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ESTREIA

Crítica: Filme baiano "Receba!" traz trama policial que se passa no submundo soturno de Salvador

O filme é uma adaptação do livro ‘A Guerra dos Bastardos’, da escritora carioca Ana Paula Maia

Por Rafael Carvalho | Crítico de cinema

27/10/2024 - 8:30 h
Na trama, uma bolsa com conteúdo ilegal cai nas mãos erradas, gerando uma caçada entre tiras e criminosos
Na trama, uma bolsa com conteúdo ilegal cai nas mãos erradas, gerando uma caçada entre tiras e criminosos -

Das expressões idiomáticas populares ditas em terras baianas, a interjeição “receba!” pode ser entendido como um “bem feito”, “viu só” ou “aprenda a lição”. Receba! é também o título do filme baiano dirigido por Rodrigo Luna e Pedro Perazzo, já em cartaz nos cinemas brasileiros. Engana-se quem pensa encontrar um filme caricato sobre personagens locais exóticos.

>>> Veja onde assistir ao filme em Salvador

Trata-se de uma trama policial baseada no livro A Guerra dos Bastardos, da carioca Ana Paula Maia. Adaptado para o cenário soteropolitano, o filme ganha ares regionais, mas preserva o traço da criminalidade e do ambiente sujo do underground urbano. A história acompanha a caçada por uma bolsa com conteúdo ilegal e valioso. Inicialmente, Amadeu (Daniel Farias), um ex-ator pornô, é quem encontra a bolsa e não pensa duas vezes em pegá-la e fugir com ela.

Ele e sua namorada, a boxeadora Gina (Edvana Carvalho), precisam muito do dinheiro para se livrarem de outros esquemas escusos, mas ficam no encalço da dupla de policiais corruptos (vividos por Evelin Buchegger e Jackson Costa) a mando do figurão poderoso (Narcival Rubens), dono daquele conteúdo. Depois que Amadeu some nessa caçada, Gina tem que encontrar o paradeiro da tal bolsa.

“Quando a gente ambienta o livro em Salvador, acabamos absorvendo a forma como a gente enxerga a cidade e a Bahia, o jeito de ser das pessoas e daqueles personagens inseridos nesse contexto. E tem também um elemento do humor soteropolitano, que é trabalhar com situações tão absurdas que se tornam engraçadas”, afirmou Perazzo, em conversa com A TARDE.

Os diretores também contaram que a intenção não era criar um retrato exagerado da forma de falar e das gírias baianas, assim como evitar os lugares mais associados à paisagem vendável da cidade. “A única imagem de mar que aparece no filme é um mar plotado na parede da academia”, relembrou Luna. “Ao mesmo tempo, as pessoas reconhecem os cenários vistos no filme como sendo de Salvador, mesmo distante dos pontos turísticos”, destacou o diretor.

Noir à luz do dia

Outra marca precisa de Receba! é que não se trata de um filme policial com cenas de grandes perseguições, ritmo apressado e montagem acelerada.

Ao contrário, a narrativa tem um compasso mais cadenciado, o que acentua a tensão dos acontecimentos e dos passos errantes que os vários personagens dão seguindo o rastro do dinheiro – além de reavivarem rancores do passado.

“Na escrita do roteiro, a maior mudança que fizemos em relação ao livro é de tom. A literatura de Ana Paula Maia é mais seca, os personagens são mais brutos, e a gente foi por um caminho menos gráfico e violento, um pouco mais irônico também. É como se o livro fosse mais Tarantino e o filme mais irmãos Coen. Queríamos algo mais absurdo, na linha de Fargo”, destacou Perazzo.

É bem evidente no longa baiano a referência ao cinema dos Coen e a essa que é uma de suas obras mais celebradas. Ao tomar este caminho, Receba! prefere não apressar as situações, mas moldar melhor os personagens. As intenções e anseios de cada um ficam claros para o espectador, mesmo que mudem no decorrer da narrativa.

Os diretores contaram também que preferiram filmar uma Salvador diurna, diferente dos filmes do gênero, costumeiramente ambientados à noite. “A gente queria fazer mais um filme policial do que um filme de ação. É uma espécie de cinema noir, mais esculhambado e de dia. A gente quer emplacar essa definição. Nos interessa mais o suspense da cena do que a ação propriamente”, observou Luna. “É como se a cidade fosse perigosa até para quem é do crime”, complementou Perazzo.

Protagonismo

As limitações orçamentárias também não permitiam fazer um filme com muita pirotecnia, o que acabou favorecendo outras chaves de encenação, especialmente com atenção dramática recaindo sobre os atores, a maioria deles vindos da cena teatral de Salvador.

Gina, a personagem de Edvana Carvalho, abre o filme, sai de cena um pouco, mas da metade em diante ela assume de fato o protagonismo da história. Também uma ex-atriz pornô, assim como o namorado, ela busca se reinventar no esporte, mas o passado sempre volta para assombrá-la, na medida em que essa misteriosa bolsa passa a representar uma oportunidade de refazer a vida.

Edvana, que também conversou com A TARDE e que passa por um momento muito frutífero na carreira, depois de ter se tornado mais conhecida do grande público ao viver Inácia na nova versão da novela Renascer, falou sobre a personagem: “A Gina foi um presente bem gostoso, porque é uma personagem bem diferente das coisas que eu já fiz. Ela é realmente uma mulher fugindo do seu passado, querendo um presente diferente, mas esse presente também está bem enroscado”.

Gina funciona como uma espécie de bússola moral diante de um universo tão sujo e corrupto ao redor. “No meio de tudo isso, ela consegue ter dignidade, ética, mesmo no contexto bem louco em que ela vive. É uma mulher forte e a gente precisa de protagonistas femininas fortes no cinema brasileiro”, pontuou a atriz.

Edvana destacou também a importância de protagonizar um filme com uma personagem negra de meia idade, relacionando-se com um rapaz mais jovem que ela (o que faz conexão com a peça de teatro que ela apresenta atualmente na capital baiana, Aos 50 – Quem me Aguenta?).

“Todos os personagens têm um pouco da gente, em alguma situação, algum trejeito, a gente procura muito vestir a pele da personagem. Fazer personagens 50+ é muito importante porque a gente vive numa sociedade etarista. A população brasileira está envelhecendo, mas de forma diferente do que nossas avós e mães envelheciam”, arrematou a atriz.

Com isso, Edvana acrescenta mais uma mulher de personalidade forte na sua filmografia. Com um potencial popular e uma construção narrativa madura e precisa – ainda que seja o longa de estreia de Perazzo e o segundo de Luna, que já havia feito o documentário Ridículos – Receba! é também um ponto fora da curva dentro da cinematografia baiana, arriscando no cinema de gênero, mas produzindo algo com a nossa cara e sotaque.

Receba! / Dir.: Pedro Perazzo e Rodrigo Luna / Com Edvana Carvalho, Jackson Costa, Evelin Buchegger, Daniel Farias e Leandro Villa / Salas e horários: cinema.atarde.com.br

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