CADERNO 2
Álbum de Tertuliana Lustosa explora alter ego da artista
Lançamento nas plataformas digitais do álbum Sertransneja está marcado para o dia 20 de maio
Por Júlia Lobo*
Conhecida pelo trabalho musical à frente da A Travestis, com foco no pagodão baiano, a cantora e compositora Tertuliana Lustosa traz outra faceta sua em primeiro disco e álbum visual. Nomeado Sertransneja, o novo projeto mistura ritmos nordestinos, como piseiro, arrocha e baião, aos beats eletrônicos.
Com data de lançamento nas plataformas digitais para o dia 20 de maio, Sertransneja explora diferentes temáticas. Nas seis faixas que compõem o disco, a sonoridade de cada uma acompanha as letras, que abordam desde questões pessoais da artista como mulher trans a momentos de curtição e sofrência, característicos do sertanejo universitário.
Em Amor Encubado, única música do álbum já disponível, acontece a união dos dois temas. A canção foi lançada em 2020 com recursos próprios da cantora, e se tornou o ponta pé para investir em um álbum completo e com videoclipes, agora através do Natura Musical, edital que patrocina iniciativas culturais.
Ao som do arrocha, Tertuliana canta sobre as dores de uma relação amorosa não assumida.
“Os ritmos estão diretamente relacionados aos sentimentos das músicas. As canções de piseiro são mais animadas, elas falam de outras temáticas, de beber, da vida de uma vaqueira que foi pra cidade e se apaixonou, mas teve que voltar para a vaquejada, então elas trazem esses outros discursos”, diz Lustosa.
Outro exemplo de composição afetiva e melancólica é Saudade da Minha Avó. A faixa, conduzida por violão e sanfona, fala sobre a relação com a terra natal, no interior do Piauí, e a família que ficou por lá, como a avó materna. Hoje a cantora mora em Salvador com a mãe, Márcia Lustosa.
Longe do Nordeste…
Antes de chegar na Bahia, no entanto, Tertuliana estava no Rio de Janeiro, onde surgiu a ideia do Sertransneja.
Na época, em 2016, cursava História da Arte na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e desenvolveu um projeto de pesquisa junto ao Coletivo Xica Manicongo, nome da primeira travesti reconhecida no Brasil.
“A palavra ‘sertransneja’ é um neologismo. Eu estava em um coletivo de mulheres trans, nordestinas, que traziam através da cultura da literatura de cordel, ou seja, da xilogravura e poesia de cordel, esse conceito que buscava um cruzamento entre gênero e territorialidade”, explica a cantora.
A pesquisa realizada por Tertuliana se transformou no atual projeto musical quando trouxe os elementos da cultura popular nordestina para dentro dele. As falas afirmativas sobre gênero e sexualidade presentes nas músicas do álbum constroem uma discussão com a região onde nasceu.
Para aproximar o público da temática, a artista também estreou em fevereiro deste ano o audiobook Morte e Vida Sertransneja, disponível no YouTube. O título faz referência ao livro de poema regionalista Morte e Vida Severina, do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto.
Em nove minutos de vídeo, ao invés de tratar da história de um retirante do Nordeste que foge da seca e da morte como o autor, ela faz um paralelo com a própria trajetória, de forma contemporânea, como quem precisou fugir da discriminação para viver a transgeneridade.
… próxima de si
Com a recepção positiva desta nova face por quem acompanha seu trabalho, já com o single Amor Encubado e o audiobook divulgados, Tertuliana acredita que Sertransneja traz uma nova forma de comunicação com o público. As seis faixas do álbum são acompanhadas de videoclipes e um curta-metragem com todas juntas.
Além disso, cada canção é representada por uma cor na estética audiovisual, coordenada pela fotógrafa Mariana Ayumi, que se autodenomina ‘nipo nordestina’. A música que leva o mesmo nome do álbum, por exemplo, é apresentada pelo azul e reflete o mar, Iemanjá e o Porto da Barra. Sertransneja é uma das composições que marcam a identidade trans e nordestina a partir de sintetizadores de voz. A direção musical do álbum foi feita por Badsista, que produziu o disco de estreia da também cantora e compositora Linn da Quebrada.
“Cada faixa traz um universo, uma música é um piseiro misturado com rave e funk, outra é arrocha, tem MPB, mais voltada para o baião, e uma última voltada mais para o acústico, voz e violão, e em cada música ela traz essa sonoridade nordestina”, reitera a cantora, que explica a inspiração na MPB das misturas eletrônicas feitas por Lenine e Nação Zumbi.
A faixa Trava da Peste faz um jogo com a expressão ‘cabra da peste’. Inspirada no cangaço e no paredão vaqueiro, é exibida pela cor verde. Já em Amor Encubado, o amarelo predomina.
“Ele não é qualquer amor, não existe só um conceito de amor no vermelho que a gente idealiza, o encubado não tem esse tom, então a gente focou no amarelo, como sentimento das folhas do ipê que caem”, esclarece Tertuliana.
Ainda tem as músicas Não Foi Só Um Programa (rosa), Toma Toma Desce Desce (prata) e Saudade da Minha Avó (laranja). Com o lançamento do projeto neste mês de maio, a cantora pretende inserir as canções do Sertransneja nos shows com A Travestis. No entanto, o interesse principal é fazer apresentações direcionadas apenas ao disco, em teatros e saraus, locais que promovam eventos culturais que acredita representar a sua nova era.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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