CINEINSITE
Veja novo filme de Clint Eastwood, ainda em plena forma artística aos 94 anos
Lançado diretamente no streaming da Max, ‘Jurado Nº 2’ confronta o protagonista com um dilema moral
Por Rafael Carvalho - Especial para A TARDE
Aos 94 anos, Clint Eastwood já podia muito bem estar aposentado – não só pela idade avançada, mas por ter legado ao cinema uma carreira já clássica e recheada de obras-primas. É o tipo de cineasta que não precisa provar mais nada a ninguém, mas segue fazendo seu cinema autoral, fiel aos preceitos da narrativa clássica, interessado em retratar o homem norte-americano contemporâneo diante das instituições sociais e políticas de seu tempo.
O personagem da vez é o jornalista Justin Kemp (Nicolas Hoult), protagonista de Jurado Nº 2, que estreou diretamente no streaming da Max. Ele aguarda o nascimento da sua primeira filha e, poucos meses antes do parto, é convocado para participar de um júri popular na corte de justiça do Estado da Geórgia.
Trata-se do assassinato de uma jovem cujo corpo foi encontrado embaixo de uma ponte com feridas fatais.
O suposto assassino e réu é o namorado da moça, já que na noite anterior eles foram vistos brigando intensamente em um bar. A moça deixou o local a pé, embaixo de chuva, e o rapaz a seguiu logo após de carro. Ninguém mais os viu depois disso e, no dia seguinte, encontraram a jovem morta.
O que Eastwood faz aqui é seguir pela melhor da tradição das histórias de tribunal, embora o que está em jogo não é apenas a resolução do crime julgado naquela corte. Isso porque, em determinado momento da apresentação dos detalhes do caso, Justin se dá conta de que ele mesmo estava naquele bar, exatamente naquela noite. E, mais que isso, saiu dali um tanto transtornado por problemas pessoais e atropelou alguma coisa que ele não viu o que era, mas que poderia ser a moça, já que foi exatamente próximo à ponte onde o corpo dela foi encontrado.
O filme nos mostra isso em flashback, mas é hábil em não revelar muitos detalhes nem a real causa da morte dela, o que planta também no espectador a dúvida sobre o que teria acontecido ali. Até mesmo o incidente de carro com Justin é visto de relance, sem ser conclusivo.
Dilema interior
A ideia de dilema moral já se fez presente muitas vezes nos filmes de Eastwood, a exemplo do mais recentes A Mula (em que um senhor de 90 anos, vivido pelo próprio diretor, precisava atravessar a estrada com um carregamento de drogas a mando de um cartel mexicano). Mas em Jurado Nº 2 o tema se torna muito mais direto e incisivo porque estamos inseridos em um ambiente de Justiça propriamente dita.
O julgamento do namorado da vítima parece fadado a um veredito inescapável: culpado. Mas Justin, diante das evidências que só ele sabe, busca persuadir seus parceiros de júri a analisar o caso com mais atenção, pois teme que o rapaz seja acusado injustamente, embora ele mesmo não queira confessar nada. Com isso, o filme se aproxima do clássico 12 Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet, sobre um jurado que tenta convencer todos os seus colegas a mudarem o veredito que tinham dado como certo.
A diferença aqui é a implicação do próprio jurado no caso, o que torna a coisa mais complexa. Além de não haver provas concretas contra o namorado da moça – mesmo que ele seja visto com um homem agressivo e possessivo –, há a suposição de que o próprio Justin tenha causado, acidentalmente, aquela morte.
Aí se dá toda a mistura de sentimentos e o remorso que corrói o protagonista. Além disso – e esse talvez seja o maior trunfo do filme –, ao se calar diante da descoberta de que ele mesmo está envolvido na situação, o personagem precisa confrontar sozinho a sua consciência de cidadão de bem, tendo apenas o espectador como cúmplice.
Isso nos aproxima dele à medida que o filme faz um belo estudo de personagem. Justin tem um temperamento tranquilo e afável, está construindo uma família, é amoroso com a companheira, enfim, um homem bom, mas que pode ter tirado a vida de alguém. Não demora muito para que fantasmas do passado venham rondá-lo, como um antigo vício em álcool que ele parece já ter superado, mas que pode se virar contra ele caso resolva abrir o jogo para se defender. Quem acreditaria nele?
A Justiça em xeque
Há ainda outras peças nesse quebra-cabeça moral. A promotora Faith Killebrew (Toni Collette) assume a sua posição de acusadora no caso e quer ver o réu condenado – ela também está em campanha para assumir um cargo mais alto na promotoria, o que coloca a sua confiabilidade e ética profissional também em jogo.
Mesmo que tenha relações de amizade com o advogado de defesa do réu (vivido por Chris Messina), ela busca desvendar a verdade por trás daquele crime. A esposa de Justin (Zoey Deutch) também acompanha o comportamento cada vez mais consternado e apreensivo do marido, intuindo que ele esconde algo.
Com todos esses dilemas na mesa, a trama de Jurado Nº 2 vai escalando para um estudo mais complexo sobre o sentido da Justiça, com maiúscula mesmo. Mais do que saber quem é o culpado, de fato, pelo crime, é perceber como cada indivíduo se porta diante das circunstâncias e das evidências que podem mudar o destino de si mesmos.
Ao colocar a moral desse homem contra a parede, Eastwood e seu roteirista Jonathan Abrams fazem um filme narrativamente muito cristalino, mas deixa para o espectador o real julgamento sobre os atos dos homens, até mesmo nos minutos finais, quando os confrontos parecem se tornar inescapáveis.
É uma pena que o filme tenha sido lançado diretamente no streaming e não tenha passado pelas salas de cinema. Merecia muito mais atenção e até maior reconhecimento na atual temporada de premiação. Porém, Eastwood demonstra ter mão ainda firme para escrutinar com competência a moral do homem norte-americano.
‘Jurado Nº 2 (Juror #2)’ / Dir. Clint Eastwood / Com Nicholas Hoult, Toni Collette, Chris Messina, Zoey Deutch, J.K. Simmons, Cedric Yarbrough / Disponível no MAX
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