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‘País tem potencial de grande exportador de créditos de carbono'

Erica Rusch, especialista em direito ambiental, membro do Núcleo de Sustentabilidade da ACB

Publicado terça-feira, 07 de junho de 2022 às 06:05 h | Autor: ACB Em Foco
Nesta Semana do Meio Ambiente, a coluna ACB em Foco publica uma série de materiais relacionados com a temática
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Para a advogada Erica Rusch, especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela PUC-SP e membro do Núcleo de Sustentabilidade da Associação Comercial da Bahia (ACB), com a progressiva regulamentação do mercado de carbono, o Brasil tem potencial de se tornar um grande exportador de créditos, pelas diversas origens de carbono no País. Também integrante do Conselho de Sustentabilidade da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Erica explica nesta entrevista como esse mercado promissor pode gerar sustentabilidade e desenvolvimento. 

Quais são as inovações do recente decreto de maio de 2022, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas? 

 Desde 2009, o ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os compromissos assumidos pelo País em convenções e protocolos, já engloba uma norma federal destinada especificamente à mitigação climática, notadamente a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei 12.187/2009). Contudo, até o início de 2022, o Brasil ainda carecia de regulamentação de possíveis planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas, bem como de um eventual sistema nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa. É objetivando suprir essa lacuna que o novo decreto sobre os Planos de Mitigação das Mudanças Climáticas inova. O Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), instituído pelo Decreto 11.075/2022, é a central de registro de transações relacionadas à agenda. Ou seja, projetos de mitigação de emissões, créditos de carbono e das transações resultantes. O Sinare também aceitará o registro de pegadas de carbono, de carbono de vegetação nativa, de carbono no solo, do carbono azul e de unidade de estoque de carbono. Os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas deverão estabelecer metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa, mensuráveis e verificáveis, consideradas as especificidades dos agentes setoriais. As metas observarão o objetivo de longo prazo de neutralidade climática informado na NDC (sigla em inglês de Contribuição Nacionalmente Determinada) e serão monitoradas por meio da apresentação de inventário de gases de efeito estufa periódicos dos agentes setoriais, a serem definidos nos respectivos Planos. A medida estabelece que compete aos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Economia (ME) e eventuais ministérios setoriais relacionados, quando houver, propor os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. Os Planos serão aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde.

Qual o papel das empresas para a mitigação das mudanças climáticas? 

Até o momento, a única meta de redução compulsória de emissões de gases de efeito estufa voltada para o setor privado brasileiro estava prescrita na Política Nacional de Biocombustíveis (Lei 13.576/2017). Ela prevê a obrigação específica do setor de distribuição de combustíveis fósseis de diminuir sua pegada de carbono. Isso é feito por meio da compra Créditos de Descarbonização: os CBIOs. Tratam-se de títulos representativos da diferença entre as emissões de carbono de combustíveis fósseis e as de biocombustíveis. A publicação do Decreto 11.075/2022 é um sinal de que os setores econômicos com metas compulsórias poderão ser ampliados. Em termos de deveres legalmente atribuídos às empresas, o Decreto 11.075/2022, em seu art. 12, estabelece que os setores envolvidos – energia elétrica, transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária – poderão apresentar, no prazo de 180 dias, contado da data de publicação do Decreto, prorrogável por igual período, suas proposições para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de gases de efeito estufa. O cumprimento dessas proposições será monitorado por meio da apresentação, pelos agentes setoriais, de inventários periódicos de gases de efeito estufa. Considerando critérios como categoria determinada de empresas e propriedades rurais, faturamento, níveis de emissão, características do setor econômico e região de localização do empreendimento, os planos poderão definir tratamento diferenciado. O papel fundamental do setor produtivo na mitigação das mudanças climáticas é confirmado pelo estudo Tax ESG, conduzido pela PWC com 120 executivos. Notadamente, o estudo aponta como estratégias a instituição de metas de descarbonização, seja pela via de zero emissão líquidas de carbono (netzero) ou redução de CO2. Também se defende como movimento nesta direção a inclusão dessas metas e compromissos nos planos de remuneração de altos executivos.

Quais são os próximos passos para termos regulamentado o mercado de carbono no Brasil? 

O decreto institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), já previsto na PNMC de 2009, como instrumento de cumprimento dos planos setoriais de mitigação por meio do comércio de créditos de carbono. No entanto, o decreto não estabelece um sistema “cap & trade”, utilizado pelos países onde o mercado de carbono está mais consolidado, onde as metas definidas pelo regulador são cumpridas com licenças de emissão e não somente com créditos de carbono. Ademais, o novo regramento ainda tem muitas questões em aberto, inclusive prazos, e não deixa clara a participação mandatória dos setores econômicos, se serão regulados pelo mercado ou se haverá consequências para o descumprimento das metas. A ausência da previsão de sanções para o descumprimento dessas metas ressoa as críticas comumente tecidas quanto aos acordos decorrentes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change ou UNFCCC). Ainda temos algumas lacunas que implicam desafios e incertezas para a execução efetiva de um mercado regulado. A criação de um mercado de carbono regulado via decreto pode implicar insegurança jurídica, já que pode ser facilmente alterado por vontade unilateral do Executivo federal, sem a necessidade de debate parlamentar e de consulta pública à sociedade. Um marco regulatório por decreto não possui a previsibilidade e estabilidade necessárias para incentivar os investimentos de longo prazo necessários ao processo de descarbonização e pode, inclusive, inibir as ações que já estão sendo feitas pelo setor produtivo. Já uma lei específica garante que o mercado regulado de carbono seja uma política de Estado e não de governo, com maior resiliência e a legitimidade do processo democrático de aprovação no Legislativo.

Quais são as perspectivas e tendências deste mercado? 

No mundo, há algumas iniciativas de mercado regulado de redução de emissões, tal como o EU Emissions Trade Scheme (“EU ETS”). No entanto, parte relevante dos créditos de carbono que circulam no mundo são oriundos de projetos, cujos créditos são emitidos por entidades certificadoras privadas: o marcado voluntário. O Brasil deu um passo à frente para implementar seu próprio mercado regulado. Isso pode transformar os créditos de carbono em ativo comercializável em bolsa de valores, como é o caso do CBIO. A dúvida que resta é se a “moeda” do mercado brasileiro de carbono será uma commodity transacionável internacionalmente. O ideal seria se o MBRE conversasse com o (“EU ETS”), de modo que uma unidade de descarbonização da Amazônia pudesse compensar emissões da indústria europeia. Apesar de seruma realidade distante, essa integração não é impossível de ocorrer. O estímulo à emissão de créditos de carbono, e sua comercialização, tende a se alavancar com a imposição de metas a serem cumpridas pelo setor privado. A regulação no mercado no Brasil, e sua integração posterior, e ideal, a um mercado internacional, pode significar grande impulso à economia verde pois o estímulo econômico estará dado.

Quais são as oportunidades globais para o futuro? 

Com a progressiva regulamentação do mercado de carbono no Brasil, o País tem o potencial de se tornar um grande exportador de créditos, dadas as diversas origens de carbono existentes aqui: floresta nativa e matriz energética altamente limpa e renovável. Estima o Environmental Defense Fund que a venda de créditos de carbono no Brasil pode gerar receitas líquidas de até US$ 72 bilhões até 2030. Além disso, o referido mercado é uma oportunidade para a geração de receita extraordinária para projetos que fomentem a economia verde, além de financiar o desenvolvimento de regiões ainda não industrializadas. 

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