GRÁTIS!
Jimú e o Universo Ancestral tem estreias em Itaparica e Salvador
Após as exibições, o curta ficará disponível ainda por 24 horas no canal do YouTube do projeto
Por Maria Raquel Brito*

Das águas tranquilas e cristalinas que lhe rendem o título de Caribe baiano às fortes manifestações históricas e culturais, a Ilha de Itaparica é um dos pontos mais emblemáticos da Bahia. E é também nesse cenário que se desenrolam as descobertas vividas pela curiosa garotinha Jimú: após receber um chamado ancestral, ela embarca em uma jornada mágica para desvendar os mistérios da espiritualidade, da vida e da morte. Os resultados dessa aventura estão no curta-metragem Jimú e o Universo Ancestral, que estreia hoje, às 15h30, na Biblioteca Juracy Magalhães Jr, em Itaparica.
Na quinta-feira (8), é a vez de Salvador, que recebe uma sessão gratuita às 16h, na Sala Walter da Silveira (Biblioteca dos Barris).
Após as exibições, o curta ficará disponível ainda por 24 horas no canal do YouTube do projeto, chamado Universo Jimú. Na versão on-line, a animação conta com acessibilidade em libras, audiodescrição e legenda em inglês.
No curta, o público acompanha o modo que a infância e os mistérios da ancestralidade se entrelaçam. É, de fato, uma jornada de crescimento para Jimú, que se depara com desafios que transcendem sua compreensão infantil ao lidar com temas como espiritualidade, a passagem para a vida adulta e o significado da morte. Com a ajuda de Giã, seu pai e líder espiritual da comunidade, de sua mãe Yaiá e da afetuosa Dona Mariinha, uma católica que representa o respeito entre religiões, Jimú descobre que sua fome é muito mais do que um desejo físico. A jornada da protagonista também conversa com a misteriosa Criatura, uma figura enigmática que guarda segredos fundamentais para o crescimento de Jimú.
O curta, produzido pela Mirabolante Studios, tem como base o livro Jimú - Memória das Águas, da escritora e artista visual itaparicana Aislane Nobre. Na adaptação audiovisual, vemos uma fusão de duas histórias presentes no livro, feita com o objetivo de revelar a transformação de Jimú de uma criança inquieta a uma mulher forte e enraizada.
A obra nasceu durante a pandemia, fruto das histórias que dona Edith, ou Ditinha, tia de Aislane, sempre contava para ela. Para Aislane, que cresceu ouvindo as memórias e visões da tia e lendo contos, o desejo de compartilhar as lembranças da família com o mundo era antigo, e tomou forma como e-book em 2021, a partir do primeiro edital da Lei Aldir Blanc.
“Durante a pandemia, eu fiquei quase dois anos sem ir à Ilha de Itaparica, porque eu tinha muito medo de contaminar minha avó. Com saudade das histórias da minha tia, eu pedia a ela para me contar pelo WhatsApp. Nisso, eu fui registrando, e quando saiu o edital, eu escrevi a proposta de um livro. Foi a primeira vez que eu parei para transformar essas crônicas, que são reais, mas eu decidi tornar ficção. As histórias foram escritas pela nossa família”, conta.
Quanto à cidade onde as aventuras aconteceriam, não houve dúvida: tinha que ser em Itaparica, onde estão as memórias de sua tia e da infância de Aislane. A primeira sessão também não poderia acontecer em outro lugar que não fosse a sua casa do coração. Segundo a autora, a arte sempre foi um fortalecimento de histórias, e sua meta é retribuir a sua comunidade com ainda mais arte.
“Todos os projetos que eu faço, eu sempre faço pensando em levar para essa área. Sou enraizada em um local. É onde a minha família está, onde nós nascemos. Hoje eu moro em Salvador por conta da universidade e do trabalho, mas Itaparica é sempre o meu lugar de retorno, onde estão os meus sonhos. Quando eu saí, foi para que pudesse me formar e voltar lá para contribuir com a comunidade”, afirma.
Ao se debruçar sobre o livro, a personagem principal surgiu naturalmente para Aislane, com base em sua tia Ditinha e nela mesma – mesmo que inconscientemente.
“Eu acho que a personagem é a mistura de nós duas. Ela foi inspirada em minha tia, mas as nossas memórias se mesclaram. As histórias que ela me contava se juntaram com as minhas lembranças, e tem muito de mim em Jimú. Há uma coisa muito curiosa: o nome da personagem é por causa de uma qualidade de Oxum, chamada Jimú, ou Ajimú. Eu achava que essa qualidade era a da Oxum de minha tia, que é iniciada e filha de Oxum, mas depois descobri que é da minha”, conta.
