CADERNO 2
Mostra de Cinema de Tiradentes volta ao modelo presencial
Três anos depois da última edição, evento volta a acontecer, simbolizando a retomada da cultura
Por João Paulo Barreto | Especial A TARDE
Três anos é muito tempo. Acrescente a esses trinta e seis meses uma pandemia juntamente a um governo negacionista e excludente. Além disso, dentro desse período, acostume-se com a ideia de que a política de situação cancela um Ministério da Cultura, encerra uma agência de fomento ao cinema e desconsidera o potencial dessa indústria lucrativa dentro de um país cuja riqueza cultural para o audiovisual é palpável. Sim, três anos é muito tempo. E com todos esses agravantes, atrasos e desmonte proposital, podem parecer três décadas.
Esse foi o período no qual, desde janeiro de 2020, a Mostra de Cinema de Tiradentes, tradicional evento que, esse ano, chega à sua 26ª edição (indo de amanhã ao dia 28 próximo), aconteceu, assim como todos os outros festivais conscientes dos riscos da Covid-19, de modo apenas online. Chegou a ser programada uma edição presencial para janeiro do ano passado, mas toda a empolgação em poder voltar ao Cine Tenda, às mostras ao ar livre na praça central da cidade, aos encontros cinéfilos e aos ricos debates promovidos pelo festival precisou ser contida diante a variante Omicron, que cancelou o evento.
Raquel Hallak, coordenadora geral da Mostra e CEO da Universo Produções, responsável pela organização, relembra em entrevista ao A TARDE a experiência traumática de 2022. "Nossa, é uma sensação que a gente pensa assim: 'Nossa, não é que é verdade? Vai acontecer!'", explica Raquel entre sorrisos. "É um pouco isso. Você faz esse panorama dos últimos três anos, e ano passado foi tão traumatizante. A gente estava com tudo pronto. A estrutura, os preparativos. E nos deparamos com esse cenário da variante omicron. Tivemos que desmontar tudo. Foi uma energia que, na verdade, a cada dia a gente toma um novo fôlego. Hoje, às vésperas de começar, é aquela sensação: 'Mas, gente, é isso mesmo? Está acontecendo?' Porque é um evento muito aguardado. Preparamos com tanto carinho já há tanto tempo. Desde setembro que estamos envolvidos com essa Mostra. É um momento histórico muito importante", pontua.
1º Fórum
Um dos curadores da Mostra, Francis Vogner dos Reis, aborda esse momento de voltar a Tiradentes trazendo uma leva de 134 filmes a serem exibidos; uma riquíssima seleção de filmes inéditos na Mostra Aurora; uma homenagem aos cineastas Ary Rosa e Glenda Nicácio (cuja carreira se construiu a partir da UFRB em Cachoeira), além do 1º Fórum de Tiradentes - Encontros pelo Audiovisual Brasileiro.
"A ideia do Fórum é chamar pessoas que sejam pesquisadores, cineastas, pessoas que fazem parte de entidades de classe, pessoas ligadas à restauração e à educação. Ou seja, você vai ter presente lá em diálogo muita gente que pensa e que faz cinema brasileiro nos seus mais variados setores. Na complexidade do campo que é o cinema brasileiro. E o Fórum é para pensar, de fato, o presente e o futuro a partir do que vimos nos últimos anos. A partir de experiências mais anteriores ainda dos outros governos que podemos conservar ou que precisamos superar ou redimensionar. Ou seja, vai se discutir políticas públicas. O futuro do ponto de vista material e político do cinema", explica Vogner.
Para Raquel Hallak, o foco principal do Fórum é salientar a necessidade de diálogo visando uma reconstrução. "O que eu vejo de necessidade primordial chama-se vontade política de fazer. Isso em todos os âmbitos. No município, no estado e em âmbito federal. E eu acho que da nossa parte do setor audiovisual, o desejo é de trabalhar para somar e para que isso seja possível. Eu acho que não é fácil recriar um Ministério da Cultura. E por isso que a ideia de realizar o Fórum é, pra gente, também ganhar tempo . Porque quando já chega um documento oficial legitimado para o setor, você não precisa ficar inventando muito a roda. Está ali. Agora, é a forma como a gente vai conseguir fazer isso. Eu acho que o diálogo e a proximidade do MinC com a Ancine vai ser muito importante", pontua a coordenadora geral da Mostra.
Mutirão e homenagem
Um dos principais pontos de reconstrução da indústria do audiovisual brasileiro após os quatro anos de desmonte do último governo, com ausência do Ministério da Cultura e da Ancine, é a percepção de que o cinema brasileiro tem forças para continuar existindo.
A simbologia do tema da Mostra Tiradentes 2023 dentro do Cinema Mutirão vem denotar isso. "É um momento histórico muito importante. Porque retoma o formato presencial da mostra nessa expectativa do encontro, da troca, apresentando uma seleção de filmes diferenciada. Porque são filme que foram feitos em um cenário ainda pandêmico. Filmes que foram feitos em uma ausência de políticas públicas no Brasil. Então, o tema do evento "Cinema Mutirão" representa exatamente essa força que o Cinema tem. Desse gesto coletivo de, mesmo dentro de todas as adversidades, o Cinema continuou e continua", comemora Raquel.
Francis Vogner frisa que a homenagem a Ary Rosa e Glenda Nicácio, cineastas que, apesar de mineiros, possuem uma formação advinda do Recôncavo baiano, pontua exatamente a valorização de um cinema feito em conjunto, dentro dessa ideia de mutirão. "Voltar com eles na homenagem desse ano é importante. O tema é Cinema Mutirão e, em alguma medida, eles são um caso exemplar disso. Um caso exemplar de muita coisa. São dois cineastas que nasceram em Minas, mas que se fizeram lá em Cachoeira, na Bahia, por causa de uma universidade pública fundada no governo Lula. Um novo curso de cinema que mostra o deslocamento, também, de pólos de produção cinematográfica e criativos para outros lugares que não é mais a região Sudeste, como foi os anos 1990, por exemplo. Ary e Glenda são filhos disso. Eu acredito que homenageados esse ano, eles são um caso exemplar do que é o cinema brasileiro e como ele se faz na sua resiliência. Mas eu acho que, também, é um farol do futuro", finaliza.
*O jornalista viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes.
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