MÚSICA
Adriana Calcanhotto: de olho no tempo
Autoral e inédito, Errante, novo disco da cantora e compositora tem arranjos polirrítmicos com base no samba
Por Eugênio Afonso
Sem fazer concessões ou flertar com os ritmos que estão dominando o atual mercado brasileiro de música – rap, funk, piseiro, sertanejo e pagode –, a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto, 57, acaba de lançar Errante, seu mais novo disco de estúdio, já disponível nas mais importantes plataformas virtuais de música.
A consagrada cantora segue fiel ao seu estilo sofisticado. Com voz mansa e suave, canta como se declamasse, e sob uma mesma base musical, abusa de ritmos bem nacionais, como samba, chorinho, modinha, bossa nova, xote, maxixe, além de camadas de rock e samba reagge.
“As canções de Errante são de safras diferentes, de um período que vai de 2016 a 2021, quando compus as últimas. Quando lancei o Só, em 2020, com canções relativas à pandemia, já tinha grande parte delas. Ele é circundado por questões de identidade, errância e passagem do tempo”, conta Calcanhotto.
Segundo a compositora gaúcha, algumas músicas foram construídas mais facilmente do que outras, sendo que a grande maioria foi escrita na estrada.
“Talvez por isso mesmo se refiram à vida na estrada de alguma maneira mais ou menos explícita. Não tive, como nas outras vezes, uma ideia do disco antes de fazê-lo. Precisei gravar antes e conviver com ele um pouco para entender o que ele era”, acrescenta.
Letra e música
São 11 composições inéditas – Prova dos Nove, Larga Tudo, Quem te Disse, Levou Para o Samba a Minha Fantasia, Era Isso o Amor, Lovely (única em inglês), Jamais Admitirei, Reticências, Pra lhe Dizer, Horário de Verão, Nômade –, com letra e música da própria artista.
“Todas as músicas são minhas, sem parceria. Foi o fato de ter um pacote de canções minhas que me fez ir para o estúdio registrá-las, porque nunca aconteceu antes de eu ter tanto material autoral inédito”, detalha a compositora.
O álbum é marcado pela batida cadenciada e alegre do samba, apesar de algumas canções terem um tom bem melancólico, e ao contrário de Só – bem mais intimista –, Errante quer, desde o título, sair por aí, andar sem destino.
No rock romântico Era Isso o Amor, construído sobre o violão de samba da cantora, Adriana questiona: ‘Era isso o amor? / Era isso? / Arder, arder, queimar / Consumindo-se em seu umbigo? / Era isso o amor? / Será possível serem amado e amador / Só combustível / Vai / Vai sentir minha falta / Vai notar as noites rodando tontas para trás’. Ao lado do xote Pra lhe Dizer, Era Isto... é uma das faixas mais saborosas do disco.
E como poucos de sua geração, Adriana tem caminhado na contramão da maioria dos artistas brasileiros, que costumam atender aos apelos do mercado fonográfico e gravar o que parece determinado ao sucesso, não importando o ritmo.
“Não costumo fazer estratégias para me manter no mercado, apenas vou fazendo meu trabalho conforme meu desejo, o que acho muito importante, fazer as coisas quando tenho vontade de fazê-las dando tudo de mim. Só sei trabalhar assim”, informa a cantora gaúcha.
Gal, presente!
Pronta para estrear Gal: Coisas Sagradas Permanecem, show em homenagem à musa Gal Costa (morta em novembro do ano passado), que aporta na Concha Acústica do TCA, dia 16 de maio, Calcanhotto diz que, atualmente, só tem ouvido o repertório da cantora baiana. “No momento, escuto Gal da manhã à noite. Mergulhada no universo dela, no repertório, na ousadia e na doçura. Amava muito”, conta.
Com mais de 30 anos de estrada, a cantora garante que sua música quer entrar no coração das pessoas e que as experimentações e o constante flerte com a poesia e as artes plásticas – sobretudo da semana de 22 e do performático Hélio Oiticica – têm feito bem à sua carreira.
“Elas rendem reflexão e conhecimento, adoro pensar e fazer ligações de outros artistas e linguagens com a música. Esses artistas me inspiram”. E diz ainda que, apesar de considerar importante, tem se distanciado como pode da crítica. “Costumo manter distância regulamentar tanto das críticas quanto dos elogios. Esse ensinamento vai dos estoicos aos budistas e acredito nele, faz sentido pra mim”.
Se vai ter disco físico de Errante, Adriana diz que esta não é uma deliberação sua. “Essa decisão é da gravadora (Modern Recordings) e muda em cada país, em alguns vai ter o disco físico, em CD ou vinil, em alguns talvez tenha os dois”, finaliza a cantora.
Gravado entre novembro e dezembro de 2021 no Rio de Janeiro, Errante conta com o auxílio luxuoso dos músicos Alberto Continentino (baixo, piano e lira), Davi Moraes (guitarra e violão), Diogo Gomes (trompete), e Domenico Lancellotti (bateria e percussão), Jorge Continentino (saxofone) e Marlon Sette (trombone), além da própria Adriana Calcanhotto (voz e violão).
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