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CADERNO 2

Chico Bosco: “Esse governo é um retrocesso na nossa democracia"

Filósofo lança livro e participa de debate com Wilson Gomes

Por Eugênio Afonso

28/07/2022 - 7:00 h

Antes de mais nada, Francisco Bosco, 45, é filho de um ícone da MPB, o mineiro João Bosco. Além disso, é ensaísta, filósofo, escritor, colunista, letrista e um dos apresentadores do programa de TV Papo de Segunda (canal GNT). Chico, como é conhecido por muitos, tem quase uma dezena de livros escritos e está lançando, hoje, às 19h, na livraria LDM, do Shopping Bela Vista, sua mais nova obra: O Diálogo Possível: por uma reconstrução do debate público brasileiro (editora Todavia). O evento será acompanhado de bate-papo com o professor e cientista político Wilson Gomes e a jornalista e professora Malu Fontes.

Com o objetivo de iluminar um problema através do maior número de ângulos possível, Bosco tenta analisar o Brasil dos últimos anos. Um país que desaguou na eleição de um presidente avesso à democracia e, por consequência, na devastação do debate público, transformando adversários políticos em inimigos e a arena de discussões em um ringue de aloprados.

A ideia do autor, um profundo conhecedor de literatura, música, filosofia, psicanálise, teoria social e ciência política, é restaurar a possibilidade do debate e canalizar a energia transformadora para os alvos certos.

Quanto à encrenca política em que o Brasil se meteu, o escritor credita isso a um infeliz amálgama de interesses que elegeu Bolsonaro, diz que esse desgoverno é um retrocesso sem precedentes na história democrática do país e teme pelas eleições de outubro.

Via WhatsApp, Francisco Bosco conversou com A TARDE sobre literatura, política, eleições, debate público, cultura popular e a tese da lógica de grupo.

O que propõe seu livro? Fale um pouco dele.

Ele parte da premissa de que o debate público no Brasil está em estado de disfuncionalidade por duas razões. A primeira pela presença das lógicas de grupo, que ocorrem quando um sujeito faz um laço de identificação em torno de um valor qualquer. Pode ser uma religião, um time de futebol, uma ideologia ou um partido político. E as consequências disso são uma série de compensações narcísicas porque é reconfortante participar de um grupo que pensa da mesma maneira. Mas o custo social disso é muito grande, porque a atitude cognitiva do sujeito em relação à interpretação da realidade muda. Ele deixa de ter uma procura honesta da verdade e passa a reproduzir os interesses do grupo. Assim, o debate público não cumpre sua função porque todo mundo se mantém entrincheirado e as verdades do grupo vão se tornando dogmas. O outro é que as palavras que a gente tem para entender a nossa realidade social, palavras como direita, esquerda, centro, fascista, conservador, liberalismo, progressistas não vêm sendo usadas de acordo com os sentidos teóricos e históricos delas. Estão sendo usadas como armas contra adversários políticos e, em geral, como clichês. Então, eu quis chamar a atenção para esse fenômeno das lógicas de grupo como uma forma de tentar aumentar a consciência de seus custos sociais e desativar um pouco isso.

Você sugere uma reconstrução do debate público. De que maneira?

Por reconstrução não devemos entender que houve algum momento em que o debate público no Brasil cumpriu plenamente sua função. O que houve foi que o espaço público de alguns anos atrás reproduzia os mesmos filtros hierarquizantes e excludentes da sociedade brasileira. Ele era muito dominado por homens brancos de classes econômicas favorecidas. Disso, nós passamos para um novo espaço público cuja centralidade se dá nas redes sociais, que são muito mais democráticas. Então, como é que a gente transforma o debate público para que ele cumpra sua função? Não vai ter jeito, vai ter que ter algum tipo de regulação dessas novas mídias sem, entretanto, violar liberdade de expressão e outros direitos individuais. E é preciso criar uma consciência em relação ao caráter nocivo das lógicas de grupo.

Como lidar com a legião de imbecis que ganharam eco e voz com a internet?

Eu questiono essa frase do Humberto Eco. Ela tem um sabor de certa tradição conservadora liberal que sempre temeu os avanços da democracia. Esse temor não é infundado porque um avanço desmedido da democracia tende a se fazer às expensas de certos direitos individuais importantes e é também uma defesa de elites tradicionais que não querem abrir mão de uma melhor distribuição do poder político, já que uma efetiva inclusão de grupos subalternizados levaria a uma transformação social profunda. O valor fundamental da democracia é a soberania popular, a participação efetiva de toda a sociedade nos processos políticos. O que a gente precisa garantir é que a legião de cidadãos que foram incluídos no debate, a partir das redes sociais, possa ser melhor informada.

No livro, você diz que a degradação do debate público é mais afetiva do que racional. Dá pra destrinchar isso?

