EM BUSCA DO SOM REAL
Documentário baiano segue a trilha da sanfona de 8 baixos
"No Rastro do Pé de Bode" foi rodado em seis cidades do sertão baiano
Por Tiago Freire*
O documentário baiano No rastro do pé de bode ganha exibição na TVE Bahia nesta sexta-feira (21), às 21h. Dirigido e roteirizado por Marcelo Rabelo, o filme mostra a história do sanfoneiro baiano Rato Branco, que, em conjunto com outros sanfoneiros do sertão do estado, buscam resgatar os segredos e toques tradicionais da sanfona de oito baixos.
A obra retrata a memória e a diversidade musical do sertão da Bahia, mais precisamente nos municípios de Canudos, Cansanção, Cipó, Curaçá, Euclides da Cunha e Monte Santo, onde foram gravadas as cenas do filme.
Além de Rato Branco, o documentário conta com a participação de outros sanfoneiros do sertão, como Justino das 8 Baixos, Cobrinha, Celso de Caetano, Zezinho Nicolau, Manezinho Calumbi e Dindinho dos 8 Baixos.
O documentário destaca ainda a história da sanfona de 8 baixos. Também conhecida por Pé de Bode, ela é diferente das outras, pois abre com um som e fecha com outro (sanfona de voz trocada) e, ao invés de teclados, possui botões.
É um instrumento complexo e poucos músicos conseguem aprender a tocá-lo, em função da sua riqueza harmônica e de notas.
Realizado pela Associação Sociocultural Umbigada, com produção executiva de Eliana Mendes, a produção é resultado do Bahia na Tela, o maior edital de fomento à produção audiovisual para a televisão, a partir da parceria entre o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), via Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
Vamos documentar isso
Apesar de ser um documentário estreante, No Rastro do Pé de Bode é fruto de uma grande pesquisa que vinha desde os anos 1990 com o projeto Sons de Canudos. Foi em 2015 que o projeto do documentário passou a andar, por conta do que Marcelo Rabelo aponta como um momento de urgência.
“A ideia de realização do filme documentário surgiu em 2010, em decorrência de pesquisas iniciadas ainda nos anos 90 com o projeto Sons de Canudos. Com a urgência que o tema requer, isto devido ao domínio da Sanfona de 8 Baixos se restringir aos mais velhos, resolvemos em 2015 dar prosseguimento às pesquisas, elaborar o roteiro e dar uma forma ao projeto, e Rato Branco foi fundamental nesse processo”, relata Marcelo.
“Percebemos nesse momento que alguns dos Mestres identificados já haviam falecido ou estavam com problemas de saúde. Não tínhamos dúvida de que deveríamos fazer algo em torno do registro e salvaguarda deste instrumento e seus Mestres”, conta.
Rodado em 15 dias, viajando por seis cidades diferentes, Marcelo ressalta como todo o processo de filmagem trouxe a chance de ter uma vivência com diversos dos músicos e suas famílias, em uma experiência espontânea que é transbordada para o filme.
Porém, gravar em tantos lugares diferentes em também trouxe sua parcela de desafios mas que mesmo assim, não impediram a concretização do projeto.
“Como a maioria das pessoas reside na zona rural, a maior dificuldade era conciliar o tempo e rotina dos músicos com as gravações, como também a ambientação de toda a equipe em seus locais simples, mas ricos de amor e de muita cultura”, pontua o diretor.
“No povoado de Caetano, município de Cansanção, por exemplo, a sinergia foi tão grande entre todos que, ao final das gravações, ficamos todos emocionados com a partida, com o final daquele lindo dia. Na saída todos ficaram chorando de alegria e saudade. O povo sertanejo é de grande sensibilidade e cultiva um amor imenso em si”, conta.
Resgatando a Sanfona
Não apenas buscando contar a histórias dos sanfoneiros, No Rastro do Pé de Bode também busca ser uma mensagem de importância de preservação de um patrimônio imaterial, da sanfona de 8 baixos. O diretor ressalta como a falta de políticas públicas para a preservação da arte tem sido prejudicial.
“A sanfona de 8 baixos está desaparecendo no Nordeste brasileiro. Na Bahia vemos poucas pessoas tocando e, na sua grande maioria, pessoas idosas, Mestres com idade avançada. Por isso o tema da salvaguarda de nosso patrimônio imaterial se torna cada dia mais urgente”, alerta Rabelo,
“As pessoas não se dão conta que nossa memória, nossa tradição oral está desaparecendo. Precisamos dar visibilidade a nossa cultura popular, os Mestres precisam ser valorizados. Perceba que nas programações do São João o grande questionamento que se faz hoje é da ausência do ritmo do forró, que dirá da Sanfona de 8 Baixos, lamentável mesmo”, observa Marcelo.
Mesmo tendo consciência do risco que o estilo musical corre, o documentarista enfatiza que toda a ajuda na preservação dessa cultura é necessária e como a visibilidade de documentários e projetos como No Rastro do Pé de Bode representam uma chance não só de preservação, mas de valorização de uma cultura que forma parte da identidade baiana.
“Ao cuidarmos do patrimônio, damos identidade aos locais de origem, damos pertencimento e vida às pessoas. A cultura é a maior identidade de nosso povo, além de gerar emprego e renda”, afirma.
“Mas o que vemos hoje é que estas pessoas não estão sendo valorizadas o quanto merecem, uma arte tão rica, transmitida de pai para filho. Preservar os aspectos culturais de um povo é manter viva a sua identidade”, conclui Marcelo.
“No Rastro do Pé de Bode” / Dir.: Marcelo Rabelo / Sexta-feira (21), 21h / TVE Bahia / Em breve no YouTube
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes