Osmar Macedo, 100 anos de alegria | A TARDE
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Osmar Macedo, 100 anos de alegria

No Carnaval que marcará o retorno às ruas, celebraremos o centenário do homem que transformou a festa

Publicado domingo, 12 de fevereiro de 2023 às 06:00 h | Autor: Lila Sousa*
André, Armandinho e Seu Osmar levantando o Chão da Praça em 1985
André, Armandinho e Seu Osmar levantando o Chão da Praça em 1985 -

Salve o patriarca Osmar, o grande Noé, por tudo que é, sua vida, seu trio, sua arca!

Como compôs Moraes Moreira no cordel em homenagem a Osmar Macedo, Nosso Grande Noé, agora é hora de pagar um tributo a quem fez a obra, venceu e convenceu o mais cético, aquele que matou a cobra e mostrou o pau – o pau elétrico.

Em 2023 é celebrado o centenário do saudoso Osmar Macedo. Uma convergência entre o retorno do Carnaval, após dois anos devido à pandemia de COVID-19, e as comemorações em sua homenagem.

Nem todos conhecem as inovações na mecânica, metalúrgica e engenharia civil propostas por ‘Seu Osmar’, como era carinhosamente chamado pelos mais próximos. Mas há de se dizer que o homem, com alegria, entusiasmo e cabeça eclética, junto com Dodô em uma dupla elétrica, revolucionou não só a música baiana.

Nascido em 22 de março de 1923, Osmar Álvares de Macêdo, o soteropolitano mais conhecido por inventar o trio elétrico, fez muito mais do que alguns baianos possam imaginar. Ele mesmo dizia: “O negócio que criei com meu amigo Dodô para tomar uma biritinha, fazer uma farra no Carnaval, me tornou famoso. Porém, todas as outras invenções, criações e bolações feitas por mim na metalurgia para a construção civil, que foi o sustentáculo de minha família, pouca gente conhece”.

Uma mente criativa, que transitava da engenharia mecânica para a música com maestria. Além das características peculiares para compor, fazer arranjo, tocar nas gravações de discos e nos shows junto aos filhos.

“Ele era tão envolvente, tão presente na vida da gente, não só como o paizão que resolvia tudo e bancou nossa vida, principalmente no começo. Ao mesmo tempo, ele faz uma falta danada, de ideias, a cabeça pensante, a gente tem sempre a presença dele. É como se ele estivesse sentadinho como ficava, principalmente nos últimos anos”, relata Armandinho Macedo.

No ano 2000, uma Fobica estilizada:  “O negócio que criei com meu amigo Dodô para tomar uma biritinha me tornou famoso”
No ano 2000, uma Fobica estilizada: “O negócio que criei com meu amigo Dodô para tomar uma biritinha me tornou famoso” |  Foto: Cedoc | A TARDE
 

Ex-guitarrista das bandas de rock Retrofoguetes e The Dead Billies, Morotó Slim explica que Osmar tocava a guitarra baiana de forma sublime. “Ele solava quase como se estivesse declamando um poema, escorregava os dedos pelas cordas”. Morotó destaca algumas canções que se destacavam como Paso Doble Carnaval e a versão do Frevo de Trio Elétrico. 

“A maneira que ele fazia a expressão dele no pau elétrico era peculiar, muito dele. A contribuição dele genial é também no repertório que ele criou, como Taiane, que é uma música linda, isso cria distinção. Seu Osmar foi um gênio. Ele é muito mais que uma guitarra baiana, uma fubica, o trio elétrico. O tamanho desse homem é imenso, maior que o Carnaval”, ressalta o músico.

Grande Noé

Apaixonado por música, Osmar seguiu a carreira na mecânica, metalúrgica e engenharia, “não precisou de muita escolaridade, anel no dedo ou diploma para realizar os inventos”, já dizia Moraes Moreira. 

