CADERNO 2
Ao lado do filho, Benito de Paula faz show dos 80 anos no TCA
Benito: “Houve uma época em que não tinha samba, então ficamos sem a música popular brasileira”
Por João Paulo Barreto | Especial A TARDE
A noite desta sexta-feira, a partir das 21h, no Teatro Casto Alves (TCA), vai ser especial. Benito di Paula, junto ao filho, o também músico Rodrigo Vellozo, revisitará os maiores clássicos da carreira em show que comemora o aniversário de 80 anos, completados em 2021 - Benito 80.
Na prática, são 76 anos de carreira, pois aos 4 anos já dividia o palco ao lado do pai, José Vellozo. Mas na trajetória, o olhar para o futuro impera. "Eu não olho para trás porque temos que olhar para frente. Quem olha para frente, olha para o futuro", afirma o criador de diversas "batucadas de sorte" que definiram muito do moderno samba brasileiro.
Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, Benito e Rodrigo falam a respeito da emoção de voltar ao TCA, a percepção de uma carreira plena que alcança os 80 anos do artista, bem como abordam as experiências do autor, de clássicos, como Charlie Brown, Mulher Brasileira, Vai Ficar na Saudade, ao lado de nomes como Ella Fitzgerald e Luiz Gonzaga. De quebra, os dois também conversam sobre a criação do novo álbum com canções inéditas,
O Infalível Zen.
Há sempre um receio de soar clichê em uma pergunta acerca da trajetória de um artista tão importante para a música como você, que chega agora aos 80 anos de idade em uma carreira que quase tem a mesma quantidade de anos. Como é olhar para trás e perceber essa sensação plena de uma carreira tão prolífica e completa?
Benito - Eu não olho para trás porque temos que olhar para frente. Quem olha para frente olha para o futuro. Conseguimos sentir o que fizemos um tempo atrás, e disso eu me lembro com muito orgulho, e é uma felicidade muito grande porque o meu filho está comigo. Ele canta comigo desde os quatro anos de idade, assim como eu cantava com meu pai. Então, para rimar com idade, é sempre uma felicidade, é ou não é? Obrigado.
Você passou por diversas fases da música brasileira. Viu nascer movimentos. Artistas surgiram e partiram. Como é acompanhar essa evolução da nossa música que passou por diversas transformações?
Benito - Eu nunca andei com ninguém, mas vi muitos artistas maravilhosos. A música passou por momentos complicadíssimos, porque houve uma época em que não tinha samba, então ficamos sem a música popular brasileira. Ficou algo parecido com Nashville, nos Estados Unidos. Então, passamos por isso, mas vencemos, porque o samba, que é a música do povo brasileiro, é o que eu faço. É uma honra muito importante cantar para a quarta geração de amigos e famílias. Sou muito feliz por isso. É com isso que vamos para a frente.
Rodrigo, imagino que honrar a carreira de seu pai, compondo e gravando com ele, seja algo de extrema importância para você. Representar o futuro da mesma com o lançamento de O Infalível Zen foi algo que lhe causou alguma apreensão?
Rodrigo - A obra do meu pai tem uma importância fundamental na minha vida porque cresci com essas músicas. Costumo dizer que o repertório dele são minhas irmãs. São canções que me formaram não só como artista, mas até pessoalmente em uma importância que eu não sei verbalizar. São obras com as quais eu me relacionei de várias maneiras, primeiro como filho e depois como fã, vendo meu pai desde pequeno no palco, participando com ele, como a tradição da minha família onde todos os meus primos e tios são músicos, tocando junto e participando. Quando fomos fazer o disco, que na verdade era pra ter sido um disco do meu pai, eu iria cantar só a música que ele fez para minha filha. Ele pediu para eu cantar essa música. Mas o disco é um organismo vivo. Conforme você vai fazendo, ele vai se transformando. O disco e o meu pai foram me convidando a estar ali dentro, também, como artista, como filho. Então, acabamos fazendo, por acaso, um disco juntos. Foi um disco que aconteceu e resolvemos fazer a tempo de comemorar os 80 anos do meu pai.
