CADERNO 2
Osmar Macedo, 100 anos de alegria
No Carnaval que marcará o retorno às ruas, celebraremos o centenário do homem que transformou a festa
Por Lila Sousa*
Salve o patriarca Osmar, o grande Noé, por tudo que é, sua vida, seu trio, sua arca!
Como compôs Moraes Moreira no cordel em homenagem a Osmar Macedo, Nosso Grande Noé, agora é hora de pagar um tributo a quem fez a obra, venceu e convenceu o mais cético, aquele que matou a cobra e mostrou o pau – o pau elétrico.
Em 2023 é celebrado o centenário do saudoso Osmar Macedo. Uma convergência entre o retorno do Carnaval, após dois anos devido à pandemia de COVID-19, e as comemorações em sua homenagem.
Nem todos conhecem as inovações na mecânica, metalúrgica e engenharia civil propostas por ‘Seu Osmar’, como era carinhosamente chamado pelos mais próximos. Mas há de se dizer que o homem, com alegria, entusiasmo e cabeça eclética, junto com Dodô em uma dupla elétrica, revolucionou não só a música baiana.
Nascido em 22 de março de 1923, Osmar Álvares de Macêdo, o soteropolitano mais conhecido por inventar o trio elétrico, fez muito mais do que alguns baianos possam imaginar. Ele mesmo dizia: “O negócio que criei com meu amigo Dodô para tomar uma biritinha, fazer uma farra no Carnaval, me tornou famoso. Porém, todas as outras invenções, criações e bolações feitas por mim na metalurgia para a construção civil, que foi o sustentáculo de minha família, pouca gente conhece”.
Uma mente criativa, que transitava da engenharia mecânica para a música com maestria. Além das características peculiares para compor, fazer arranjo, tocar nas gravações de discos e nos shows junto aos filhos.
“Ele era tão envolvente, tão presente na vida da gente, não só como o paizão que resolvia tudo e bancou nossa vida, principalmente no começo. Ao mesmo tempo, ele faz uma falta danada, de ideias, a cabeça pensante, a gente tem sempre a presença dele. É como se ele estivesse sentadinho como ficava, principalmente nos últimos anos”, relata Armandinho Macedo.
Ex-guitarrista das bandas de rock Retrofoguetes e The Dead Billies, Morotó Slim explica que Osmar tocava a guitarra baiana de forma sublime. “Ele solava quase como se estivesse declamando um poema, escorregava os dedos pelas cordas”. Morotó destaca algumas canções que se destacavam como Paso Doble Carnaval e a versão do Frevo de Trio Elétrico.
“A maneira que ele fazia a expressão dele no pau elétrico era peculiar, muito dele. A contribuição dele genial é também no repertório que ele criou, como Taiane, que é uma música linda, isso cria distinção. Seu Osmar foi um gênio. Ele é muito mais que uma guitarra baiana, uma fubica, o trio elétrico. O tamanho desse homem é imenso, maior que o Carnaval”, ressalta o músico.
Grande Noé
Apaixonado por música, Osmar seguiu a carreira na mecânica, metalúrgica e engenharia, “não precisou de muita escolaridade, anel no dedo ou diploma para realizar os inventos”, já dizia Moraes Moreira.
Projetou, construiu e montou parte dos componentes mecânicos do Teatro Castro Alves; administrou a construção da Ponte do Funil; projetou as plataformas de embarque do sistema ferry boat Bom Despacho / São Joaquim; essas são algumas das obras que estão no currículo de Osmar. Ele também inventou ferramentas que ajudaram a resolver problemas da construção civil.
Em 1950, usando um velho Ford T 1929, Dodô & Osmar criaram a “máquina da alegria”, que transformou para sempre o Carnaval da Bahia. Armandinho descreve o pai como responsável pelo trio existir na forma atual.
O carrinho deu lugar a uma caminhonete, que depois se tornou pequena e abriu espaço para um caminhão. O automóvel ganhou iluminação, e recebeu o conjunto que se chamava Trio Elétrico. Com outros caminhões surgindo, o povo passou a generalizar o nome e tudo era trio elétrico.
“Não era pra ser o nome do caminhão. Só que no quinto ano outros começaram a fazer, a comprar o captador na mão de Dodô, a pegar os desenhos de estrutura do caminhão com meu pai”, relata Armandinho.
Moraes Moreira foi o primeiro a cantar em cima do trio, abrindo caminho para nomes como Luiz Caldas, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Durval Lelys, Bell Marques, Sarajane, Ricardo Chaves – entre outros que fizeram a música dos anos 1980 e 1990.
Luiz Caldas foi um dos que procurou Armandinho para aprender a tocar a guitarra baiana. “A história era essa, aprender guitarra baiana pra tocar no trio elétrico”, lembra um dos irmãos Macedo.
Para Luiz Caldas, seu Osmar não é pai apenas de Armandinho, André e Aroldo, ele é pai de qualquer pessoa que suba no trio. Aos 16 anos, Luiz conheceu seu Osmar no Rio de Janeiro, e foi lá que se criou um laço de afinidade e carinho, quando Luiz, em um roda de músicos, tocou um chorinho.
Quando era vizinho de Osmar, Luiz Caldas o ouviu contar histórias sobre a sua carreira e com ele aprendeu sobre educação, amabilidade, amizade e respeito na carreira musical. Osmar dizia ao futuro pai do axé: “Música não se faz só, é um universo, e não pertence a você. Você não faz música, você não faz arte pra você. Faz pra despertar algo nas pessoas”.
“Ele ficava na piscina, o que ele mais gostava de fazer, e eu do lado de fora. Ele me contando histórias maravilhosas, como quando ele viu um violonista, esse cara trouxe um violão eletrificado num navio. Ele conversou com o Dodô e daí nasceu a ideia de fazer o pau elétrico”, lembra de forma saudosa Luiz Caldas.
Dodô e Osmar no céu
No trio, Osmar e Armandinho performaram o Desafilho, criado por Osmar para desafiar o filho virtuose. “Eu era muito rápido, como ele não conseguia companhar minha velocidade, aí fazia malabarismo, botava o cavaquinho nas costas e tocava, tirava a camisa, cobria o cavaquinho com a camisa e tocava o povo ficava doido”, lembra Macedo.
O álbum Filhos da Alegria (1996), produzido por Marilia Aguiar, foi lançado pouco antes de Osmar falecer. O disco reuniu grandes vozes do carnaval e contou com a participação de Moraes para colocar letra nas canções. Luiz Caldas participou cantando Dodô no céu, Osmar na terra. “Essa canção pra mim é emblemática porque eu cheguei a gravar com ele no estúdio, toda vez que eu canto essa eu me emociono muito”, conta.
Marilia captou recursos para produção para o selo Eldorado (de SP), e contou com total participação de Osmar na escolha dos intérpretes. “A gravações começavam as 16h e as 14h ele ligava para saber detalhes”, lembra ela.
No Carnaval da volta da alegria às ruas, vale celebrar a memória deste baiano genial e suas criações imortais. Do céu, tanto Osmar quanto Dodô estarão sorrindo conosco.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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