Essa degradação está muito relacionada à formação de lógicas de grupo. Elas mobilizam recompensas narcísicas. A gente faz parte de um grupo para ter os prazeres ligados ao pertencimento. É muito bom torcer para um mesmo time, acreditar em um mesmo Deus e seguir os mesmos preceitos. Tudo isso faz com que você seja mais acolhido. E esse é um comportamento de natureza afetiva, inconsciente, narcísica. Estamos lidando com um adversário que é mais forte do que a racionalidade. Isso é uma lição freudiana básica, de que a vida racional pode pouco em relação à vida afetiva.

O que seria uma moralidade comum de cidadania e qual a importância dela para a população?

Isso é muito importante porque seria o sinal mais robusto de uma verdadeira social democracia, inclusiva, com cidadania universal, desigualdades reduzidas. O fundamental para isso são os serviços públicos, que eles não sejam apenas voltados para as parcelas mais pobres da população. Apesar de ter constituído uma rede de seguridade social múltipla, temos sistema privado também, que é sempre superior na qualidade dos serviços, à exceção das universidades. Você cria duas sociedades muito diferentes, e como os ricos não usam o serviço público, a gente perde um instrumento de pressão fundamental para a melhoria desses serviços. Isso cria duas sociedades muito diferentes e apartadas uma da outra. Tudo seria evitado caso os serviços públicos fossem realmente universalizados. O Brasil está muito longe disso.

Você acredita que teremos eleições pacíficas e que conseguiremos passar a faixa presidencial?

Essa é a questão que aflige boa parte da sociedade brasileira. O presidente conseguiu capturar instituições decisivas para o funcionamento da democracia, o que inclui a transição de poder. Eu, particularmente, não acredito que teremos eleições pacíficas. Acho que o Bolsonaro está cumprindo um roteiro parecido com o de Trump nas últimas eleições, só que em um país que tem muito menos recurso de proteção democrática do que os Estados Unidos. Não é difícil imaginar um cenário em que Bolsonaro encoraje sua militância armada a ir para a rua contestar o resultado das eleições, e a gente não sabe como o exército vai atuar. Isso pode causar tumultos bastante graves, mas não acredito que as forças armadas apoiariam um golpe porque elas não têm apoio da maioria da população nem da comunidade internacional. Acho, sim, que teremos, felizmente, uma transição de governo no Brasil.

Por que há tantos brasileiros, mais de 30% do eleitorado, apoiando um ditador, um homem que defende a tortura? De onde saiu esse rebanho?

Bolsonaro foi eleito, originalmente, por um infeliz amálgama de interesses. Ele reuniu antipetistas, conservadores, ruralistas, empresários, liberais. Nunca deixa de ser estarrecedor que, depois desses quase quatro anos de desgoverno, ele ainda tenha 30%. Pessoas que são, sem dúvida alguma, responsáveis por uma degradação da vida brasileira. O que ajuda a explicar isso são as lógicas de grupo. O bolsonarismo é uma seita. Quando as pessoas chegam a esse nível de pertencimento grupal, sua própria autoimagem passa a se acoplar às ideias do grupo. Renunciar a essas ideias significaria uma espécie de morte simbólica. Outro fator, que exploro muito no livro, é a dinâmica de retroalimentação política. A oposição, muitas vezes, age de forma a dificultar que essas pessoas se afastem do bolsonarismo porque ela as ataca, as caricaturiza, as demoniza. Uma parte merece ser demonizada, mas uma outra não, poderia ser resgatada e não é por estratégias, a meu ver, equivocadas.

Você identifica que há duas fraturas na identidade brasileira: a cultura popular e a democracia. Como você chegou a essa conclusão?

O problema da cultura popular é muito sério porque o Brasil é um país que nunca foi capaz de criar uma vida institucional que pudesse nos orgulhar. Desde a época da colônia, as instituições brasileiras sempre se desenvolveram sob a égide do que se chama modernização conservadora. A partir dos anos 30, a cultura popular se firma como a autoimagem do Brasil. O problema é que a sociedade brasileira nunca foi capaz de reproduzir os feitos que a cultura popular foi capaz de criar. Ela se afirmou completamente, mas foi muito criticada e corroída porque tinha a dimensão de dissolvência dos conflitos sociais brasileiros. Se não tivermos a capacidade de produzir um universal socioeconômico, na cultura ele vai ser sempre um objeto de crítica porque isso significaria uma cultura muito descolada da realidade socioeconômica do Brasil.

Qual o seu diagnóstico para o atual governo federal?

Não há governo, não há política pública para educação, saúde, cultura. Ele aumentou o gasto público de uma maneira muito ruim, voltado exclusivamente para o interesse eleitoral. De resto, um governo deve criar condições para que a sociedade consiga se desenvolver de forma sustentável. Enfim, esse governo é um crime contra a vida brasileira, contra qualquer projeto civilizatório brasileiro. É um retrocesso sem precedentes na história democrática do Brasil.

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