TRADIÇÃO
Editora de A Tarde conta a emoção de celebrar os 50 anos do Ilê Aiyê
Pioneiro na exaltação da negritude no Carnaval, bloco atravessa gerações com sua força
Por Meire Oliveira
Sair no Ilê Aiyê é, antes de qualquer coisa, afirmação. Somos lindos e com capacidade de chegar onde quisermos assim com a pele preta, cabelo crespo, olhos pretos, lábios grossos, nariz achatado. Quando se acredita em algo, convencer é mais fácil. Para chegar na passarela do “Campo Grande – onde a via é larga e é possível dançar com mais liberdade e espaço – os integrantes da realeza negra ainda enfrentam a subida da ladeira, o calor e o aperto da multidão, mas contando com a proteção da nossa religiosidade de matriz africana, ao lado de quem também quer chegar lá e com o som dos tambores e clarins marcando o ritmo do coração e dos nossos passos no chão, a desenvoltura desse bailado é mais potente e segura.
O bloco afro – que ensina isso há 50 anos– ratificou o comprometimento com o propósito de continuar sendo nossa casa no mundo, fazer dele um espaço mais justo e, assim, um ambiente melhor para a humanidade. Para isso, tem sido necessária uma postura insistente e resistente como afirma o tema do primeiro bloco afro do Brasil: “Vovô e Popó, com as bênçãos de Mãe Hilda Jitolu. A invenção do bloco afro. Ah se não fosse o Ilê”.
A vanguarda traz a maturidade de saber como falar e a forma mais assertiva de agir para o que cada contexto social exige. Dessa vez, destacando a responsabilidade que assumiu, em novembro 1974, e celebrando a união e coragem de abrir o caminho na criação de uma rede que só cresce. Diversa em perspectivas de atuação, no entanto, mas unânime no entendimento sobre o foco único de luta por direitos.
Confirmação
E esse pacto explícito foi firmado mais uma vez. O espaço mais concorrido do sábado de Carnaval de Salvador estava ainda mais disputado. Tem gente que só aparece ali uma vez a cada ano, tem também quem estava estreando na cerimônia, há quem não abre mão de ter sempre o mesmo ângulo de observação e ocupa o mesmo pedaço de chão sempre, outros estavam ali por exigência do ofício.
Os perfis são variados, mas todos validam aquele ato a partir do reconhecimento da necessidade da ação coletiva. Dos que viram “palha com barro virar concreto”, na letra Filhos do Barro Preto (Rita Mota) até quem estava processando a imensidão de tudo que foi criado ao longo da trajetória de meio século. É como se fosse um dia em que um grande grupo de amigos marca hora e dia para se encontrar.
Mas não era só a multidão que tinha crescido para testemunhar mais essa renovação de votos. Aumentou também a vontade de festejar o direito de lutar, o ato de celebrar pelo viés estético que é uma das marcas do legado da entidade nascido no Curuzu e com impactos pelo mundo. Era o mesmo cenário, eram as mesmas cores com destaque para o uso da tonalidade do Jubileu de Ouro que estava mais forte em tudo: nos acessórios, na roupa e no brilho do olhar. A energia do ambiente também era áurea
O rito religioso sob o comando de mãe Hildelice Benta dos Santos– ialorixá do Ilê Axé Jitolu– também obedeceu a tradição no modo de fazer. O caminho para mais um desfile foi aberto com pipoca, chamada de “a flor do Velho” – relacionada às divindades com Kavungo, Sakpata e Azoany, Omolu e Obaluaê, das nações angola, jeje e ketu, respectivamente –, o milho branco de Oxalá e a soltura de pombos.
Mas a emoção era diferente. Além da felicidade de mais uma vez fazer parte do momento de anúncio de que estamos prontos para continuar exigindo e criando estratégias para o que queremos alcançar, o marco do meio século de história também deixou mais forte o sentimento de orgulho do que foi feito até aqui, a lembrança dos que criaram e pavimentaram essas rotas antes da gente– e continuam nos orientando no patamar da ancestralidade– e a presença e força da nossa fé nos orixás, inquices e voduns que nos guiam e protegem. O Mais Belo dos Belos será sempre esse farol, mas “jamais se curvem. Este é o regulamento. O Ilê lhe ensinou isso, você tem discernimento” (Filhos do Barro Preto).
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