Projetou, construiu e montou parte dos componentes mecânicos do Teatro Castro Alves; administrou a construção da Ponte do Funil; projetou as plataformas de embarque do sistema ferry boat Bom Despacho / São Joaquim; essas são algumas das obras que estão no currículo de Osmar. Ele também inventou ferramentas que ajudaram a resolver problemas da construção civil. 

Em 1950, usando um velho Ford T 1929, Dodô & Osmar criaram a “máquina da alegria”, que transformou para sempre o Carnaval da Bahia. Armandinho descreve o pai como responsável pelo trio existir na forma atual.

O carrinho deu lugar a uma caminhonete, que depois se tornou pequena e abriu espaço para um caminhão. O automóvel ganhou iluminação, e recebeu o conjunto que se chamava Trio Elétrico. Com outros caminhões surgindo, o povo passou a generalizar o nome e tudo era trio elétrico.

“Não era pra ser o nome do caminhão. Só que no quinto ano outros começaram a fazer, a comprar o captador na mão de Dodô, a pegar os desenhos de estrutura do caminhão com meu pai”, relata Armandinho.

Moraes Moreira foi o primeiro a cantar em cima do trio, abrindo caminho para nomes como Luiz Caldas, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Durval Lelys, Bell Marques, Sarajane, Ricardo Chaves – entre outros que fizeram a música dos anos 1980 e 1990.

Luiz Caldas foi um dos que procurou Armandinho para aprender a tocar a guitarra baiana. “A história era essa, aprender guitarra baiana pra tocar no trio elétrico”, lembra um dos irmãos Macedo.

Imagem ilustrativa da imagem Osmar Macedo, 100 anos de alegria
  

Para Luiz Caldas, seu Osmar não é pai apenas de Armandinho, André e Aroldo, ele é pai de qualquer pessoa que suba no trio. Aos 16 anos, Luiz conheceu seu Osmar no Rio de Janeiro, e foi lá que se criou um laço de afinidade e carinho, quando Luiz, em um roda de músicos, tocou um chorinho. 

Quando era vizinho de Osmar, Luiz Caldas o ouviu contar histórias sobre a sua carreira e com ele aprendeu sobre educação, amabilidade, amizade e respeito na carreira musical. Osmar dizia ao futuro pai do axé: “Música não se faz só, é um universo, e não pertence a você. Você não faz música, você não faz arte pra você. Faz pra despertar algo nas pessoas”.

“Ele ficava na piscina, o que ele mais gostava de fazer, e eu do lado de fora. Ele me contando histórias maravilhosas, como quando ele viu um violonista, esse cara trouxe um violão eletrificado num navio. Ele conversou com o Dodô e daí nasceu a ideia de fazer o pau elétrico”, lembra de forma saudosa Luiz Caldas.

Dodô e Osmar no céu

No trio, Osmar e Armandinho performaram o Desafilho, criado por Osmar para desafiar o filho virtuose. “Eu era muito rápido, como ele não conseguia companhar minha velocidade, aí fazia malabarismo, botava o cavaquinho nas costas e tocava, tirava a camisa, cobria o cavaquinho com a camisa e tocava o povo ficava doido”, lembra Macedo.

O álbum Filhos da Alegria (1996), produzido por Marilia Aguiar, foi lançado pouco antes de Osmar falecer. O disco reuniu grandes vozes do carnaval e contou com a participação de Moraes para colocar letra nas canções. Luiz Caldas participou cantando Dodô no céu, Osmar na terra. “Essa canção pra mim é emblemática porque eu cheguei a gravar com ele no estúdio, toda vez que eu canto essa eu me emociono muito”, conta.

Marilia captou recursos para produção para o selo Eldorado (de SP), e contou com total participação de Osmar na escolha dos intérpretes. “A gravações começavam as 16h e as 14h ele ligava para saber detalhes”, lembra ela.

No Carnaval da volta da alegria às ruas, vale celebrar a memória deste baiano genial e suas criações imortais. Do céu, tanto Osmar quanto Dodô estarão sorrindo conosco.

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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