Renascer e replantar

Os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, dois dos maiores mestres da música popular brasileira de todos os tempos, seguem sendo reverenciados neste ano em que ambos comemoram oito décadas de vida.

As homenagens partem de várias esferas da cultura, e desta ela vez elas vêm do universo do balé. Um dos mais importantes e prestigiados coletivos de dança do país, o mineiro Grupo Corpo, chega a Salvador com dois espetáculos comemorativos.

Um é Onqotô, de 2005, com trilha musical criada especialmente para o Corpo por Caetano e o músico paulista Zé Miguel Wisnik, e que já foi apresentado na capital baiana. O outro é o relativamente inédito Gil Refazendo, de 2022, também com trilha original, só que desta vez inspirada em temas do autor de Procissão. Com ingressos já esgotados, o Corpo aterrissa em Salvador hoje, às 21h, no palco principal do Teatro Castro Alves (TCA).

Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do grupo, lembra que a proposta da companhia é a de sempre tentar levar novas sensações, maneiras de pensar e formas de enxergar a vida, para o palco, e adverte que os dois espetáculos são completamente diferentes.

“O Gil Refazendo é sobre tentar olhar para um futuro um pouco mais ameno, um pouco menos escuro e é também um grande abraço entre as pessoas. É aquele abraço do Gil. O Onqotô é sobre as perguntas quem sou eu, de onde vim e para onde vou?”, explica Pederneiras.

Para o bailarino Rafael Bittar, 31, que participa das duas coreografias, é muito interessante poder dançar com trilhas de dois mestres da música brasileira. “O balé de Gil traz um pouco de esperança e a gente está precisando disso”, relata o dançarino, para, em seguida, comentar seu interesse pelo autor de Sampa também.

“Sou apaixonado por Caetano e Onqotô foi o primeiro balé que assisti do Grupo Corpo, então é muito especial, pra mim, fazer parte dele hoje em dia e dançar as coreografias que me encantaram e me fizeram buscar ser um bailarino profissional. Ele é super dançante e uma delícia”, complementa Bittar.

Vida que retorna

Insatisfeitos com o resultado do espetáculo GIL, de 2019, com trilha especialmente criada por um dos papas da música popular brasileira, Paulo Pederneiras, diretor artístico do Corpo, e Rodrigo Pederneiras decidiram recriar a coreografia e acrescentar a expressão ‘refazendo’ ao nome da apresentação.

“Ele foi todo refeito. Só não mudou a trilha, mas mudamos completamente coreografia, cenário, figurino e luz. Foi feito outro trabalho, outro espetáculo, completamente novo. Por isso, o refazendo”, enfatiza Rodrigo.

Esta decisão pela reestruturação do espetáculo que, além da coreografia de Rodrigo Pederneiras, tem cenografia e iluminação de Paulo Pederneiras e figurino – sempre um show à parte – da arquiteta Freusa Zechmeister, tem a ver com a transformação radical que o mundo viveu – o Brasil em particular – no período mais grave da pandemia, segundo o diretor.

Músicas como Aquele Abraço, Realce, Tempo Rei, Andar com Fé, Toda Menina Baiana, Sítio do Picapau Amarelo, Raça Humana – clássicos do cancioneiro gilbertiano - se conectam com a trilha sonora, inclusive através de citações que bailam entre si e dialogam com a performance.

Tambores ancestrais, distorções do aparato eletrônico, afoxé, naipe de sopros de pegada jazzística, modinha e berimbau definem os arranjos criados com exclusividade, pelo próprio Gil, para a trilha sonora de Gil Refazendo.

Gênese cósmica

Já Onqotô - corruptela da forma como os mineiros dizem ‘onde que eu estou?’ –, criado em 2005 para celebrar os 30 anos do Grupo Corpo, tenta explorar a sensação de pequenez do ser humano na imensidão do tempo e do espaço.

Segundo o coreógrafo Rodrigo Pederneiras, esse trabalho foi um presente que Caetano e Wisnik deram a eles.

Com muitas cenas de chão, o balé contrapõe caos e ordenação, força e suavidade. São nove temas – cinco deles assinados pela dupla e os outros quatro, canções criadas separadamente, duas das quais parcerias com poetas seminais da língua portuguesa: o lusitano Luís de Camões e o baiano Gregório de Mattos.

Gravada nos estúdios de Carlinhos Brown, em Salvador, a trilha sonora mistura a percussão com múltiplas vozes sobrepostas e intervenções de piano, guitarra elétrica, contrabaixo, acordeom, flautas e cordas.

Rodrigo diz que as criações do Grupo Corpo desejam tocar o público, mexer com suas sensações e tentar criar novos caminhos. “Nem sempre a gente atinge as pessoas dessa forma, mas a intenção é sempre criar alguma coisa nova”, constata. “Esta também é a função da arte, de uma maneira geral. Fazer com que as pessoas pensem de outra maneira e tentem abrir novos caminhos”, conclui o coreógrafo.

Está marcada uma segunda apresentação para amanhã, 23, dentro do Domingo no TCA – projeto criado para ampliar o acesso das plateias –, às 11h, a preços populares: R$ 1 (inteira) e R$ 0,50 (meia). Será somente a coreografia Gil Refazendo, e ainda há ingressos à venda, já que eles só são disponibilizados no dia do evento, na bilheteria do local, a partir das 9 horas.

Os espetáculos têm patrocínio premium do Instituto Cultural Vale, patrocínio master da ArcelorMitta e patrocínio Vivo e CCR. As apresentações em Salvador contam com apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia e Teatro Castro Alves.