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E FEZ-SE A MAGIA

Com disco ‘Magia’, Luiz Caldas foi catalisador de cena musical

Carnaval se reiventa a partir de um disco antológico e de uma mistura de ritmos que sempre mirou o futuro

Por Ana Cristina Pereira

26/02/2025 - 0:00 h
Luiz Caldas
Luiz Caldas -

A trajetória de Luiz Caldas ilustra bem o movimento da axé music nesses 40 anos de muita festa, novidades e transformações. Quando ele lançou, em 1985, o álbum Magia, já vinha de experiências no Trio Tapajós, inclusive em disco, e de muitas trocas com outros músicos pela cidade e no estúdio WR, onde nasceu a banda Acordes Verdes. O espaço era a parada obrigatória para todo mundo que queria fazer música naquele período em Salvador. Só para contextualizar a fermentação, na Acordes Verdes estavam o músico e arranjador Alfredo Moura e o percussionista Carlinhos Brown – todos na flor da idade.

O sucesso arrebatador de Fricote, uma das canções do álbum, abriu a roda e atraiu os holofotes nacionais da mídia e da indústria fonográfica. Luiz viveu seu auge nos anos seguintes e segue, aos 62 anos, tocando, compondo, gravando e misturando os diferentes gêneros pelos quais sempre se interessou e que é uma marca da axé music. Além de dar o start, ele foi mudando, como a própria axé music, e também fez sua revisão histórica, deixando o hit Fricote de lado, por entender que a parceria com Paulinho Camafeu (1948-2021) perdeu o bonde da história - devido aos versos de apelo machista e racista.

Músicos, empresários e pesquisadores concordam que a axé music não é um gênero, mas uma cena, que, a partir de determinado momento, passou a reunir artistas da música carnavalesca (mas não só dela) e dialogar com diferentes ritmos como ijexá, frevo, merengue, samba, reggae e, claro, o samba-reggae. Tudo temperado com elementos do pop.

Gravado por um selo local, Magia foi vendido depois para uma gravadora nacional e transformou Luiz em figurinha carimbada nos programas de TV, puxados por Chacrinha e Globo de Ouro. Junto com ele, seguiram outros artistas como Sarajane, Gerônimo e as bandas Mel e Reflexu’s, sendo esta última a primeira a vender mais de 1 milhão de cópias e virar paixão nacional. “A gente estava no olho do furacão. As gravadoras não acreditavam na nossa música, e a Reflexu’s virou um fenômeno, ajudando a difundir os blocos afro”, recorda o maestro Ubiratan Marques, ex-tecladista do grupo.

Tudo aconteceu de forma tão rápida que no dia de fazer a foto do LP Reflexu's da Mãe África (1997), ele tinha ido para o interior e ficou de fora. O repertório trouxe Madagascar Olodum, Alfabeto do Negão, Canto para Senegal, Libertem Mandela e outras canções de compositores que circulavam nas quadras e ensaios. Com cinco álbuns, muitos sucessos e até certa projeção internacional, a formação original da Reflexu's acabou no início dos anos 1990. “Esteticamente nós estávamos muito próximos dos blocos afro, seja nas letras ou nos arranjos, além de ser uma banda formada por pessoas pretas”, afirma Ubiratan, hoje à frente da Orquestra Afrosinfônica.

Capa do disco Magia
Capa do disco Magia | Foto: Divulgação

Pop, branca e poderosa

É essa movimentação do mercado que o jornalista e pesquisador Luciano Matos enxerga como fundadora da axé music, pois ele lembra que o Chiclete com Banana, por exemplo, que se tornaria um dos principais nomes da cena, já tinha quatro álbuns gravados quando Magia foi lançado. “Luiz Caldas era o músico mais talentoso da sua geração, fez essa mistura de merengue, afoxé, guitarra baiana e outros ritmos”, resume Luciano.

Autor do livro O Canto da Cidade -– Da Matriz Afro-baiana à Axé Music de Daniela Mercury (Sesc, 2021), Luciano destaca que a cena inicial foi muito ligada à força dos blocos afro, seja através dos compositores ou da batida do samba-reggae. Mas com a entrada das gravadoras nacionais e o crescimento da indústria carnavalesca, a axé music vai se transformando e dialogando mais com a classe média e branca. “Aquela cena inicial era vista como regional, exótica”, pontua, apontando a contratação de Daniela pela Sony Music e o lançamento de O Canto da Cidade (1992), que vendeu mais de 3 milhões de cópias, como uma virada de chave.

“Daniela era uma mulher branca, cantava, dançava e se encaixava nos padrões nacionais”, afirma Luciano. Conectada com o que acontecia nas quadras dos blocos afro, ela já havia gravado com o Olodum no álbum de estreia, em 1991, nas faixas Swing da Cor e Meninos do Pelô. Com produção de Liminha e arranjos de Ramiro Musotto (1963-2009), O Canto da Cidade traz a canção O Mais Belo dos Belos, uma das mais conhecidas do Ilê Aiyê, e aprofunda o interesse da artista pelo samba-reggae, ritmo do qual ela se tornou grande divulgadora. “Quando o disco estoura, o olhar para a Bahia se transforma, e as gravadoras passaram a procurar outros artistas. É quando começa a entrar muito dinheiro na cena do axé”, diz Luciano.

