EXCLUSIVA
O museu da nossa gente
Ilê Aiyê faz residência de um mês no MAM, a partir do dia 13, com oficinas e show no Pátio do Solae
Por Elis Freire*
Ilê Aiyê faz residência artística no MAM a partir do dia 13 de junho. Com 50 anos de criação, o bloco afro ocupa um museu pela primeira vez.
Pioneiro e revolucionário, o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro baiano, sempre atuou para além do carnaval, com ações de educação e projetos sociais de empoderamento do povo negro, durante 50 anos de muita história.
Reforçando seu pioneirismo, o bloco realiza, a partir do dia 13 deste mês, uma residência artística no Museu de Arte Moderna da Bahia, com oficinas, apresentações e bate-papos gratuitos.
O momento é simbólico para o Ilê, para o MAM e para a Bahia. O público do museu, os integrantes do bloco, artistas plásticos e crianças dos projetos sociais estarão reunidos para um mergulho na história, indumentária e música do Ilê Aiyê, bloco fundado no Curuzu, no bairro da Liberdade.
Com o mote da formação cultural, a residência incentiva a ocupação do espaço cultural do MAM, localizado no epicentro de Salvador, na Avenida Contorno.
“O nosso interesse é manter esse diálogo com a comunidade, com os projetos sociais, trabalhar o nosso acervo de uma forma que ele dialogue também com esses movimentos. A ideia é que a partir do momento que um saia entre outro, para que, a gente vai a gente vai dialogando e conhecendo outros trabalhos”, afirmou Marília Gil, produtora cultural que assumiu há poucos dias a direção do MAM.
“É muito gratificante participar da residência. O público do museu precisa se conscientizar mais: aprender que museu não é um espaço só de pessoas brancas, fazer mais eventos, mais exposições de artistas negros. E o povo de Salvador e as comunidades precisam visitar e conhecer o MAM!”, completou o Vovô do Ilê, fundador do bloco em 1974.
Com uma confluência de datas significativas, a residência se inicia com uma grande celebração conjunta. No dia 13 de junho, J. Cunha, artista plástico responsável pela identidade visual do Ilê e indumentária por 25 anos, estará comemorando 75 anos com uma participação, em uma oficina artística junto ao Ilê Aiyê.
J. Cunha está com a exposição de acesso gratuito intitulada Uanga, em cartaz no Casarão do MAM.
“A residência foi uma forma da gente trazer, aproximar o J. Cunha do Ilê de novo e dar visibilidade ao trabalho social que eles realizam há muitos anos, além de dar continuidade ao nosso projeto de residência que funciona como laboratório de atividades, com oficinas, bate papos”, afirma Marília Gil.
No dia seguinte, 14 de junho, o Vovô do Ilê, patrono do bloco, também completa mais um ano. Presidente do bloco afro desde a fundação, Antonio Carlos dos Santos Vovô trará para residência debates sobre a luta do povo baiano pela independência, que comemora o seu bicentenário no próximo dia 2 de julho.
Aprender com o Ilê
O Ilê é o quarto projeto a participar da residência artística promovida pelo museu. Com foco em coletivos artísticos periféricos de Salvador, a residência artística busca aproximar o museu da população baiana, dar visibilidade e promover trocas com o público. A residência funciona como um atelier aberto para o projeto artístico conduzir atividades, compartilhando seu processo criativo e trabalho.
A quarta edição do Programa de Residência ocupará o museu até o dia 1 de julho, com oficinas de dança, percussão e de trançado. A finalização será com um grande show do Ilê Aiyê no Pátio Pôr do Sol do Museu. Todas as atividades da residência são gratuitas e abertas ao público, assim como todas as exposições do Museu de Arte Moderna da Bahia.
“Vamos fazer oficinas de percussão, palestras, rodas de conversa com a comunidade, levar os percussionistas do ilê, dançarinos, outros artistas plásticos, componentes de outros blocos afros para discutir a história do ilê e também a independência da Bahia do 2 Julho”, detalha Antonio Carlos dos Santos Vovô.
Além disso, a residência terá a participação do grupo infantil do bloco, a Banda´Erê e das crianças da Escola Mãe Hilda do Ilê Aiyê. Os projetos atuam na formação educacional na história e valores africanos, além de Dança, Canto e Percussão. Os movimentos artísticos da comunidade da Gamboa, vizinha ao MAM, também serão convidados pelo bloco a participar.
“Nós começamos a fazer uma educação antirracista muito antes da Lei 10.639. A escola do Ilê já trabalhava a história negra nos nossos currículos, com temas carnavalescos e a poesia das músicas que falam do potencial do povo negro. Empoderamos o povo negro no resgate da autoestima: tudo que a gente tinha vergonha de ser, a música do Ilê nos invoca de uma forma positiva”, afirma Vovô.
“O ilê mudou a Bahia e o Brasil. O bloco afro, a resistência dos tambores, a música negra fez com o que negro ficasse mais consciente, mudou a estética, o comportamento. As pessoas negras hoje tem orgulho de sua cor. Mas eu quero ir muito mais além de esporte e carnaval. Por isso é muito importante essa formação, conscientizando os jovens negros e trazendo eles para perto”, completa o patrono.
Conhecendo o museu
O MAM conta com diversos espaços para exposição, oficinas e convivência. O museu apresenta três galerias, além do Casarão do MAM e o Acervo de Arte Popular.
No momento, o equipamento apresenta quatro exposições: A Conquista da Modernidade, de Agnaldo dos Santos, Uanga, de J.Cunha, Templo de Oxalá na Rubem Valentim e a Coleção de Arte Popular Lina Bo Bardi.
Com cinema de arte, exposições fixas e temporárias, aulas de Yoga e oficina de arte, o espaço tem se colocado com um museu vivo e pulsante. A reverência aos artistas baianos e a temática da arte negra têm ganhado espaço no museu, com a exposição Encruzilhada no ano passado e, agora, com Agnaldo dos Santos e J. Cunha, dois artistas negros baianos em exposições permanentes.
“O MAM tem cinco espaços abertos totalmente gratuitos para a população de Salvador. A gente ainda tem cinema, tem café e outras atividades no final de semana. É um espaço assim de uma diversidade incrível e a ideia é que a gente possa colher a diversidade aqui também” ressaltou a recém nomeada diretora. Marília foi responsável pela coordenação geral do museu por três anos.
A gestora pretende continuar realizando ações de impacto social no museu, além de manter a residência artística ativa, com grupos a cada três meses. “Receber o primeiro bloco afro da Bahia é uma grande alegria para o Ilê e para o MAM, na continuidade desse trabalho”, diz.
Com muita bagagem e história para contar, o bloco ocupa pela primeira vez um museu. Ilê Aiyê, nome de matriz africana iorubá que significa “nossa casa”, assume o MAM como sua casa temporária. De portas abertas.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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