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Natasha Lyonne retorna com novos episódios da série Boneca Russa
Na primeira temporada conhecemos Nadia Vulvokov, que fica presa em seu 36º aniversário
Por João Gabriel Veiga*
O que é o tempo? Um físico poderia te dar uma resposta: a grandeza física diretamente associada ao correto sequenciamento, mediante ordem de ocorrência, dos eventos naturais. Para um filósofo, o tempo pode ser a forma que os seres humanos compreendem e organizam sua experiência no mundo. Porém, como filosofia e física são galhos da mesma figueira, foi Albert Einstein quem o definiu de uma maneira ideal para a série Boneca Russa, cuja 2ª temporada estreiou recentemente na Netflix: “A diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão”.
Com uma ilustre primeira temporada lançada em 2019 pela Netflix, a primeira leva de episódios acompanhou a trajetória de Nadia Vulvokov, uma mulher que fica presa em seu 36º aniversário e precisa revivê-lo ad eternum. A série expandiu o template do filme O Feitiço do Tempo (The Groundhog Day, 1992) para explorar os sentimentos de culpa e a necessidade da protagonista de mudar para melhor – e tudo em uma deliciosa comédia de humor negro.
A nova temporada muda a dinâmica da batalha contra o tempo, dando à audiência um novo quebra-cabeça para solucionar. Às vesperas de seu aniversário de 40 anos, Nadia parece mais ajustada à vida, presente na vida de seus amigos e sua tia Ruthie, mas ainda assim mantendo seu charme caótico. No entanto, quando ela entra em um metrô para sua festa, algo misterioso acontece e seu destino final é em 1982 – quando sua mãe estava grávida dela. É possível dizer que Boneca Russa resolveu levar seu título a um novo patamar dessa vez.
Se a primeira temporada forçava sua anti-heroína a viver e viver e viver o mesmo dia incansavelmente para que ela lidasse com a realidade que estava em sua frente, a segunda temporada faz uma armadilha para que Nadia faça pazes com o passado e com os erros de sua mãe, Lenora, que lhe teriam proporcionado uma infância traumática. No entanto, se colocar no lugar (nesse caso, literalmente, já que a mente de Nadia habita o corpo da mãe nas viagens no tempo) da mulher que a criou é naturalmente um processo difícil e doloroso demais.
O narcisismo de Nadia, um dos pontos centrais de primeira temporada, é colocado em jogo aqui, já que essa nova leva de episódios a coloca para viver através de várias pessoas ao longo da temporada.
O que se inicia para a anti-heroína como uma busca por um tesouro perdido da família se torna num piscar de olhos em uma forma dela conhecer um outro lado das mulheres com quem cresceu — e como parte de tíquete de ouro, lidar com as feridas da família, as que tangem Nadia ou não.
Enquanto isso, do outro lado de Manhattan, está Charlie, co-protagonista de Boneca Russa e ligado metafisicamente a Nadia. O rapaz também embarca em um vagão misterioso que o leva também em 1982, à Alemanha Ocidental e ao corpo de sua avó, que se envolve em um plano de estudantes que querem cruzar o Muro de Berlim. Entre confusões, ele precisa descobrir como impedir que aqueles jovens cometam um possível grande erro – se é que ele tem poder para isso.
Diamante louco
Para Boneca Russa, o tempo não é exatamente linear, mas um novelo de lã: perpetuamente bagunçado, com voltas e mais voltas em uma espiral impossível de desenrolar.
Passado e presente são tempos verbais que estão sempre transbordando um no outro, e dessa mistura sai o futuro: o imprevisível futuro, ora milagroso, ora uma ruína. Ou talvez ambos, a depender de onde você olhe.
O futuro ainda é algo muito misterioso e volátil, então a preocupação de Boneca Russa está na convergência entre presente e passado – ou melhor, passados. Para Nadia, o passado é algo que precisa ser consertado. O presente é bom, onde ela tem controle de suas ações, é feliz, tem amigos e um ótimo emprego, mas não há nada de bom no passado. Quebra os vidros do retrovisor, pois não vale a pena ver o que já passou. O passado é um machucado, e coçar a ferida dói.
Ela ressente seu passado e o passado da mãe, que a teria tornado quem ela é. Quando ela ganha a oportunidade de consertar o que sempre esteve fora de seu alcance, Nadia agarra essa oportunidade com tudo que tem. Porém se, inicialmente, isso parece algo inofensivo, até mesmo benéfico, essa ilusão não dura muito. Basta um conhecimento básico de histórias de viagem no tempo para saber que isso é uma bola de neve que só vai crescer e crescer.
A questão do passado é: seja lá o que for, o que está feito está feito. Todos temos um momento de “e se…?”, com o qual deitamos à noite em nossas camas confabulando como tudo seria diferente caso algo tivesse sido diferente. Caso se tivesse apostado em um número diferente na lotérica.
Se tivesse olhado para os dois lados antes de atravessar a rua. Mas o que está feito está feito. Não há espaço para olhar para trás com raiva ou pesar por muito tempo, é preciso dar um passo após o outro — esse imperceptível passo-a-passo que nos leva pouco a pouco a algum lugar é o presente.
Essas questões – metafísicas, filosóficas, psicológicas, íntimas – são trabalhadas de forma brilhante ao longo de sete curtos porém deliciosos episódios. Escrita pela atriz principal Natasha Lyonne (um poço infinito de carisma) e Alex Buono, a segunda temporada faz uma análise menos do conceito científico do tempo e mais do peso que o tempo tem sobre nós.
É uma história engraçada, emocionante e, acima de tudo surreal. Além de reflexiva, também é ágil, enérgica. Boneca Russa leva o público para cenários improváveis, provando que o absurdo está sim na cartela de possibilidades.
O futuro é um cubo-mágico não-solucionado, uma caixa de Pandora pedindo para ser aberta. Não está certo ainda se haverá uma terceira temporada, mas se a desordeira Nadia reluz como o Sol, seu louco diamante sempre irá brilhar.
Boneca Russa (Russian Doll) / Criação: Natasha Lyonne, Amy Poehler, Leslye Headland / Com Natasha Lyonne, Charlie Barnett, Greta Lee, Elizabeth Ashley, Rebecca Henderson e Chloë Sevigny / Duas temporadas disponíveis na Netflix
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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