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Poderoso documentário, Trilha Sonora para um Golpe de Estado investiga vasto material

Acordes dissonantes no coração da África

Por Rafael Carvalho - Especial para A TARDE

02/02/2025 - 0:30 h
Imagem ilustrativa da imagem Poderoso documentário, Trilha Sonora para um Golpe de Estado investiga vasto material
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É largamente sabido que, depois da II Guerra Mundial, dividido entre os blocos capitalista e comunista, o mundo tornou-se um caldeirão em ebulição política, tendo como pólos inimigos os Estados Unidos e a União Soviética. Muito se fala sobre como ambas as potências tentavam exercer sua influência político-econômica e cultural nos demais países, mas pouco se investiga sobre como o continente africano foi afetado pela Guerra Fria em pormenores mais complexos no contexto das lutas de independência que se espalharam pela África.

Com Trilha Sonora para um Golpe de Estado, o cineasta belga Johan Grimonprez, de posse de farto material de arquivo, desenvolve um estudo robusto na tentativa de estabelecer uma relação entre a música negra nascida nos rincões norte-americanos, o jazz, com o colonialismo na África, mais especificamente no país hoje conhecido como República Democrática do Congo.

Um ponto de partida seria a invasão da Casa Branca, em 1961, pelos músicos Abbey Lincoln e Max Roach, a fim de denunciar e chamar a atenção do mundo para a morte do revolucionário e líder político do Congo, Patrice Lumumba, em janeiro daquele ano. Mas esse é o ponto de chegada do filme já que, antes disso, Grimonprez costura toda uma rede de interconexões a fim de revelar como a morte de Lumumba foi planejada e executada pelos poderosos imperialistas, diante das disputas políticas em coalizão ali.

Indicado ao Oscar de Melhor Documentário, o filme é um verdadeiro petardo político com sua verve irônica e também incisiva sobre o que se passava por debaixo dos panos naquele momento e que, apenas no recuo histórico, foi possível compreender, até mesmo pelo acesso aos documentos e depoimentos que se tem hoje.

A propagação da produção cultural norte-americana sempre foi tratada como uma arma imprescindível para o avanço da ideologia capitalista. Isso incluía os músicos negros do jazz, usados como elementos de uma suposta integração racial, a exemplo de Nina Simone, Duke Ellington e Thelonious Monk, mandados para se apresentar em diversos lugares do mundo (especialmente aqueles em conflito). Mas o caso de Louis Armstrong é mais emblemático, ele que foi apelidado como “Embaixador do Amor” e enviado para o Congo em 1960 – pouco antes da morte de Lumumba – enquanto o país africano enfrentava uma dura guerra civil.

Caldeirão em ebulição

Nesse momento, Lumumba já era um líder reconhecido, tendo sido eleito primeiro-ministro de uma República Democrática do Congo recém-independente da Bélgica, conquista conseguida com muito esforço diplomático e sangue derramado nas ruas. Mas sua postura de enfrentamento e suas ideias de autonomia para o país – especialmente em relação à exploração do urânio, matéria-prima essencial para a fabricação de bombas atômicas – não eram exatamente aquilo que os líderes europeus imaginavam para um país africano dito livre, porém ainda controlado por mandatários fantoches e subservientes.

A partir de uma pesquisa realmente consistente, Trilha Sonora para um Golpe de Estado joga o espectador nesse ambiente de embates políticos e tramas convergentes que envolvem muitos sujeitos e dados históricos, arregimentados aqui tal qual uma longa, mas cruel jam session de horrores perpetrados contra a democracia e a liberdade que vai sendo costurada diante do espectador.

De um lado, a onipotência dos Estados Unidos à frente do bloco capitalista, movendo as cordas do jogo de poder em prol de sua supremacia política mundial; ao seu lado, os belgas, com suas forças imperialistas, não queriam dar o Congo de mãos beijadas, depois de tanto explorarem a região e massacrarem sua população, desde a época do sádico imperador Leopoldo II.

Os soviéticos, na pessoa de Nikita Kruschev, apoiavam Lumumba e as lutas de independência africanas, não necessariamente por ideais idôneos, antes como forma de confrontar o bloco capitalista. À eles, se juntava o ideário cubano, encarnado na figura de um jovial Fidel Castro, encabeçando a ideologia comunista na América Latina, nas barbas dos Estados Unidos.

As famosas assembleias da Organização das Nações Unidas (ONU), àquela época muito mais relevantes diante dos impasses diplomáticos no mundo todo, tornavam-se palcos de encontros e debates cujas contradições e intenções escusas o filme tenta desvelar. Utiliza para isso não apenas entrevistas e falas dos políticos, músicos e ativistas envolvidos nas discussões colonialistas, mas também trechos de livros, matérias jornalísticas e ensaios produzidos à época ou sobre aquele período de efervescência.

Compasso jazzístico

É de fato um trabalho magno cruzar diversas informações com tantos pormenores, opiniões e dados históricos nesse quebra-cabeças de intrigas e, sem meias palavras aqui, conspirações assassinas que tornam o caso de Lumumba um dos grandes exemplos de intervenção direta dos Estados Unidos na política externa africana, mas longe de ser o único no contexto das lutas pan-africanistas.

O cineasta e seu montador, Rik Chaubet, pegam emprestado o ritmo e a cadência musical do jazz para dar forma à própria narrativa do filme. Tal compasso é onipresente na trama, não apenas como música de fundo, mas também embala o jogo de montagem e associação entre os diversos materiais e discursos que se embaralham no tecido político – é especialmente notável o que se faz aqui em termos de desenho e mixagem de som.

Impressiona como o filme consegue sustentar uma narrativa tão vivaz em um documentário de 2h30 de duração. Trata-se de algo realmente vibrante em termos formais, ao mesmo tempo em que somos levados a atestar os lances de uma conspiração imperialista suja e pesada, com tantas provas cabais.

Entre acordes e batidas dissonantes, a história dos massacres coloniais ganha toques inebriantes de suingue e dor.

Trilha Sonora para um Golpe de Estado (Soundtrack to a Coup d'Etat) / Dir.: Johan Grimonprez / Com Malcolm X, Louis Armstrong, Thelonious Monk, Dizzy Gillespie, John Coltrane, Abbey Lincoln, Max Roach, Nina Simone / Salas e horários: cinema.atarde.com.b

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