Metamorfoses

Lá em 1987, quando a axé music ainda engatinhava, muita gente achou que ela não ia muito longe. Foi o caso do jornalista e crítico musical Hagamenon Brito, que usou o termo pela primeira vez para tirar um sarro, mas acabou batizando a cena. “Sinto orgulho de ter criado este termo. Para o bem ou para o mal, dei uma identidade ao movimento”, afirma Hagamenon. Ele recorda que, apesar dos envolvidos a princípio não terem gostado, o termo pop e sintético foi adotado pela indústria e pela mídia do Sul do País e acabou se impondo.

Hagamenon revisa a própria posição e diz que foi tolo com aquela ironia, pois estava mais conectado com o universo do rock, tanto na estética pessoal quanto no gosto musical. “A axé music veio para ficar na história na MPB e na memória afetiva coletiva”, destaca o jornalista, que integrou o grupo que foi a Brasília no fim do ano passado defender o Projeto de Lei para transformar o 17 de fevereiro no Dia Nacional da Axé Music. “É um movimento que tem relevância cultural, gerou artistas populares e carismáticos como Daniela, Ivete, Brown, Bell, Durval e Claudia, e teve um grande impacto social e econômico na Bahia, gerando muito emprego e renda”, pontua.

Mesmo com altos e baixos a partir dos anos 2000, quando perdeu espaço para o funk e o sertanejo, a axé music segue seu fluxo. Hagamenon cita artistas nacionais como Silva e Ana Cañas, que bebem na fonte baiana, destaca a força de músicas como Mila e Praeiro (ambas de Mano Góes), que seguem sendo executadas com muita força em festas o ano inteiro; ou bandas como Jammil e Eva, comandadas por Rafael Barreto e Felipe Pezzoni, respectivamente, que fazem shows o ano inteiro para um público majoritariamente branco de classe média.

Qual o futuro?

“A axé music vai perdendo conexão com o povo e atualmente os blocos sobrevivem basicamente com turistas, pois o baiano vai mesmo é na ‘pipoca’”, avalia Hagamenon, que aponta a falta de renovação como um dos maiores problemas. “Os dois últimos grandes nomes projetados pela axé são Saulo e Claudia Leitte, e isso já faz 20 anos”. Outra questão levantada por ele é a pouca representatividade na era do streaming. “O público jovem ouve Jão, Anitta, Ludmilla, Baco, os artistas do pagodão, do trap e a BaianaSystem”, elenca.

Para ele, com certa licença poética, Léo Santana pode até ser colocado na linhagem axé, já que o pagode sempre esteve muito próximo, mas não a BaianaSystem, apesar da força que o grupo tem no Carnaval. “Mesmo Robertinho sendo um herdeiro da guitarra baiana, eles trazem o dance hall, o sound system, e representam a nova música baiana, que vai produzir artistas como Luedji Luna e Rachel Reis”.

Já Luciano Matos vê a axé music presente em muitos artistas, inclusive na BaianaSystem, ainda que renegada. “Ninguém quer ser axé music, acho que por conta desse modelo hegemônico de gerir o mercado, ligado a bloco de corda”, reflete o pesquisador, que prepara um livro sobre a axé music, que só deve ser lançado mais para frente. Ele também concorda que a axé não foi capaz de se renovar, apoiar e investir em novidades. E cita o exemplo de Magary Lord, que fez muito sucesso nos anos 2000, mas não foi absorvido pela cena.

Enquanto o futuro não se desenha, a axé music vai colhendo as homenagens e muitas comemorações pelos seus 40 anos. Uma das mais bonitas veio da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) , que a celebrou no Baile Concerto - que em março será apresentado no Festival de Trancoso. Com roteiro de Manno Góes, a seleção apresenta versões orquestrais para clássicos como Chame Gente, Faraó e Baianidade Nagô, um repertório que emociona, traz memória afetiva e tem uma força extraordinária, como observa o maestro Carlos Prazeres.

“A axé music revolucionou a música brasileira ao unir diversos ritmos e criar uma sonoridade única, cheia de energia e identidade própria. Foi um movimento que projetou a música baiana para o Brasil e o mundo, revelando grandes artistas e estabelecendo o Carnaval de Salvador como um dos maiores espetáculos musicais do planeta. Além disso, influenciou gerações de músicos e consolidou a força da percussão e da festa como elementos essenciais da cultura nacional”, afirma Prazeres.

Morar na Bahia fez o maestro entender melhor o significado cultural da axé music, mas ele conta que já conhecia e admirava esse universo desde os anos 1990, quando as canções marcaram festas, rádios e carnavais em todo o País. “A energia do Carnaval, a força da percussão e a riqueza melódica da axé music são elementos fascinantes, e é um privilégio poder trazer essa sonoridade para o contexto sinfônico com a OSBA”.

