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CADERNO 2

A consequência do ser

Wilson Pereira lança livro com poemas escritos ao longo de 45 anos

Por Lila Sousa*

18/03/2023 - 8:00 h
Na abertura da programação, Wilson tocará flauta com a Camerata Ateneu Musical
Na abertura da programação, Wilson tocará flauta com a Camerata Ateneu Musical -

O lançamento de um livro de poemas com distribuição de pãezinhos feitos pelo próprio poeta. Nesse clima intimista e aconchegante, Wilson Pereira de Jesus lança, hoje, às 19h, o livro Num Filtro de Barro, no pátio da Saladearte - Cinema do Museu, no corredor da Vitória.

Na abertura da programação, Wilson tocará flauta com a Camerata Ateneu Musical.

Num Filtro de Barro reúne mais de 150 poemas, compostos entre 1976 e 2021. Nesta obra há uma predominância do verso livre, reminiscências em primeira pessoa, sutis lampejos epifânicos e as meditações líricas, que foram escritos ao longo de 45 anos e podem sugerir um autorretrato poético do autor.

O primeiro lançamento do livro aconteceu no dia 9 de março, no Museu Regional de Arte, no Centro Universitário de Cultura e Arte da Uefs.

“Só estavam lá os meus pares. Amigos, colegas de trabalho, pessoas do meu círculo de afeto”, relata Wilson. No lançamento que irá acontecer na Irmandade do Cinematógrafo, será da mesma forma, apenas amigos.

Sobre a presença do público neste sábado o poeta comenta: “Uma comunidade de convergência mediada e permeada pela arte do cinema e da literatura. É interessante que convivemos por quase dois anos virtualmente. E quando foi possível nos aproximar ostensivamente só aumentou a nossa interação. A Irmandade do Cinematógrafo é composta por amigos de copa e cozinha. Amigos de verdade. Entre amigos a gente relaxa, se alegra e impera a reciprocidade”.

Poesia é consequência

Segundo o autor, nesta obra o leitor poderá encontrar-se e poderá perder-se. “Esse é um problema da interação do inconsciente do leitor com o poema que atualiza nesse pretenso leitor coisas latentes”. Ele conta que já recebeu feedbacks gratificantes de pessoas de várias regiões falando dos poemas que as tocaram.

“Minha mulher é psicóloga e me disse que ficou intrigada com o modo que eu passei por todos esses processos internos dos quais os poemas dão indícios. Penso que o processo de criação é doloroso porque é consumado num ser encerrado num corpo totalmente contingente. A condição humana é uma condição de dúvida. Por isso eu entendo quando o Cristo disse: ‘Pai, por que me desamparastes?’. A gente realmente nunca sabe. É tão gratificante poder intuir essas coisas! Assim como é bom poder tocar um instrumento”!

Wilson escreve desde 1968, mas por causa do curso da vida não se considera poeta, já que optou por ser professor de matemática no Ensino Básico, obtendo assim o sustento da veia criativa.

“Se digo que sou poeta, é só nos meus poemas. Embora membro fundador do grupo HERA, e a maioria dos meus amigos de mais de meio século de amizade sejam poetas, eu não quis ser gauche na vida”, garante.

O poeta nunca teve dinheiro para publicar um livro e quando esteve prestes a publicar, na coleção dos novos da Fundação Cultural do Estado da Bahia, houve a mudança de governo e o projeto foi desativado. “Tanto que os poemas dessa época foram quase todos publicados neste livro. Roberval Pereyr, Washington Queiroz e Iderval Miranda são nomes de Feira de Santana que publicaram pela Fundação Cultural na Coleção dos Novos”, menciona.

Este é o primeiro livro do autor a ser publicado, chegando aos leitores graças a colaboração de outros cinco poetas. “Cremildo Souza, Marcos Porto, Roberval Pereyr, Trazíbulo Henrique e Washington Queiroz nos cotizamos, e bancamos o custo industrial do livro, em regime de co-edição da Universidade Livre Editora, que o grupo criou, com a Editora Zarte, de Feira de Santana. Esses amigos me convenceram a deixar que juntos financiássemos Num Filtro de Barro”, explica.

O nome do livro surgiu depois de um momento entre amigos, seguindo tal qual a proposta do lançamento desta obra. Houve uma tempestade de ideias enquanto Wilson estava reunido com o poeta Roberval Peryr e o poeta Trazíbulo Henrique e Silvana (namorada de Cremildo) na Chácara do poeta Cremildo Souza. “Escolhemos alguns nomes e submetemos à votação. O que motivou a escolha foi a empatia que o nome gerou”, descreve.

Ao retornar para casa, Wilson submeteu os nomes escolhidos à votação de dois filhos e da esposa, todos foram unânimes com Num Filtro de Barro. “O curioso foi eu perguntar depois a Roberval, que sugerira o nome, de onde ele o tirara. É um verso de um poema! (Fragmento de uma carta, p.110 do livro) Eu nem lembrava!”, comenta aos risos o poeta.

