CADERNO 2
'Men - Faces do Medo' discute abusos dos homens sobre as mulheres
Dirigido por Alex Garland, filme acrescenta camadas misteriosas e instigantes
Por Rafael Carvalho | Crítico de cinema
A premissa não é das mais originais: mulher, após a morte trágica do marido de quem pretendia se divorciar, vai passar um tempo em uma casa de campo um tanto isolada a fim de curar as cicatrizes. Sozinha em uma antiga propriedade alugada por um estranho senhor, ela passa a ser assediada e perseguida por um homem desconhecido, aparentemente um sem teto local.
Essa poderia ser uma história clássica de terror e perseguição sanguinária que aposta em sustos gratuitos, mas Men – Faces do Medo consegue acrescentar umas camadas muito mais misteriosas e instigantes, investigando certas nuances em torno da opressão social sobre a mulher. Não é de se surpreender um tratamento pouco convencional para tratar a questão, vindo de um cineasta como o inglês Alex Garland, diretor de ficções científicas no mínimo curiosas, como Ex-Machina – Instinto Artificial e Aniquilação – ambos filmes muitos disruptivos, mesmo dentro de seu gênero.
Nessa chave clássica, há de se pensar aqui nos slasher movies como subgênero do terror, em que um assassino persegue e mata suas vítimas (na maioria, mulheres), até sobrar uma única heroína no final (Halloween, do John Carpenter, sendo um grande exemplo). Mas em Men acontece o oposto. A vítima é uma só, assediada inicialmente por um homem desconhecido, mas que se transmuta em uma série de outras figuras masculinas que passam a cruzar o caminho de Harper (Jessie Buckley).
Mais do que isso, todos esses homens tem a mesma cara, a mesma feição (interpretados inclusive pelo mesmo ator, Rory Kinnear), ainda que com caracterizações diversas. Nesse sentido, o título e o subtítulo que o filme recebeu no Brasil fazem muito mais sentido, uma vez que o terror da personagem se ramifica através da presença nem sempre segura (por vezes ameaçadora, noutras apenas desconfortável) dos corpos masculinos.
O que seria inicialmente uma história de perseguição e morte, acaba ganhando outras nuances, acentuando sua face mais bizarra e misteriosa, enquanto buscamos entender o caminho seguido pelo filme até um desfecho que alcança o grotesco com espantosa naturalidade. Men consegue ser ao mesmo tempo amedrontador, uma vez que os riscos para Harper são cada vez mais reais, mas também estimulante, na medida em que não oferece respostas fáceis e está carregado de simbologias.
Culpa masculina
É fácil ler o filme como uma representação da opressão masculina sobre o feminino – o cinema de horror faz isso há bastante tempo de posse desse tema, apesar destas discussões estarem mais na ordem do dia nos últimos anos. Aqui há ainda um tratamento que é menos sociologizante e racional, e muito mais transcendental – bíblico ou mesmo místico – sobre a origem desse mal.
Não demora para que alguns simbolismos apontem para este caminho. O mais forte deles é a presença de uma macieira cheia de frutos no quintal da casa onde Harper se hospeda. Logo no início do filme, ela “rouba” uma maçã dali, no que é repreendida, de forma jocosa, pelo locatário. Ela irá se confrontar também com o padre local que, ao conhecer a sua história, passa a insinuar, vagamente, um traço de culpa da personagem sobre a morte do marido.
Aliás, esse trauma recente de Harper, as discussões com o seu esposo, revelam aos poucos a face opressora e tóxica dele, ganhando corpo dentro do filme em um debate sobre violência doméstica, confundida com “amor em excesso” – algo que ele cobra bastante dela. A personagem passa a ser assediada também por essas memórias e pelos diversos espectros do masculino que estão a seu redor.
No entanto, Men – Faces do Medo consegue reverter as coisas e mesmo a ideia da culpa católica a recair sobre as mulheres – como a Eva primitiva responsabilizada pela perdição de Adão e pela expulsão de ambos do paraíso –, a partir da maneira como Harper enfrenta e resolve, internamente, os seus conflitos psicológicos (antes de mais nada, eles representam um temor social que persegue as mulheres).
Falta ao desfecho do filme uma resposta mais firme da protagonista diante da situação que se lhe apresenta, cada vez mais bizarra, uma vez que Garland aposta em saídas que estão mais subentendidas ao fim da trama. Ainda assim, os contornos fantasiosos e grotescos do longa estão a serviço do debate sobre a opressão do homem – uma que renasce constantemente, sem um fim aparente em si mesmo – que pesa sobre a mulher.
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