Hegemonias maléficas
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Nada hegemônico me soa bem. No campo das ideias, na economia, na política, na cultura e nas artes, a falta de diversidade é um mal. No esporte então, quando a competitividade entre os participantes é uma das chaves para o sucesso de uma modalidade ou evento, um domínio absoluto pode significar uma perda de interesse enorme para fãs e consumidores. Há exceções, é claro, sobretudo quando uma dinastia é estabelecida majoritariamente pelo talento dos atletas envolvidos. Contudo, quando o que impera é o poderio econômico, esse desequilíbrio evoca em muitos uma sensação (real) de previsibilidade que prejudica bastante a maneira com a qual nos relacionamos com o esporte.
O domínio brasileiro últimos anos no futebol sul-americano de clubes é muito mais fruto desse desequilíbrio de forças econômicas do que do talento dos jogadores do país. Nossa economia é maior que as dos nossos vizinhos, nossa população também, e também produzimos atletas em maior quantidade, de onde, normalmente, deveria se extrair também mais qualidade. Em condições normais de temperatura e pressão, seria natural nos sobressairmos na região.
Mas não é o que acontece já há alguns anos no continente. Por uma série de fatores, o poderio financeiro de nossos clubes é muito desproporcional em relação aos adversários. Entendo que boa parte desses motivos é difícil de ser combatida, pois como já disse, origina-se de áreas que são anteriores à economia e à organização do futebol, como a modernização das leis que viabilizaram as SAFs no país ou a permissibilidade à proliferação das Bets, principais patrocinadoras da modalidade no Brasil. Contudo, a Conmebol, ao invés de potencializar essas diferenças como faz hoje, poderia trabalhar para minimizá-las um pouco.
Acho, por exemplo, exagerada a quantidade de vagas para clubes brasileiros na Libertadores (e na Sul-Americana, mas não vamos falar sobre isso hoje). Não bastasse a garantia mínima de sete times do país (dois na fase de pré-classificação), quase sempre temos uma ou duas equipes a mais no torneio pois invariavelmente somos favoritos para a conquista dos títulos, o que garante vagas extras na competição. Na Champions League, por exemplo, o máximo que pode se chegar é a cinco clubes de uma mesma nação. Uma melhor distribuição das vagas, com menos brasileiros, seria salutar à disputa.
Outro ponto importante seria trazer mais qualidade e poderio econômico para o torneio. Aqui entramos numa complexa importante discussão sobre tradição e territorialidade, mas vejo como uma boa estratégia expandir a Libertadores a todo continente americano, colocando no barco, sobretudo, os clubes do México e da MLS, muitos deles capazes de bater de frente financeiramente e tecnicamente com os times brasileiros.
Desorganizada e altamente política, a Conmebol também poderia fazer da Libertadores um produto melhor para as tevês, patrocinadores e torcedores. Se tivesse um torneio mais valorizado, poderia vender melhor suas propriedades, dividindo as receitas entre os clubes participantes, que seriam menos impactados pela absurda diferença entre as suas receitas e as das equipes brasileiras.
Vejo como muito improváveis quaisquer uma dessas movimentações por parte da Conmebol. A CBF e os clubes brasileiros, beneficiados por todo o contexto, também não moverão uma palha por mudanças. Mais preocupados com os próprios umbigos do que com a Libertadores ou a cultura do futebol, todos eles tendem a manter essa estrutura que afasta a diversidade do torneio, e deixa-o menos atrativo e empolgante para a maioria do público.