Os poemas presentes no livro abordam as fases do processo interno de uma pessoa com o perfil do autor. “Trata-se de poemas inspirados em meio a processos existenciais vividos de forma bem solitária em meio ao meu dia a dia de funcionário público, professor, amante, amigo, atleta, músico, preto, pobre, anônimo, com um senso de justiça muito aguçado e inspirado pelo Pedro, discípulo de Cristo, antes da conversão dele”, explica.

Wilson argumenta que a indignação do discípulo Pedro vez ou outra o acomete, instigando-o a realizar o mesmo que samurais e celtas faziam, entrar na luta com toda a alma porque o fundamental era lutar. “Mas sou, no fundo, um admirador de Dom Quixote. Ainda acredito na possibilidade da democracia, da justiça. Tanto que o maior prejuízo que a estupidez queria nos dar recentemente, era a destruição do nosso STF. O sentido de uma corte Suprema é tão simbólico pra a nossa Democracia! Também descobri que o amor aos inimigos que o cristianismo prega está longe de mim. Aprendi com o Pequeno Príncipe, que os baobás, quando crescem, são grandes como igrejas. Por isso devem ser arrancados pelas raízes, logo que identificados”, complementa o poeta.

SER é fundamental

Natural de Serrinha/Ba e radicado em Feira de Santana onde escreve e publica seus versos desde os 17 anos, Wilson Pereira de Jesus é membro co-fundador da Revista Hera. Mas só agora, em 2023, publica o seu primeiro livro.

Mistério, canção, movimento, enigma, sonhos, existir, são palavras que, aqui e ali, integram ou são os próprios títulos de alguns poemas, que oferecem pistas sobre o autor indefinido.

Para Wilson os poemas foram construídos, e ficaram registrados, guardados, naturalmente, como se guarda uma fotografia, ou um livro, ou uma carta de pessoa amiga. “Um dia foram redescobertos, e a mensagem deles fez sentido. Um poema é como uma pessoa quando nasce: traz em si uma fotografia do Universo naquele momento”, é assim que ele descreve a contribuição da sua vida para obra.

“Por que, solidão; não queres viver para mim, dentro do meu coração?”, estes foram os primeiros versos do autor.

“Eu devia ter uns 12 ou 13 anos. Aqui o sentido da solidão já despontava. A nossa singularidade nos torna únicos! A perda de qualquer um de nós é um prejuízo inestimável”, relembra.

A inspiração para escrever os poemas surge de um mergulho em um estado de espírito que o fazia produzir, e com o tempo começou a desconfiar disso como um tipo de vício de comportamento. “O que me inspira? Tudo, desde que ocorra numa conjunção determinada. Um gesto, um semblante, um som de voz humana, uma certa frequência que emana da pessoa. Um estar aberto, em silêncio. É difícil a gente silenciar internamente”, detalha Wilson.

“Há um certo estado, não previsível, que nos conecta com o fazer criativo. E esse fazer pode ser palavra escrita, pode ser melodias singelas”, comenta o autor que tem nos poemas algo tão singular quanto qualquer um dos quase oito bilhões de humanos que vivem na Terra, de acordo com o autor, de forma desgraçada, do ponto de vista espiritual e desgraçada do ponto de vista material.

“Penso que sob o sol no nosso planeta, os paradoxos tornam a nossa vida um grande desconforto. A gente olha para o espelho, um mentiroso; atende o telefone, um angustiado; sai na rua, um monte de sucatas lhe dando bom dia! E isso é obra desse animal que a si chama homem! Não é obra de um deus ou de um diabo! É obra desse ser que se faz homem, que é um ente com um potencial imenso e que não escapa de viver o mito de Sísifo. Somos uma espécie vítima de si mesma! Ou a gente se decifra, se conhece, ou se devora. O autoconhecimento vai nos livrar da autodestruição”.

Com carinho, Wilson guarda na memória uma entrevista que assistiu na década de 1980, sobre um pintor que tinha chegado ao Brasil com cinco anos, ouvindo algo que jamais esqueceu.

“‘Quando você ama verdadeiramente alguém, tudo fica bem’. Penso que é da natureza do amor esse estado de bem-estar que contagia. Quando o entrevistador perguntou a ele se a pintura era tudo, ele respondeu: ‘Ser é fundamental. Pintura é consequência’”, relata.

Para Wilson, SER é fundamental. Poesia é consequência.

Lançamento do Livro NUM FILTRO DE BARRO, do poeta Wilson Pereira de Jesus / Participação da Camerata Ateneu Musical / Hoje, 19h / Pátio do Cinema do Museu - Corredor da Vitória

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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