Em 2024, veio outro marco: conseguiu, agora pelos Editais da Paulo Gustavo Bahia, não apenas uma versão física do livro, mas também a adaptação audiovisual, projeto no qual embarcou ao lado da produtora Mirabolante Studios. Fez a proposta para Andreia Silva, que lidera o estúdio ao lado de Lucas Morassi e André Luis Silva e estudou com Aislane na faculdade, e o aceite veio prontamente.
“O universo criado por Aislane Nobre possui uma riqueza simbólica imensa, conectando memórias pessoais, tradições culturais e uma abordagem poética do pertencimento e da identidade. Para a Mirabolante Studios, foi um convite irresistível transformar essa história em imagens e movimentos que respeitassem essa profundidade e, ao mesmo tempo, despertassem o encantamento no público”, observa André Luis.
Animando Jimú
Construir o curta-metragem foi um processo desafiador e cuidadoso, como define André Luis. Segundo ele, o objetivo era transpor a essência da narrativa para o audiovisual, sem perder de vista o respeito pelas raízes historiográficas e culturais presentes no livro de Aislane Nobre, mas propondo uma nova linguagem visual.
“Buscamos criar um universo fantástico que combinasse animação tradicional com técnicas de motion graphics, para reforçar o caráter experimental do projeto. Em todas as etapas — da concepção de personagens e cenários à animação em si — tivemos o compromisso de preservar a ancestralidade como eixo central, ao mesmo tempo em que propusemos uma estética acessível, envolvente e capaz de dialogar com públicos diversos”, conta.
Para garantir que a estética e a narrativa estavam acessíveis, houve um primeiro passo muito importante para esse processo: trazer crianças para participar da produção, de forma a entender como o público infantojuvenil se relaciona com o universo proposto. A ideia foi de Aislane, que queria ouvir as opiniões do público direto da obra e, assim, sugeriu que cinco crianças e adolescentes, todos primos ou sobrinhos dela, acompanhassem a construção do filme e pudessem dizer o que achavam.
As crianças participaram também de uma oficina de ilustração. Como resultado, em reconhecimento ao protagonismo infantil nesse percurso, desenhos criados por elas durante as oficinas foram discretamente incorporados em alguns cenários do filme.
“Para nós, o encontro com as crianças e jovens foi uma maneira de democratizar o acesso aos bastidores da criação artística e, ao mesmo tempo, colher impressões genuínas sobre o universo de Jimú. O olhar delas trouxe frescor, espontaneidade e novas camadas de significados para o nosso trabalho. A oficina não só inspirou elementos visuais do curta, como reforçou a importância de mantermos viva a troca entre arte, formação e comunidade”, afirma André.
No curta, o protagonismo das palavras dá lugar ao som. Sem diálogos, o filme foca nos gestos, expressões e sonoridade para dar vida às aventuras e emoções de Jimú, das memórias aos mistérios de sua jornada. Quem ficou responsável pela mágica dessa adaptação foi Herison Pedro, do Ofò Laboratório Sonoro, que assumiu a direção de som, desenho de som e mixagem.
“Conversando sobre a narrativa sonora da obra com nossa diretora e equipe de animação, chegamos na ideia de não ter diálogos vocalizados e deixar os gestos e expressões comunicarem durante os atos dos personagens, isso tornou a tarefa de sonorizar mais complexa, uma vez que se prioriza mais os sons ambientes, cartoons e foleys [sonoplastia]”, diz Herison.
A ancestralidade narrada na obra também se faz fortemente presente na musicalidade do curta. Herison conta que a equipe já tinha em mente o gênero musical a ser trabalhado: os toques executados no culto aos ancestrais Egunguns, divindades que representam a continuidade da vida através da espiritualidade.
“A construção melódica surge através do entendimento sobre a ancestralidade de nossa diretora, Aislane Nobre, uma vez que seu avô, em vida, foi consagrado ao orixá Oxalá, atualmente ancestral, se mantém consagrado para Oxalá também. A partir disso, a melodia se refere a um cântico específico para o Babá Egun de Oxalá. Isso foi algo imprescindível para o filme, tanto que a faixa musical foi inserida nos créditos finais, onde aparece um caracol, animal que simboliza o orixá Oxalá”, detalha.
‘Jimú e o Universo Ancestral’ - uma animação de Aislane Nobre / Hoje, 15h30 / Biblioteca Juracy Magalhães Jr. (Itaparica) / Em Salvador: quinta-feira (8), 15h30 / Sala Walter da Silveira (Biblioteca dos Barris) / Entrada gratuita
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes