Uma superatleta na técnica, no físico e na força mental
Confira a coluna Acréscimos
Sem baianos em ação em Paris-2024 nesta segunda-feira, escolhi a manhã para testemunhar mais dois duelos históricos entre Rebeca Andrade e Simone Biles na Ginástica Artística. Tanto na prova da trave quanto no solo, o destaque não foi o desempenho de excelência que tem marcado as performances de ambas na Olimpíada, mas um número impressionante de erros que levaram a torcida presente na Arena Bercy à beira de um ataque de nervos.
Poucas vezes em minha vida senti tanta tensão em um ambiente. Os 16 minutos (mais três depois) de acréscimos nas quartas de final do futebol não chegaram nem perto do que presenciei por lá. Tensão na arquibancada e também entres as ginastas, que uma após outra se desequilibravam na trave ou saiam das linhas do solo. Para conquistar uma medalha, seria preciso um misto de coragem, inteligência e cautela que poucas conseguiram alcançar nesta segunda-feira.
Terminou sendo uma competição muito mais emocional do que técnica. Última a se apresentar na trave, favorecida com quedas das favoritas, dentre elas Simone Biles, Rebeca Andrade precisava apenas repetir sua nota da fase de classificação para garantir um ouro mais que inesperado. A estratégia foi arriscar menos e fazer uma série em que tinha mais segurança, com nota 5,7 de partida, contra os 6,1 que tentou na etapa anterior.
Só que os 13.933 que lhe deram o 4º lugar, a apenas 0,066 do bronze, incrivelmente não abalaram a confiança da brasileira. Na coletiva de imprensa após o ouro no solo, perguntei a ela como ela havia passado por cima do sentimento de perder uma medalha para quase uma hora depois voltar a competir e ficar com 1º lugar.
Sincera em sua resposta, Rebeca disse que ela não havia feito nada, porque não teria ficado abalada por não ter ido ao pódio na trave. “Fiz o meu melhor para o que me propus, e por isso o único sentimento que carreguei dali foi o de felicidade pela 4ª colocação numa prova olímpica dificílima. Fui para o solo com a consciência limpa e, de novo, fiz o meu melhor”, avaliou.
Fico imaginando o absurdo preparo mental de uma atleta para se comportar assim. Em uma entrevista que viralizou, Rebeca, ao ser perguntada por uma repórter sobre o que se passava na cabeça dela enquanto esperava uma nova prova na competição individual geral, disse rindo que estava pensando em receitas que queria fazer ao voltar ao Brasil. Desviar a atenção de distrações que tensionam para manter o foco apenas no momento decisivo é algo dificílimo de ser alcançado no esporte de alto rendimento, ainda mais num momento tão recheado de tensões como uma Olimpíada. A potência muscular e a excelente técnica de Rebeca Andrade são raríssimas e especiais, mas sua habilidade de não sucumbir à pressão externa é igualmente extraordinária.
Estamos falando de uma mulher muito jovem, de apenas 25 anos, mas que carrega consigo uma responsabilidade gigante de representar o Brasil, quase que com obrigação de chegar ao pódio sempre. Isso depois de passar por três cirurgias gravíssimas no joelho direito, sem deixar que o trauma de todos os longos processos de recuperação afetasse sua confiança em treinos e competições.
Minha admiração por Rebeca Andrade só cresce a cada nova apresentação e declarações que ela dá. Uma craque do tamanho de Ayrton Senna ou Pelé. Tomara que esteja feliz para disputar Los Angeles 2028 saudável e competitiva. Que atleta!