Samba-reggae, a força negra

Criado frequentando rodas de samba, festas de samba junino e celebrações nos terreiros de candomblé no Pau Miúdo, Tonho Matéria logo se identificou com os blocos afro que surgiram pela periferia da cidade a partir dos anos 1980 - na esteira no Ilê Aiyê. Ele recorda que ainda era um garoto quando fez uma música para o bloco Ébano, em 1984, e no ano seguinte já estava na ala de canto e percussão do Ara Ketu. Mais tarde, seria um dos cantores do Olodum.

“Cada bloco foi criando uma identidade”, diz Matéria, citando o Ilê, “que atrasa o tempo da batida”, e o Olodum, onde Neguinho do Samba (1955-2009) experimenta uma nova batida fundido claves do samba e do reggae. “Escolhi como meu direcionamento musical o bloco afro, o afoxé e o samba junino”, afirma o cantor e compositor, acrescentando que toda uma geração de artistas vai fortalecendo seu discurso junto com a afirmação dos blocos afro.

Ele teve duas músicas suas gravadas no álbum Egito Madagascar (1987), a estreia fonográfica do Olodum: Arco-Íris de Madagascar e Olodum Florente da Natural, sendo a primeira um dos sucessos do álbum, que também trouxe Faraó - Divindade do Egito (Luciano Gomes). Tonho Matéria passou por vários blocos e se tornou um destes artistas vindos da música negra que se tornaram fundamentais para a axé music. Ele assina sucessos para Chiclete com Banana (Se Me Chamar, Eu Vou), Durval Lelys (Dia dos namorados e Durvalino Meu Rei), Cheiro de Amor (Auê), Daniela (Olha o Gandhy Aí) e Ivete (Pra Abalar), entre outros.

“A axé music é muito importante, pois transformou artistas locais em nacionais e até internacionais e foi o compositor de bloco afro que ajudou muito neste sucesso”, orgulha-se Matéria, que em 2007 criou o Bloco da Capoeira e foi um dos articuladores do Ouro Negro - política pública que, desde 2008, possibilita a presença dos afros, afoxés, blocos de samba e de reggae no Carnaval.

O maestro Ubiratan Marques vai além e afirma que não existiria axé music sem os blocos afro, que, por sua vez, estão diretamente ligados aos terreiros de candomblé. “O samba, o ijexá, o maracatu, todos esses ritmos têm origem nos terreiros“, reforça, destacando que a palavra axé é de origem iorubá e muito significativa para o povo de santo. Depois da passagem pela Banda Reflexu’s , ele seguiu fazendo arranjos e tocando com muitos artistas locais e nacionais, mas destaca uma tríade que considera essencial para a cena: Mateus Aleluia, Lazzo e Gerônimo. “Eles trazem outros fundamentos para a música baiana”.

Gerônimo, por exemplo, incorporou elementos da salsa, do merengue e da lambada e ainda em 1987 escreveu Eu Sou Negão (Macuxi Muita Onda), a música que narrou a tensão entre o bloco de trio e os afros, que vem sendo ressignificada ao longo destes 40 anos pela disputa de espaço: “E aí chegaram os negros com toda sua beleza, com toda sua cultura, com sua tradição, com toda sua religião, tentada, motivada a ser mutilada pelos heróis brancos da história, e estamos aqui, eles sobreviveram”, diz um trecho da música.

Outro ritmo aparentado que sempre esteve na base da axé music foi o pagode, que a partir dos anos 2000 injetou força e suingue no movimento, dominando o Carnaval e emplacando hits Tem Xenhenhém (Psirico), Paredão Metralhadora (Banda Vingadora), Santinha (Léo Santana), Elas Gostam/Popa da Bunda (Psirico e Àttooxxá) e Abaixa Que é Tiro (Parangolé).

A Meca do axé

Se tem um consenso em torno da axé music é a atuação fundamental do produtor e empresário Wesley Rangel (1950-2016), o nome por trás do estúdio WR. Empreendedor e com grande feeling musical, ele abriu o estúdio em 1975, para gravar spots comerciais. Nos anos 1980, adquiriu um gravador de 16 canais e passou a gravar trabalhos de artistas da cidade, muitos acompanhados pela banda Acordes Verdes.

“Como nós não éramos uma gravadora, éramos só um estúdio de gravação, nós tínhamos que investir no artista para firmar o mercado”, disse Rangel, em depoimento para o filme Axé: Canto do Povo de um Lugar, de Chico Kertész. E assim foi, com o estúdio ganhando força e gravando todos os álbuns da fase inicial da axé music e muitos de outros momentos, além de artistas do rock, do reggae e quem passava pela cidade.

Em 1988, já com uma mesa de 24 canais, o WR se mudou para a Garibaldi, onde ainda funciona. Rangel costumava brincar e dizer que era o ‘parteiro’ da axé music: “Todos os filhos do axé passaram por mim, de alguma forma: ou eu produzindo, ou eu gravando ou orientando”, disse, sem falsa modéstia. O que vale para Luiz caldas, Timbalada, Chiclete com Banana, Reflexu’s , Olodum, Terra Samba, Ara ketu, É o Tchan, As Meninas e Babado Novo.

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axé music disco luiz caldas Magia

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