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CADERNO 2

'Maldita seja' estreia temporada no Teatro do Sesi

Espetáculo traz retrato leve do patriarcado visto de uma cozinha

Lila Sousa*

Por Lila Sousa*

13/01/2023 - 5:30 h
Vivianne Laert e Veridiana Andrade vivem Cema e Nevinha no espetáculo Maldita Seja
Vivianne Laert e Veridiana Andrade vivem Cema e Nevinha no espetáculo Maldita Seja -

O palco do teatro Sesi Rio Vermelho recebe neste final de semana a estreia da temporada de Maldita Seja, peça que se desenvolve em torno de duas criadas, Cema, a mais velha, e Nevinha, a mais nova.

Com direção assinada por Hyago Matos, o espetáculo coloca em cena as atrizes Vivianne Laert (Cema) e Veridiana Andrade (Nevinha), personagens criados pelo dramaturgo Paulo Henrique Alcântara, que escreveu o texto especialmente para Hyago.

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Em cartaz por três finais de semana seguidos, a peça permitirá a plateia acompanhar as criadas atravessando a madrugada na cozinha do casarão onde moram, revirando o passado da família para a qual trabalham, durante o velório do patrão, figura influente em uma cidade do interior. Em um contexto que coloca as personagens em papel de subalternidade, a peça suscita reflexões de ordem social e permite discussões de fundo político, ao mesmo tempo que levanta questões sobre desigualdade social, opressão feminina e preconceito.

“A desigualdade social é a crítica central, o papel de subalternidade, exploração e opressão representado através de personagens que têm que fazer o máximo para garantir o mínimo, em oposição à pessoas abastadas que são alheias ao reais problemas sociais, enquanto vivem num universo de aparências, arrogância e futlidade”, descreve Hyago.

O diretor do espetáculo ressalta que outros temas ganham espaço na trama, como a homofobia. “Ela destrói relações e marca (literalmente) as vitimas da intolerância. Falamos também sobre a sororidade, que é o caminho do acolhimento, afeto e empatia encontrado pelas personagens para desviar das dificuldade que as assolam”.

O dramaturgo, Paulo Henrique Alcântara, relembra que ao longo das duas temporadas anteriores, o público reagiu com muitos risos e também com lágrimas. “As personagens, acredito, são capturadas pela humanidade de personagens complexas, multifacetadas em seus caracteres, mostrados, por vezes, em camadas profundas”, acredita.

Estas camadas são vistas através da jovialidade da criada Nevinha, que suscita risos. “Ela é leve e curiosa. Uma curiosidade para com os segredos da família e para com a vida. Nevinha ajuda a ofertar leveza para o público”. Como também, através da densidade dramática de Cema, uma personagem com frustrações, ressentimentos, uma mulher que depositou toda sua existência na subalternidade.

“Cema é um baú de histórias, um baú sólido e consistente, o qual Nevinha vai ajudando a abrir e dele tira traumas e desilusões da família para quem trabalha. O público pode ainda experienciar a vivacidade e o luto. Enquanto na sala de visitas a morte fez pouso, na cozinha a vida insiste em se manifestar, com sua força implacável”, pondera Paulo Henrique.

Trabaho & Amizade

Maldita Seja apresenta Cema tornando a cozinha seu porto seguro, mirante de onde muito viu e ouviu. Ela sempre se dedicou a servir, atenta aos chamados dos quartos, aos pedidos na mesa do jantar. Ao longo do enredo, enquanto o patrão é velado na sala de visitas, Cema permanece na cozinha, onde desfia seu rosário e conta, por insistência de Nevinha, histórias envolvendo a família do morto, relatos, por vezes, parecidos com as tramas das novelas de rádio que Nevinha tanto aprecia.

“Chamo Cema de personagem-presente. É aquele personagem desafiador e delicioso de construir e interpretar. Muito diferente de mim e de minhas vivências, é intrigante descobrir nossas semelhanças e torná-las tão vivas e verossímeis”, declara Vivianne Laert, atriz que interpreta a personagem.

Viviane descreve Cema como uma personagem muitas vezes engraçada, porém densa, profunda e sábia. “Foi a vida toda explorada por esses patrões que cuida e ama como se fossem sua própria família”, explica a atriz. Ela considera que Maldita Seja, através de Nevinha e Cema, faz uma homenagem as trabalhadoras domésticas brasileiras, “que cuidam das nossas casas, dos nossos filhos, para que possamos exercer outros trabalhos”.

Para Veridiana Andrade, atriz que interpreta Nevinha, a chegada da personagem em sua vida foi como um presente, com um texto que celebra o teatro, o retorno, a vida. “Foi uma linda surpresa. Foi o meu primeiro trabalho presencial na reabertura dos teatros após a fase mais crítica da pandemia ocasionada pelo Covid-19. Então, a alegria emanada pela personagem simbolizou para mim, também, uma forma de resistência, um verdadeiro ‘sim’ em prol da vida. Nevinha é divertida, alegre e me ensina muito com toda essa vivacidade”.

“Nevinha é feliz e ama a vida. Essas são, sem dúvidas, suas marcas registradas”, afirma Veridiana, que atribui a leveza da personagem à retirada do peso da situação. “Ela é atraente por ser alegre e animada. As pessoas geralmente saem da peça cumprimentando Nevinha como se cumprimentassem uma pessoa da própria família”, acrescenta.

Paulo Henrique Alcântara define como ponto alto da trama a relação de trabalho e amizade que se estabelece entre as duas mulheres, cúmplices no árduo trabalho de cuidar de um rico casarão no interior do nordeste brasileiro. “Elas dividem as agruras de uma labuta diária. Enquanto se mostram, em suas alegrias, saudades, anseios, esperanças e desesperanças, elas estabelecem um elo forte, baseado no afeto. Elas se parecem e se diferenciam”.

Paulo Henrique admite que Cema vive a sina de quem nasceu para servir, já Nevinha acredita que trabalhar servindo aos patrões é uma condição de vida que ela não quer manter, pois tem projetos de vida, quer dar saltos para o seu futuro. “Nevinha está por vir, na vida, em seus sonhos. Entre elas se fortalece um carinho que é a tônica da peça. São colegas de trabalho, mas também mestra e aprendiz, mãe e filha”, diz Paulo.

À medida em que as horas avançam, Nevinha escuta novos segredos, capítulos marcados por discórdias e dolorosas separações. Mas, para surpresa de Cema, o amanhecer vai trazer um acerto de contas com o seu próprio passado, após ser descoberto algo que vai mudar para sempre a vida da criada.

Desafios da direção

Hyago Matos, diretor do espetáculo, foi duplamente indicado em 2022 ao Prêmio Braskem de Teatro na categoria Revelação pela direção das peças Antígona e As Centenárias. A parceria artística entre dramaturgo, diretor e atrizes é antiga. Paulo Henrique Alcântara já dirigiu Vivianne Laert por duas vezes: em Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, em 2008, e em A Lira dos Vinte Anos, de Paulo César Coutinho, em 2016.

Professor da Escola de Teatro da UFBA, Paulo Henrique Alcântara escreveu e dirigiu a peça Sublime é a Noite, em 2017, para uma turma de formandos do curso de Interpretação Teatral, da qual faziam parte Hyago Matos e Veridiana Andrade.

O processo de criação é descrito por Paulo Henrique como rápido e intenso, em um texto que surgiu entre janeiro e março de 2022. “Em pleno verão baiano, me debrucei sobre uma história cujos principais elementos já me perseguiam, mas ainda não tinham adquirido forma dramática estruturada”.

O impulso para a escrita surgiu do pedido de indicação de Hyago Matos para sua montagem de formatura em direção teatral. “O texto não me ocorreu de imediato. Arrisquei sugerir a ele que dirigisse uma peça de minha autoria, sobre a qual ainda iria me debruçar. Contei a ele sobre a sinopse e ele me deu aval. Nenhuma obra nasce do zero. No caso de Maldita Seja foi o amálgama de cenas, situações e conflitos que sempre quis abordar, alguns deles centrados na relação entre criados e patrões, algo que sempre me atraiu dramaturgicamante”.

O dramaturgo afirma que a trama sofre influências, ainda que imperceptíveis, da literatura de Lya Luft, a qual revisitou no início do ano passado, pouco antes de escrever o texto. “Reli todos os seus romances. Lya aborda muito a família sufocada, em suas casas, por traumas, segredos, além da presença forte da mulher no protagonismo dos livros”.

Além de Lya Luft, Paulo Henrique recebeu ajuda por inspirações vindas do universo de Adélia Prado, Adonias Filho e Federico Garcia Lorca. “Eles estão na peça, soprando ventos que ajudaram a abrir as janelas da minha imaginação. Durante a produção do texto, me ocorreram lembranças de histórias da minha família”, declara o artista.

“Venho de um matriarcado interiorano, com mulheres robustas e intensas em casa, no controle da família, na força da vida, enfim. Elas vieram soprar no meu ouvido e eu as escutei”, completa Paulo Henrique.

Hyago Matos conduz este trabalho através da leveza. “A vida já é dura demais pra pesar a mão num processo artístico. O processo de direção foi baseado em muito diálogo, debate acerca da importância e cuidado com os temas. Sou privilegiado de montar um texto escrito especialmente para esse projeto por Paulo Henrique Alcântara, que na minha opinião é um dos melhores e mais experientes dramaturgos que temos. Além de contar com Vivianne Laert e Veridiana Andrade no elenco, duas grandes atrizes que marcam diferentes geracões”, dizi.

Na técnica: Maurício Pedrosa (cenário) Guilherme Hunder (figurino) Otávio Correia (luz), Luciano Bahia (trilha), Júlia Laert (maquiagem), Bárbara Laís (contrarregra) e Clarissa Gonçalves (produção).

Espetáculo teatral Maldita Seja / Estreia hoje, 20h / Sessões em todas as sextas, sábados e domingos de janeiro / Teatro Sesi Rio Vermelho / R$ 40 e R$ 20 / Vendas: bilheteria do teatro ou Sympla

*Sob a supervisão do editor Chico Castro Jr.

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