CADERNO 2
Série 'No País da Poesia Popular' retrata riqueza cultural do nordeste
Obra foi idealizada pelo poeta, escritor e compositor Bráulio Tavares e pelo cineasta José Araripe Jr
Por João Paulo Barreto | Especial para A TARDE
Existe uma sensação de pertencimento que abraça o espectador que assiste aos episódios de No País da Poesia Popular, série idealizada pelo poeta, escritor e compositor Bráulio Tavares e pelo cineasta José Araripe Jr, que assume a empreitada da direção dos 13 capítulos desta primeira temporada. A citada sensação de pertencimento, aliás, abraça não somente aqueles que têm a sorte e o privilegio de terem nascido no Nordeste e reconhecem o patrimônio cultural impulsionado por sua região, mas, também, a todos os brasileiros atentos à existência desses tesouros que ilustram tal patrimônio.
Na sua construção, a pesquisa de Tavares, que apresenta a série, em paralelo à direção de Araripe, traz à audiência um aprofundamento didático dos diversos significados de expressões artísticas como cordel, xilogravura, cantoria, folheto, repente, a contação e, claro, poesia. O resultado, ao final de cada episódio de 30 minutos, dá ao público uma ideia do quão intensa e valorosa é tal cultura, bem como abre as portas para tornar tal abraço de pertencimento ainda mais caloroso quando nos permitimos ir além da série, buscando conhecer mais e mais seus temas.
Vale frisar que o adjetivo "didático" utilizado aqui não surge de maneira a classificar como entediante ou enfadonho o modo como Araripe e Tavares optaram por construir a estrutura narrativa dos episódios.
O diretor explica: "Antes de tudo, eu quis fazer uma obra de legado didático. Porque as pessoas fogem dessa coisa do didático. Julgam o didático chato. Não! O didático é uma obrigação que nós temos com a Cultura. Principalmente de fazer uma viagem. Então, a partir daí, a minha linguagem era um on the road. Eu tento fazer uma 'contação' a partir do movimento. Importante viajar. Importante mostrar que aquilo acontece em muitos lugares e em uma velocidade que eles vivem ", pontua Araripe.
Na estrada
Nessa estrutura on the road, 17 cidades brasileiras foram visitadas e diversas fontes entrevistadas. Pessoas da velha guarda, como o músico Bule-Bule, além de nomes mais contemporâneos, como o poeta Lirinha e o cantor e compositor Lenine, são destaque nas entrevistas capitaneadas por Araripe. Em cada um dos 13 episódios dessa primeira temporada (a segunda já está confirmada), um tema diferente dentro das várias possibilidades do cordel, do repente, da cantoria, dentre outras abordagens dessa expressão que vai do social ao humor, passando pela fantasia, pela ficção científica e pelo romântico. Trata-se de um mergulho profundo nas várias nuances da poesia.
“Nosso programa é sobre poesia popular num sentido muito amplo – ele se foca não apenas nos cordelistas e cantadores, mas também nos poetas que beberam nessa fonte para publicar seus trabalhos de cunho pessoal”, explica Bráulio Tavares, cirúrgico.
Na riqueza de suas fontes, a série adentra no Brasil fazendo jus ao seu nome que, de modo preciso, o define como o país da poesia popular. A poesia que se mostra de várias formas, com diversos alcances e cunhos sociais, com seu viés crítico e politizado, mas, acima de tudo, soberana como poesia, como frisa o diretor.
"O cordel é extremamente ligado à crítica social. Você vai encontrar em todos os gêneros que a gente apresenta uma preocupação sempre muito forte de se analisar e se criticar a realidade. Então, independente do lugar onde aquele cordel seja produzido, seja na capital do país ou em uma pequena cidade do interior da Paraíba, você vai encontrar o poeta preocupado em descrever a realidade de forma direta," explica José Araripe Jr.
Nos vários tipos de cordel, diversas camadas dessa interpretação em seu cunho social se fazem presentes. Mas a soberania poética é a prioridade dentre todas essa camadas.
"É como uma pessoa que está antenada nas questões urgentes do dia a dia, mas, também, traz uma bagagem de entender que a cultura se transforma. Para essa pessoa, é mais fácil não ser radical. Mais fácil ter mais camadas. Com essas camadas, o trabalho pode ficar mais consistente. Porque coloca-se todas as camadas. Tem a camada crítica, tem a camada mais histórica. Antes de tudo, a poesia tem que ser soberana. A poesia não pode ser apenas um instrumento para discurso. Porque quando é um instrumento só para discurso, ela perde força, ela se esvazia", alerta Araripe.
Homenagem a Bráulio
Poeta, escritor, tradutor e compositor, Bráulio Tavares demonstra em sua pesquisa para No País da Poesia Popular um domínio valoroso dessa cultura. Natural de Campina Grande, na Paraíba, ele é o nosso guia pelas viagens tanto pelas cidades do nordeste, quanto por Rio e São Paulo, locais que a série também visitou.
Conhecendo as possibilidades e alcance da poesia pelo Brasil, a série consegue construir pontes que denotam a força da união de sua arte. “Viajamos por vários estados do Nordeste, pelo Rio e São Paulo, entrevistando cordelistas profissionais, poetas repentistas, gente da 'velha guarda' e poetas jovens, homens e mulheres, na casa dos 20 ou 30 anos. Falamos com pesquisadores universitários e com xilógrafos, falamos com músicos e poetas que, sem serem cordelistas, têm essa poética como inspiração”, relembra Bráulio.
"A poesia popular não é invisível nem inaudível. Ela está espalhada pelo litoral, pelo sertão, capitais e vilarejos. Ao invés de definhar, como às vezes profetizam os pessimistas, ela está mais viva e forte do que nunca", acrescenta.
Para Araripe, amigo de Bráulio desde os anos 1970, quando ambos apresentavam Teatro de Cordel no Vila Velha, No País da Poesia Popular serve como uma homenagem fraterna ao poeta. "Esse projeto nasce de um desejo que eu tinha, de uma admiração muito grande e um respeito por Bráulio Tavares. É uma espécie de homenagem que eu tento fazer a um mestre. Esse grande intelectual brasileiro. Um dos maiores artistas que existem no Brasil.
Apesar dele ser um grande roteirista de filmes, de programas de TV e de ser um parceiro de grandes músicos brasileiros, ele é, antes de tudo, um profundo conhecedor dessa cultura que ele conhece, pé no chão na cidade de Campina Grande, onde nasceu, um centro incrível onde isso acontece naturalmente. Essa obra, então, é para sagrar a inteligência desse gênio. Isso é para entregar ao mundo a força e o talento desse cara. Esse mensageiro da poesia popular", finaliza Araripe.
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