CADERNO 2
Amaro Freitas retorna a Salvador para apresentar novo album 'Sankofa'
Pianista chega à capital baiana nesta quarta com trabalho bastante elogiado
Por Bruno Santana*
O jazz de Thelonious Monk, o frevo de Capiba, a experimentação de Hermeto Pascoal e o louvor dos cantos evangélicos: aí estão, em campos equidistantes da produção musical, quatro das influências mais importantes citadas por Amaro Freitas, pianista que é citado como um dos principais talentos da música brasileira. E quem estiver em Salvador nesta quarta-feira, 6, poderá conferir essa multifacetada confluência de inspirações ao vivo e a cores mais uma vez, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves.
Apresentando-se com o baixista Jean Elton e o baterista Hugo Medeiros — juntos, eles formam o grupo Amaro Freitas Trio desde 2015 —, o músico desembarca em Salvador para apresentar seu mais recente trabalho: o álbum Sankofa, lançado no ano passado e amplamente elogiado pela crítica de jazz nacional e internacional.
Com uma clara proposta de revisitar a ancestralidade do artista e acessar temas relacionados à cultura afro-indígena-brasileira, Sankofa produz uma viagem sônica por meio de faixas como Vila Bela, que homenageia a líder quilombola matogrossense Tereza de Benguela, e Baquaqua, sobre o príncipe africano capturado para trabalhar como escravo no Brasil e que, posteriormente, conseguiu sua liberdade fugindo para Nova York.
A faixa-título, por sua vez, faz referência ao símbolo gráfico do adinkra (alfabeto dos povos acã, da África Ocidental) representado por um pássaro que voa para a frente, mas com a cabeça olhando para trás.
Resgates
“Eu acho que minha música não é só jazz", afirma Amaro. "Tem também a música não rotulável, música experimental, influência dos ritmos afrobrasileiros", continua o músico. Ele nota que, embora o jazz tenha se tornado um gênero de nicho, cabe aos novos artistas deste universo trabalhar para a sua difusão e resgatar o seu caráter popular, de raízes negras e proletárias.
"No Brasil é um pouco difícil isso [popularizar o jazz]. Tem a ver com a forma com a política do nosso país, com a forma como trabalhamos a música, como essa música está vinculada à mídia… aqui no Brasil, essa música [o jazz] acaba sendo acessada por um público mais elitizado, e isso é uma construção. A partir do momento em que você começa a intelectualizar essa música, ela vai se tornando algo para poucas pessoas", observa.
Amaro cita o exemplo de duas lendas negras da música brasileira, Pixinguinha e Johnny Alf, que foram fortemente influenciados pelo jazz e, por sua vez, criaram fontes das quais beberam outros nomes de destaque do cenário nacional, como Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
"E quando essa galera é levada até o Carnegie Hall, nos Estados Unidos, são levados só os brancos. Existia uma imagem que o Brasil queria vender para o mundo, e o Brasil suga essa cultura — que vem do samba, do jazz. Os negros já vinham intelectualizando, de uma forma harmônica, essa estrutura do samba com a harmonia jazzística, e quem ganha toda a glória são os brancos", afirma Amaro.
O músico explica, por fim, que sua missão é levar seu trabalho a todos os contextos sociais possíveis.
"Eu sou negro, venho da periferia de Pernambuco, do Nordeste, da América Latina, da igreja evangélica periférica — que acontece de forma bem diferente da igreja evangélica da 'Zona Sul' — e eu carrego comigo essas bandeiras. Eu tento passar isso na minha imagem, na forma como eu produzo meu trabalho, na minha música, e eu tento conectar isso com o máximo de público possível, seja tocando em Nova York, em Berlim, em Salvador ou quando eu volto para Recife. Porque estamos falando de uma questão de autoestima, de acreditarmos naquilo que podemos ser. É um papel político", reivindica.
Letieres, presente
Quando questionado sobre seu processo criativo e sua capacidade de amalgamar referências tão distintas quanto as fontes nas quais costuma beber, Amaro preferiu citar um encontro específico: com o músico e educador soteropolitano Letieres Leite, fundador e maestro da Orquestra Rumpilezz que morreu em outubro último.
"Dentre todas essas inspirações — Thelonious Monk, John Coltrane, Abdullah Ibrahim, Moacir Santos, Naná Vasconcelos, Johnny Alf… —, eu acho que Letieres Leite é uma referência próxima, viva. Ele demonstra a possibilidade de vivermos da música", diz.
Amaro lamenta que seu período de convivência com Letieres tenha sido curto, mas festeja que tenha sido tão proveitoso: ambos já tocaram juntos, com acompanhamento da Orquestra Rumpilezz, e o baiano chegou inclusive a "emprestar" a orquestra para a realização de uma oficina musical liderada por Amaro.
"Existe uma galera que está fazendo boa música aqui no Brasil, que se conecta com o mundo, e eu vejo essas pessoas na rua. Eu vejo essas pessoas no passo do frevo. Letieres morava na Bahia, eu moro em Pernambuco. Existe essa noção de que você precisa se deslocar para onde está o dinheiro, mas existe também esse olhar de referência que me potencializou a acreditar que nós podemos trazer esse contexto social: ao mesmo tempo em que eu estou tocando algo que se conecta com o mundo, também estou trazendo minha referência local", nota.
De volta a Salvador
Amaro também está empolgado de poder, mais uma vez, apresentar o seu trabalho para uma plateia soteropolitana.
"Nós temos uma relação muito bonita com Salvador. Já tocamos no Festival Radioca [em 2019], junto com Tim Bernardes e Tiganá Santana, também no Teatro Castro Alves, e foi uma noite muito bonita, a recepção foi a mais acolhedora possível. Depois voltamos [no início de 2020] para encerrar a turnê do disco Rasif, na Sala do Coro, e enchemos a Sala do Coro, foi lindo o show e a troca do público. O TCA já virou meio que a nossa casa — não poderia ser em nenhum outro lugar", elogia, concluindo.
*Sob a supervisão do editor Chico Castro Jr.
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