CINEMA
‘O Aprendiz’ traz a ascensão política de Donald Trump
Donald Trump está no epicentro das eleições presidenciais norte-americanas
Por Rafael Carvalho
Figura política controversa, Donald Trump está no epicentro das eleições presidenciais norte-americanas, atualmente com uma pequena desvantagem para sua concorrente Democrata Kamala Harris. É o momento ideal para o lançamento de O Aprendiz, filme de Ali Abbasi que lança luz sobre o então jovem empresário em início de carreira, muito antes de se tornar presidente dos Estados Unidos.
Para quem esperava um retrato agudo ou puramente caricato, O Aprendiz é muito mais sagaz ao equilibrar uma história de ascensão no campo político com algum comentário sobre a postura conservadora, agressiva e discutível que ele demonstra nos negócios e na vida pessoal. Ou melhor, que ele passou a assumir na trajetória rumo ao posto mais alto da administração pública dos Estados Unidos.
O filme tem início nos anos 1970, quando Trump trabalhava junto com o pai no ramo imobiliário da família, e a empresa enfrentava problemas indenizatórios sérios com o governo norte-americano. O jovem Donald cria coragem para buscar o apoio de Roy Cohn, temido advogado em Nova York, famoso por conseguir reverter causas difíceis, usando meios pouco ortodoxos, para não dizer escusos.
O rapaz tímido, mas obstinado, e de família rica cai nas graças de Cohn, ainda que tratado como um calouro despreparado e ainda ingênuo para as armações articuladas com as brechas da lei e os apadrinhamentos certos. É a partir da relação entre os dois que o filme faz ver o homem duro e enérgico que Trump se tornou, fazendo negócios com mãos de ferro e zero empatia.
Os agressivos métodos de Cohn são facilmente reconhecíveis na postura que Trump assumiu já há algum tempo. “Atacar, atacar, atacar” ou “Não admita nunca a derrota” são alguns dos principais ensinamentos que o advogado não apenas verbaliza, mas demonstra na sua conduta profissional e que ajudam a tirar a família Trump do impasse financeiro.
Vivido por Sebastian Stan, o Trump do filme tem trejeitos reconhecíveis do homem real – menos a expressão carrancuda dos dias atuais –, sem nunca oferecer uma composição exagerada da figura midiatizada que conhecemos. Ele está ótimo no papel, mas quem impressiona mesmo é Jeremy Strong (Succession) como o advogado inescrupuloso que se impõe enquanto grande mentor de Trump.
Quem quer ser presidente?
O Aprendiz não lida necessariamente com as pretensões ou anseios de Trump em se tornar presidente – vislumbramos apenas uma citação rápida em que ele brinca com essa possibilidade futura – e também por ainda ser muito jovem naquele momento. Mas é impossível assistir ao filme e não pensar no chefe de estado conservador e intransigente que ele foi no seu mandato e continua sendo como figura política pública.
Abbasi filma uma Nova York suja, corrompida e pouco acolhedora, fotografada com uma granulação que remete ao cinema policial dos anos 1970. A virada para a década seguinte faz entrar em cena o governo de Ronald Reagan e a política norte-americana torna-se ainda mais aberta aos anseios republicanos. A diminuição dos impostos e a pouca regulamentação para as grandes empresas facilitam a via neoliberal, onda em que Trump vai surfar com a expertise adquirida ao longo dos anos.
No campo pessoal, sua frieza acentua-se cada vez mais. O filme retrata a aproximação e seu primeiro casamento com a imigrante tcheca Ivana (Maria Bakalova). Mesmo vislumbrando um interesse amoroso genuíno entre os dois em um primeiro momento, o matrimônio é intermediado como se fosse apenas mais um negócio a ser fechado e administrado por ele.
O distanciamento para com o irmão depressivo e a desonestidade com que trata o pai quando este fica mais velho e deixa nas mãos do filho “exemplar” os negócios da família revelam o indivíduo egocêntrico e desleal que ele se tornou. Nem mesmo Cohn vai se ver livre desse tratamento no final do filme, quando passa por um revés de saúde e os papeis se invertem cruelmente entre os dois.
É curioso que O Aprendiz seja dirigido por um cineasta com obras tão díspares na carreira (antes de filmar o caso de um serial killer iraniano em Holy Spider, Abbasi fez o insólito Border, sobre um homem de olfato aguçado e certos toques fantásticos). Nascido no Irã, mas radicado na Dinamarca, ele carrega a “vantagem” de ser um estrangeiro nos Estados Unidos, o que lhe dotaria de um olhar externo sobre a política norte-americana e a própria figura de Donald Trump, a partir dos ódios e paixões que ele suscita. Sabemos bem de que lado o filme está, mas não deixa de apostar em um retrato sincero e corrosivo do homem de poder. Sua biografia fala por si só.
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