regina Miki, responsável pelo programa, afirmou que 2012 foi um ano de "amarrar as pontas nas pontas". "Posso qualificá-lo como um ano de oficina de alinhamento", destacou, ressaltando que o período eleitoral também teria atrasado o cronograma.
Limitação
O secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães, admite não haver dados precisos sobre o crack no País. "O levantamento de dados epidemiológicos é muito mais complexo do que com outras doenças, como tuberculose", argumenta. "Mas isso não impede que montemos um plano."
A área de saúde do programa prevê a ampliação de assistência para pacientes dependentes de crack. A meta é abrir 1.750 vagas em Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps-AD), 3.508 em hospitais gerais e 8.610 em unidades de acolhimento - centros que prestam atendimento para pacientes que não têm ou não podem voltar para casa. O ritmo de instalação, no entanto, destoa da pressa com que o programa foi lançado. Do planejado, foram criadas até agora 230 vagas nos Caps AD (13% da meta), 250 vagas em unidades de atendimento (2,9%) e 94 vagas em hospitais gerais (2,67% do planejado). Outras 1.959 vagas foram pactuadas: o acordo para criação já foi firmado e aguarda, agora, execução.
Até agora, só 12 Estados aderiram ao programa. O maior temor do médico Dartiu Xavier, porém, é que pressões políticas possam afastar as ações da lógica de atendimento criada ao longo dos últimos anos. "Começou com a participação de comunidades terapêuticas, uma concessão feita para agradar grupos religiosos", avalia. "Há comunidades de alta qualidade, mas esse não é o padrão."
A mais recente campanha, afirma, é pela internação à força de pacientes. "Há um lobby de antigos donos de clínicas, de hospitais que perderam dinheiro e espaço depois da política antimanicomial. A internação involuntária está prevista em lei, mas não é nem de longe a lógica do tratamento." As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
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