A questão fiscal: uma análise técnica
Confira a coluna do economista Armando Avena
O mercado financeiro tem alertado sistematicamente para a existência de risco fiscal no país. Já o Ministério da Fazenda tem dito que a situação fiscal está sob controle. Há argumentos fortes de ambos os lados, por isso vale a pena uma análise técnica. Em primeiro lugar, cabe dizer que não há qualquer sinal de crise fiscal no país no curto prazo, mas há sinais evidentes de que, no longo prazo, existem desequilíbrios nas finanças públicas que precisam ser corrigidos.
Não se vê neste momento o não pagamento da dívida interna, nem dificuldades em bancar os serviços públicos ou rolar a dívida pública (crise fiscal é isso!) por parte do governo. Mas existem variáveis indicando que no longo prazo a situação pode se agravar se não forem adotadas medidas corretivas. Vamos explicitar melhor: as finanças públicas estão equacionadas em 2024 e o resultado deve ser – embora o governo garanta que pode cumprir a meta de déficit zero –, um déficit de 0,25% do PIB, dentro do limite inferior da meta estabelecida.
É um resultado bom, afinal no começo do ano o mercado dizia que o déficit seria muito maior, de 1% do PIB. Apesar disso, é preciso, a médio prazo, desfazer o nó fiscal que existe no país há muito tempo, consubstanciado nas despesas obrigatórias que só fazem crescer e no alto volume de renúncias fiscais.
É preciso destacar que o PIB está crescendo, mesmo com os juros altos, e isso significa maior receita para o governo, atendendo ao arcabouço fiscal, mas é preciso conter o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e isso só se faz com corte de gastos e apoio do Congresso Nacional. Ora, para fazer isso é preciso desvincular do salário-mínimo algumas despesas obrigatórias, o que setores organizados da sociedade não querem; é preciso reduzir a renúncia fiscal, o que o empresariado não quer; e cortar gastos do governo, o que o próprio governo não quer. Não é uma equação fácil.
Num quadro como esse é preciso serenidade para trabalhar a variável tempo de modo a ajustar os indicadores gradualmente e no longo prazo. Há pressa demais e uma certa irracionalidade no mercado financeiro, o que não se justifica, pois esse é um problema antigo. O mercado clama, por exemplo, por juros mais altos mesmo com a inflação controlada, sem perceber que isso significa ampliar as despesas com os juros da dívida. Os 0,25% de aumento da Selic na última reunião do Copom vão resultar em bilhões de reais que o governo vai ter de gastar com o serviço da dívida.
O custo da dívida pública ficou mais alto e para cobrir este valor extra, será necessário pegar mais dinheiro emprestado e o Tesouro vai se endividar mais. Os juros mais altos pedidos pelo mercado pioram a relação dívida/PIB e prejudicam o famigerado “fiscal” defendido pelo próprio mercado.
O mercado grita histericamente contra a reversão de R$ 1,7 bi do contingenciamento de R$ 15 bilhões, mas, quem já trabalhou na administração pública, sabe que isso é estratégico: libera gastos quando a arrecadação aumenta e, se for necessário, haverá outro contingenciamento logo ali.
E o mercado fica mais histérico ainda por causa dos gastos não contabilizados nas despesas porque são créditos extraordinários, por causa das enchentes no Sul e da emergência climática, mas, no mundo inteiro, para casos de calamidade é necessário e correto abrir crédito extraordinário, ainda que seja necessário cortar gastos posteriormente para fazer frente a elas. A verdade é que – como os poucos economistas não ligados a bancos que falam na imprensa estão percebendo –, não se resolve a questão fiscal estrutural de supetão, é preciso ir administrando na base da sintonia fina. Existe, é verdade, ao nível do governo uma tendência ao expansionismo fiscal, mas existe também no âmbito do Ministério d a Fazenda e do Planejamento a determinação em manter a austeridade fiscal – gradual e não radical como deve ser num país em desenvolvimento-, o importante é o um compromisso com a manutenção da meta fiscal estabelecida.