Você compôs uma nova música para sua neta, Aurora, cujo nome, tanto dela quanto da canção, já representa muito dessa ideia de renovação. Como foi esse processo de mergulho na ideia de continuidade para criá-la?
Benito - Eu estava na sala quando fiz essa música e o meu filho chegou e falou que a minha neta estava nascendo. Perguntei como ela se chamaria e ele disse que seria Aurora. Ele gostou muito da música e então gravamos. Eu amo a minha neta tanto que eu nem sei. É demais, é demais. Só quem é avô mesmo é que sabe. E dizem que quem é avô é pai duas vezes. É uma felicidade muito grande, mesmo.
Devo confessar que tenho uma relação muito íntima com sua discografia, tendo herdado de meu pai quase toda ela em vinil e passado minha adolescência a ouvi-lo em viagens ao lado do meu velho, que faleceu em 2011. Vai ser bem impactante vê-lo no TCA. Para você, qual será a sensação de subir em um palco tão importante?
Benito - É uma honra saber que o seu pai, que Deus os tenha, passou pra você as músicas e o nome do Benito Di Paula. Isso não tem como agradecer. E digo a você que já fui em uma homenagem muito linda em que escreveram que eu sou o cantor da família brasileira. É uma honra grande tudo isso. Cantar no Teatro Castro Alves é muito emocionante. Todas as vezes em que eu estive lá, foi sempre incrível. Eu fico muito contente porque a casa já está com os ingressos quase esgotados. E também porque eu adoro a Bahia. Já fiz várias músicas para a Bahia.
Como foi o momento em que você apresentou a Ella Fitzgerald a canção Madalena, de Ivan Lins?
Benito - Você sabe de tudo! Eu cantava em um local na Bela Vista (bairro paulista) que eu mesmo montei. Um dia, a Ella Fitzgerald chegou e não queria cantar e nem fotografar. Apenas sentou em uma mesa. Eu fui e cantei Madalena. Ela me chamou para sentar à mesa e perguntou se eu cantaria essa música outra vez. Pedi licença ao pianista, sentei e cantei para ela. Então, ela me pediu a letra e eu dei. A música eu já havia pego, e ela tinha uma um ouvido que não era brincadeira (risos). Ela me perguntou se eu queria um autógrafo e eu disse que seria uma honra. Dei uma papel para ela assinar, ela assinou. É uma pena que eu não sei onde foi parar esse papel. Foram muito bons, também, os meus encontros com o Stevie Wonder, a Sarah Vaughan, o Arthur Moreira Lima. Outro que me deu uma emoção muito grande, mas muito grande mesmo, foi o Ravi Shankar. Agora, quem me honra muito, gostou de mim e gravamos juntos é o nosso querido rei do baião, Luiz Gonzaga. Esse não tem igual e nunca vai ter.
E esse processo de identificação com o professor Lua (Luiz Gonzaga) naquele período? Como se deu?
Benito - Eu gosto de Luiz Gonzaga desde criança. Vim a conhecê-lo já adulto, aqui em São Paulo. Na verdade, eu o conheci em Brasília, quando fui cantar por lá com outros artistas. Neste dia, fiquei no banheiro porque estava com vergonha de ficar no meio de tantos artistas. Quem também foi ensaiar no banheiro, porque o local não tinha camarim e para todos os lados tinha artistas, foi o Luiz Gonzaga. Foi uma alegria total. Passei a admirá-lo muito mais. Ele me perguntou o que eu estava fazendo ali. Respondi que estava esperando para vê-lo (risos). Depois disso, ficamos muito amigos. Muito mesmo. Eu ligava pra ele na época em que ele morava em Pernambuco. Sempre falei com ele e com o Grande Otelo. Mas Luiz Gonzaga é um marco da minha vida. Um dos marcos mais brasileiros de todos.
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