O Mar é...
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A economia do mar deixou de ser um tema setorial para se tornar uma das chaves interpretativas do nosso tempo. Prestar atenção a ela não é um exercício de moda conceitual nem um desvio ambientalista: é reconhecer onde se reorganizam poder, riqueza, tecnologia e soberania no século XXI. O oceano, por muito tempo tratado como rota, fronteira distante ou simples depósito de recursos, converteu-se em infraestrutura central da civilização contemporânea.
Mais de quatro quintos do comércio mundial circulam por via marítima. Em um mundo fragmentado por guerras, sanções, tarifas, bloqueios e disputas tecnológicas, controlar portos, rotas, frotas, seguros, estaleiros e serviços marítimos significa controlar o metabolismo da economia global. O mar não é apenas meio; é sistema nervoso. Cada crise logística recente revelou isso com clareza: quando o mar falha, a economia para, a inflação sobe e a política treme ou entra em colapso.
A transição energética reforça esse papel. O futuro da energia passa, em larga medida, pelo oceano: eólica offshore, hidrogênio verde costeiro, eletrificação portuária, novos combustíveis marítimos e corredores de baixo carbono. Não se trata apenas de reduzir emissões, mas de redefinir a base material do capitalismo industrial. Quem domina essa transição domina cadeias produtivas inteiras, do aço ao fertilizante, do transporte à indústria pesada.
Há ainda a pressão estrutural sobre a terra. Recursos escasseiam, cidades saturam, conflitos agrários aumentam. O mar surge como nova fronteira produtiva: aquicultura, biotecnologia marinha, dados submarinos, cabos, sensores, pesquisa científica. Mas essa expansão não pode repetir a lógica extrativa que devastou continentes. A economia do mar moderna nasce indissociável da noção de limite, governança e valor do capital natural.
Esse ponto é decisivo. Os oceanos regulam o clima, absorvem carbono, protegem costas, sustentam biodiversidade e garantem segurança alimentar. Quando degradados, não produzem apenas dano ambiental, mas prejuízo econômico sistêmico: seguros encarecem, infraestruturas colapsam, populações costeiras migram, Estados gastam mais para remediar do que teriam para prevenir. A economia do mar incorpora, enfim, o custo do invisível.
Tudo isso exige direito, regulação e inteligência institucional. Direito do mar, ambiental, portuário, securitário, financeiro e internacional passam a definir quem pode explorar, como, em que ritmo e sob quais responsabilidades. O poder, aqui, não é apenas militar ou comercial; é normativo. Quem escreve regras, certificações e padrões escreve o futuro.
Para países com grandes zonas marítimas, como o Brasil, ignorar a economia do mar é abdicar de soberania. A chamada Amazônia Azul concentra energia, alimentos, logística, ciência e projeção internacional. Olhar para o mar, hoje, não é romantismo geográfico: é realismo estratégico. O século XXI será marítimo não por escolha ideológica, mas por necessidade histórica. Quem entender isso cedo terá vantagem. Quem ignorar, pagará o preço.
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