ENTREVISTA
Susan Kalik debate no audiovisual fortes questões sociais
Confira a entrevista com a roteirista, diretora e produtora Susan Kalik
Por Grazy Kaimbé*
A roteirista, diretora e produtora Susan Kalik, 48 anos, é hoje uma das grandes figuras do audiovisual brasileiro. Com mais de 26 anos de carreira, ela é conhecida por projetos que dialogam com questões sociais, raciais e narrativas, que representam importantes avanços na representação negra no audiovisual.
A trajetória de Susan começou com produções teatrais e se expandiu para o cinema e a TV. Nascida em São Paulo, a artista formou-se em Direção Teatral pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e conquistou espaço em um mercado historicamente excludente. Recentemente, ela esteve entre os indicados ao Emmy Internacional 2024 pela série Anderson Spider Silva, da Paramount+. A produção, baseada na história do lutador Anderson Silva, levou Susan e a equipe de roteiristas – Marton Olímpio, Eliana Alves Cruz, Raul Pérez e Álvaro Campo – a explorar as complexidades do ícone esportivo, com foco na humanização de sua figura.
Em entrevista ao jornal A TARDE, Susan compartilhou os bastidores de sua ida ao Emmy e descreveu a emoção de participar de uma premiação de tamanha relevância. ”Estar no Emmy foi simplesmente mágico, não há outra palavra para descrever. Quando recebemos a notícia da indicação, veio aquela ansiedade: 'Caramba, é o Emmy em Nova York! Vamos ou não vamos?' Decidimos ir, e foi uma experiência incrível. Eu, Marton Olympio e Eliana Alves Cruz alugamos um apartamento e passamos a semana juntos, algo que não fazíamos desde a sala de roteiro. Dividimos as ansiedades, alegrias e nos conectamos ainda mais”, conta.
Horizontes criativos
A cineasta não é estranha aos holofotes. O curta-metragem Sobre Nossas Cabeças (2020), dirigido por ela e Thiago Gomes Rosa, conquistou 22 prêmios e participou de mais de 60 festivais, mesmo tendo sido lançado durante a pandemia, em formato exclusivamente online. A obra aborda temas complexos como a violência racial e a subjetividade negra, utilizando uma narrativa ficcional ambientada em uma vigília ufológica.
Outro projeto marcante da artista e que tem um espaço no coração dela é o longa Guerra das Baianas, que explora a história real da disputa entre duas baianas de acarajé por um ponto de venda em Salvador. O filme, co-dirigido por Kalik e Rodrigo Luna, vai além do fato histórico ao abordar a força coletiva das baianas como guardiãs dos saberes ancestrais e sua luta por melhores condições de trabalho.
O projeto já foi finalista do Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre (FRAPA) e recebeu apoio de importantes distribuidoras. “Esse filme é, para mim, o trabalho mais importante e de maior impacto na minha trajetória, algo que me orgulha profundamente”, comenta a cineasta.
Nesta entrevista, Susan Kalik reflete sobre sua jornada, os desafios e aprendizados ao longo do caminho, além de compartilhar detalhes sobre seus próximos projetos.
Na sua visão, o que torna a série Anderson Spider Silva tão especial e digna de reconhecimento internacional?
A série é sobre um personagem de enorme reconhecimento, Anderson Silva, um dos maiores ícones do esporte brasileiro. Isso, por si só, já traz uma força tremenda. O mais especial, porém, é que ela vai além do atleta e foca na força da família que serviu de base para ele se tornar o Spider. A série não só retrata momentos marcantes de sua carreira, mas também humaniza o personagem, mostrando seus medos, erros e acertos como homem, marido, pai e lutador. Essa abordagem nos conecta porque todos nós vivemos essas emoções: sonhos, coragem, falhas e lutas.
Como foi o processo de trazer essas temáticas para o roteiro?
Foi um processo maravilhoso, realizado em uma sala de roteiro majoritariamente negra, num ambiente honesto, afetuoso e coletivo. A série foi criada por Marton Olympio, que também foi nosso chefe de sala. Além de mim, tivemos os roteiristas Eliana Alves Cruz, Raúl Pérez e Álvaro Campo. O trabalho foi construir um retrato humanizado e inspirador de um ícone negro, sempre com foco no potencial de visibilidade, empoderamento e ancestralidade. Nosso objetivo foi contar uma história que exalta o amor e a força de uma família preta, evitando estereótipos ou narrativas violentas.
Como você enxerga o impacto de produções brasileiras no cenário internacional?
Enxergo com alegria e esperança o espaço conquistado e a reverberação das produções brasileiras, mas também com resiliência e um certo temor. Séries como Spider, Senna, Escola de Quebrada, Cangaço Novo, Dom, Bom Dia Verônica e Os Outros têm alcançado grande repercussão nacional e internacional. No entanto, essas obras não representam, em termos de “cenário”, a totalidade do mercado audiovisual brasileiro. Ainda há um desequilíbrio significativo — seja econômico, de produção ou narrativo. Muitas produtoras incríveis estão fora do mercado, inúmeros criativos não conseguem acesso às salas de roteiro e empresas de conteúdo, e há narrativas relevantes e necessárias que permanecem à margem. Embora celebremos essas conquistas, é importante lembrar que “a favela não venceu” apenas porque um favelado conseguiu sucesso. Ainda há um longo caminho para que possamos gerar um impacto real no cenário nacional. Apesar de nossas produções reverberarem brilhantemente no exterior, é essencial que esse reconhecimento abra caminhos, destranque portas e traga investimentos que fortaleçam nossa produção, nossas narrativas e nossas pessoas.
Além do Emmy, você tem diversos outros prêmios. Qual deles foi o mais marcante para você?
O prêmio que recebi pela direção do meu espetáculo de formatura, Pluft, o Fantasminha, tem um lugar especial na minha memória. Foi o meu primeiro reconhecimento como diretora. Subi no palco do TCA, com meus filhos, Alice e Peter, ao meu lado. A carinha deles, vendo aquele teatro lotado, é algo que nunca vou esquecer.
Você conquistou 22 prêmios com Sobre Nossas Cabeças. Como essas conquistas influenciaram sua trajetória?
Sobre Nossas Cabeças foi um marco nos meus primeiros passos como roteirista. Embora eu já tivesse experiência em Artes Cênicas e produção, esse foi meu primeiro roteiro de ficção filmado. O curta aborda questões raciais importantes, como subjetividade negra e violência racial, em uma narrativa ambientada em uma vigília ufológica, algo que adoro. Esses prêmios reforçaram minha determinação em seguir na carreira como roteirista e diretora.
Quais são seus planos para 2025? Algum projeto em especial que pode compartilhar?
2025 será um ano cheio! Vamos lançar nosso primeiro longa de ficção, Timidez, dirigido por mim e Thiago Gomes Rosa, e estrelar Dan Ferreira e Antônio Marcelo. Também estou animada com os lançamentos da série Passinhos: O Ritmo dos Sonhos, da Disney+, e Invulneráveis, da NBCUniversal. No cinema, estamos desenvolvendo três longas: Barra Azul, Guerra das Baianas e Rita. E em janeiro, dirijo um curta em parceria com Daniel Arcades. Será um ano promissor!
Com tanta experiência acumulada, há algum novo gênero ou abordagem que gostaria de explorar em 2025?
Sim, telenovelas! Sou apaixonada pelo gênero, pela intensidade do melodrama e pela vivacidade do folhetim. Também tenho muita vontade de escrever uma série de ficção científica ou sobrenatural, temas que sempre me fascinaram.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes